EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 31.691/15

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão previstos no quadro municipal dos servidores do Magistério Público de Iguape.

2)     Cargos de provimento em comissão de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, insertos nos Anexos I e III da Lei Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010, do Município de Iguape, que padecem de inconstitucionalidade, pois as funções descritas não substanciam assessoramento, chefia ou direção, mas, atribuições técnicas, profissionais, burocráticas, ou são descritas com alta dose de imprecisão, indeterminação e vagueza. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 31.691/15, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do § 3º do art. 11, da expressão sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” constante no § 4º do art. 40 e dos cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, constantes nos Anexos I e III da Lei  Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010,  do Município de Iguape, pelos fundamentos a seguir expostos:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010, do Município de Iguape, “dispõe sobre o quadro municipal dos servidores do Magistério Público de Iguape”, assim abordando os cargos de provimento em comissão:

“Art. 11 - Os integrantes do Quadro do Magistério de IGUAPE devem exercer suas atividades nas seguintes áreas e na seguinte conformidade:

(...)

II – Área de Suporte Pedagógico – constituída pelos ocupantes de empregos de especialistas de educação que atuarão com as seguintes atribuições:

a) Supervisor de Ensino – atuará no acompanhamento, assessoramento, avaliação e pesquisa do processo administrativo pedagógico das Unidades Escolares das redes municipal e particular e no Departamento de Educação Municipal de Iguape – DEMI – integrando as equipes de trabalho, sendo responsável pela orientação das mesmas de acordo com a política educacional e legislação em vigor. Atuará também na elaboração das normas e procedimentos legais necessários ao cumprimento da legislação em vigor. Caber-lhe-á também preparar a legislação municipal assessorando o Diretor de Departamento de Negócios Jurídicos para encaminhamento das Leis Educacionais à Câmara Municipal.

b) Diretor de Escola Municipal – atuará na direção e coordenação do processo de gestão, conjuntamente com os componentes das equipes de trabalho das Unidades Escolares da Educação Básica na Rede Municipal de Ensino e do Departamento de Educação Municipal de Iguape – DEMI;

c) Vice-Diretor – compõe a equipe de gestão e atuará na administração escolar como auxiliar do Diretor no desempenho de suas atribuições e nos impedimento e ausências legais, substituindo-o nas Unidades Escolares;

d) Coordenador Pedagógico atuará na elaboração, coordenação, avaliação dos trabalhos escolares, projetos, grupos de estudo, pesquisa, gerenciando o projeto pedagógico da escola, efetivando a aprendizagem e melhorando a qualidade do Sistema Municipal de Ensino;

e) Professor Coordenador – atuará nas Unidades de Ensino do Município, juntamente com os professores para o desenvolvimento dos projetos escolares e projetos do Departamento de Educação.

(...)

§ 2º - Os titulares dos empregos referidos no inciso II, alíneas b, c, d e e deste artigo deverão pertencer ao Quadro de Empregos efetivos da Rede Municipal de Ensino de Iguape, e serão nomeados por portaria do Chefe do Executivo Municipal, exceto os Diretores de Escola concursados, observadas as habilitações necessárias estipuladas no Anexo III desta lei.

§ 3º - Os empregos públicos referidos na alínea a do inciso II deste artigo são comissionados, dependendo de nomeação por Portaria do Chefe do Executivo Municipal, observadas as habilitações necessárias estipuladas no Anexo III desta Lei.

(...)

Art. 40 – Os docentes ocupantes de empregos de provimento efetivo serão classificados conforme os seguintes critérios:

(...)

§ 4º - Os empregos de Diretor de Escola, referidos no Anexo IV da presente Lei Complementar, terão sua classificação para atribuição do emprego conforme os critérios do presente artigo, sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei.”

Nos Anexos I e III foram estipulados os requisitos de provimento dos cargos públicos, senão vejamos:

ANEXO I

TABELA DE EMPREGOS DO QUADRO DO MAGISTÉRIO, MANTIDOS REDENOMINADOS E FORMA DE PROVIMENTO

Nº Empregos

Denominação

Provimento

Caga horária Semanal

135

Prof. De Educação Básica I - Infantil

Efetivo

25

135

Prof. De Educação Básica I - Fundamental

Efetivo

30

30

Prof. De Educação Básica II – Língua Estrangeira

Efetivo

40

30

Prof. De Educação Básica II – Educação Física

Efetivo

40

30

Prof. De Educação Básica II – Educação Artística

Efetivo

40

03

Supervisor de Ensino

Comissão

40

25

Diretor de Escola Municipal

Comissão

40

07

Diretor de Escola – A extinguir na vacância

Efetivo

40

20

Vice-Diretor

Comissão

40

10

Coordenador Pedagógico

Comissão

40

20

Professor Coordenador

Comissão

40

 

