Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 126.215/15

 

Ementa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.670, de 10 de setembro de 2012, alterada pela Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, ambas do Município de Francisco Morato. Iniciativa parlamentar. Criação de órgão na administração consistente no Conselho Municipal dos Evangélicos de Francisco Morato - CMEFM. Previsão de atribuições e providências a cargo do Poder Executivo. Violação da reserva de iniciativa (art. 24, § 2º, 2 c.c. 144 da CE). Violação à laicidade estatal (art. 144 da CE c.c. art. 5º, VI e 19, I da CF). Procedência da ação.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 126.215/15) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 2.670, de 10 de setembro de 2012, alterada pela Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, ambas do Município de Francisco Morato, pelos fundamentos a seguir expostos.

I - OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei nº 2.670, de 10 de setembro de 2012, alterada pela Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, ambas do Município de Francisco Morato, que “cria o Conselho Municipal dos Evangélicos de Francisco Morato - CMEFM e dá outras providências”, fruto de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

                                            

           

 

A Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, deu nova redação e alterou dispositivos da lei nº 2.670/12, nos seguintes termos:

 

 

 

Entretanto, os atos normativos são verticalmente incompatíveis com a Constituição Paulista, como será visto a seguir.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os diplomas impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

    As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 19 - Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

VI - criação e extinção de Secretarias de Estado e órgãos da administração pública; 

(...)

Art. 24. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º. Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

2 - criação das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;

(...)

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

 

I.I. – DO VÍCIO DE INICIATIVA

A Lei Municipal 2.670, de 10 de setembro de 2012, de Francisco Morato, de iniciativa parlamentar, ao criar órgão na administração pública municipal, violou a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, bem como a denominada reserva da Administração.

Em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).

Com efeito, postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual.

Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

Como consequência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

Também por decorrência do citado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina:

“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).

(...)

A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

Assim, se em princípio a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por tangenciarem assuntos de natureza eminentemente administrativa e, concomitantemente, direitos de terceiros ou o próprio exercício dos poderes