ANEXO III

DOS EMPREGOS, DOS REQUISITOS E DAS FORMAS DE PROVIMENTO

Denominação

Formas de Provimento

Requisitos

Prof. De Educação Básica I

Concurso Público

Curso normal em Nível Superior ou Licenciatura Plena em Pedagogia com habilitação para ministrar aulas no ensino infantil e fundamental I

Prof. De Educação Básica II

Concurso Público

Curso Superior Afim

Supervisor de Ensino

Comissão

Licenciatura Plena em Pedagogia com 10 (dez) anos de experiência no Magistério, ou cinco anos como Diretor na Rede Municipal de Iguape

Diretor de Escola Municipal

Comissão

Licenciatura Plena em Pedagogia com Administração Escolar e 3 (três) anos de experiência no Magistério, ou Pós-Graduação na área de Gestão Escolar

Vice-Diretor

Comissão

Licenciatura Plena em Pedagogia com Administração Escolar e 3 (três) anos de experiência no Magistério, ou Pós-Graduação na área de Gestão Escolar

Coordenador Pedagógico

Comissão

Licenciatura Plena em Pedagogia com 3 (três) anos de experiência no Magistério

Professor Coordenador

Comissão

Curso normal em Nível Superior ou Licenciatura Plena em Pedagogia, com habilitação na área de alfabetização, com 3 (três) anos de experiência no Magistério com alfabetização 

 

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A atribuição do provimento em comissão aos cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição. (...)”

Os cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, nos termos do art. 115, II e V e art. 144 da Constituição Estadual.

De antemão, cumpre registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 111, 115, I, II e V e 144 da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal – como será adiante corroborado - cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

 

3.     CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE SUPERVISOR DE ENSINO, DIRETOR DE ESCOLA MUNICIPAL, VICE-DIRETOR, COORDENADOR PEDAGÓGICO E PROFESSOR COORDENADOR

As atribuições previstas para os cargos de provimento em comissão anteriormente relacionados, as quais foram previstas nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e” do inciso II do art. 11 da Lei Complementar ora impugnada, têm natureza meramente técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, que não exigem vínculo de especial relação de confiança, senão provimento efetivo mediante prévio concurso público de provas ou de provas e títulos.

A título de exemplo de atribuição que prescinde de especial relação de confiança, a situação do Coordenador Pedagógico, que, nos estritos termos da lei, “atuará na elaboração, coordenação, avaliação dos trabalhos escolares, projetos, grupos de estudo, pesquisa, gerenciando o projeto pedagógico da escola, efetivando a aprendizagem”.

 Outra considerável parcela caracteriza idêntico vício, pois, padece de descrição vaga, imprecisa, ampla e indeterminada de suas atribuições, e que, de qualquer modo, não substanciam funções de assessoramento, chefia ou direção, demonstrando-se, portanto, artificialidade e abusividade em sua criação.

Por amostragem, é o caso da atribuição de “auxiliar do Diretor no desempenho de suas atribuições e nos impedimento e ausências legais”, prevista ao Vice-Diretor, e de atuar “nas Unidades de Ensino do Município, juntamente com os professores para o desenvolvimento dos projetos escolares e projetos do Departamento de Educação” esta, por sua vez, referente ao cargo de Professor Coordenador, ambas demasiadamente genéricas.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I da Constituição Federal; bem como no art. 115, I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou empregos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados não se identifica os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em inúmeros julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de Salto de Pirapora – I – Criação de cargos em comissão sem descrição das atribuições – A descrição das atribuições é imprescindível para possibilitar o controle dos preceitos constitucionais – II. Criação de cargos em comissão cujas atribuições não correspondem a função de direção, chefia e assessoramento – Funções técnicas, que correspondem a cargo público efetivo, a ser provido mediante concurso público – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade das expressões “Secretário de serviço Militar”, redenominado para “Supervisor de Serviço Militar”, prevista na Lei Complementar nº 01/97, e “Diretor de Escola”, redenominado para “Diretor de Educação Infantil” e “Diretor de Ensino Fundamental”, previstas nas Leis Complementares nºs 09/2001, 03/2009 e 09/2010, bem como do artigo 5º da Lei Complementar nº 09/2001 configurada – Ação julgada parcialmente procedente, com modulação dos efeitos”. (TJSP, ADI nº 2114765-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 18 de novembro de 2015, v.u, g.n.)

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 641/2007 (Anexo II) do Município de Zacarias, Lei Complementar nº 1.041/2013 (artigo 6) e Lei Complementar nº 684/2008 (cargos de “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola”). Cargos de provimento em comissão fora do perfil reclamado pelo regime constitucional. Ação procedente, como modulação”. (TJSP, ADI nº 2149122-34.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Arantes Theodoro, julgado em 11 de novembro de 2015, v.u, g.n.)  

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis nºs 3.182 e 3.183, ambas de 01 de agosto de 2014, do Município de Viradouro, que criam, respectivamente, as funções em confiança de “Vice-Diretor de Escola” e “Diretor de Escola”. Ausência do elemento “fidúcia”. Atribuições de ambos os cargos que são técnicas, operacionais, profissionais. Violação ao artigo 115, I, II e V da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da citada Carta. Ação procedente”. (TJSP, ADI nº 2076550-80.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Xavier de Aquino, julgado em 12 de agosto 2015, v.u, g.n.)

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – Anexo II da Lei nº 620, de 16 de janeiro de 2001, com a redação que lhe atribuiu a Lei nº 659, de 8 de novembro de 2001, os cargos de Assessor técnico, Assistente de Diretor de Escola, Assistente de Diretoria, Assistente de Divisão, Assistente da Procuradoria Jurídica, Assistente de Secretaria, Chefe de Divisão, Coordenador, Diretor de Departamento, Diretor de Escola, Engenheiro Chefe e Procurador Jurídico dentre aqueles de provimento em comissão – Falta de descrição das respectivas atribuições que impede a verificação do atendimento dos pressupostos constitucionais para validade dessa forma de provimento – Precedentes do STF – Cargos declinados na legislação impugnada, que não representam funções de assessoramento, chefia e direção, possuindo natureza absolutamente comum, sem exigir do agente nomeado vínculo de especial confiança com seu superior hierárquico – Inclusão destes cargos dentre aqueles de livre nomeação e exoneração, portanto, que se deu em violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, interesse público e do concurso público, inseridos nos artigos 111, caput, e 115, incisos II e V, da Constituição Estadual, evidenciando o vício de inconstitucionalidade alardeado pelo órgão fracionário suscitante – Jurisprudência pacífica desta Corte – Arguição julgada procedente”. (TJSP, II nº 0025339-39.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Paulo Dimas Mascaretti, julgado em 26 de agosto de 2015, v.u, g.n.)   

Por fim, merece atenção especial o § 4º do art. 40, que assim dispõe:

“§ 4º - Os empregos de Diretor de Escola, referidos no Anexo IV da presente Lei Complementar, terão sua classificação para atribuição do emprego conforme os critérios do presente artigo, sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” (g.n.)

O art. 40 se refere aos ocupantes de cargos de provimento efetivo, mas excepciona a situação do Diretor de Escola que, conforme disposto no Anexo I, será extinto na vacância, quando, a partir daí, passará a ser de provimento comissionado.

Ocorre que, pelas razões supramencionadas, o cargo de Diretor de Escola deve ser de provimento efetivo, de modo que deve ser julgada inconstitucional a expressão “sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” constante no § 4º do art. 40 da LC nº 31/2010, de Iguape, por -  juntamente com o Anexo I – determinar a extinção dos cargos de provimento efetivo de Diretor de Escola e atribuir-lhe, a partir de então, o provimento o comissionado.

Cabe também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

 

4.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Iguape apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrado que

Os cargos em comissão de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, constantes na Lei Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010, do Município de Iguape, desempenham atribuições essencialmente técnicas, burocráticas e profissionais devendo ser preenchidos por servidores efetivos, de carreira, com indispensável realização de concurso público.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para a suspensão do § 3º do art. 11, da expressão sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” constante no § 4º do art. 40 e dos cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, constantes nos Anexos I e III da Lei  Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010,  do Município de Iguape.

 

5.     DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do § 3º do art. 11, da expressão sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” constante no § 4º do art. 40 e dos cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, constantes nos Anexos I e III da Lei Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010, do Município de Iguape.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Iguape, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

                             São Paulo, 29 de junho de 2016.

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

          Procurador-Geral de Justiça

 

 

ms/mam

 

 

Protocolado nº 31.691/15

Interessada: Promotoria de Justiça de Iguape

 

 

1.                Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do § 3º do art. 11, da expressão sendo que somente após a atribuição de todos os diretores de escola efetivos, referidos no presente parágrafo, é que se procederá a nomeação em comissão, conforme determina o art. 11, § 2º desta Lei” constante no § 4º do art. 40 e dos cargos de Supervisor de Ensino, Diretor de Escola Municipal, Vice-Diretor, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, constantes nos Anexos I e III da Lei Complementar nº 31, de 02 de fevereiro de 2010,  do Município de Iguape.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 29 de junho de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

          Procurador-Geral de Justiça

 

 ms/mam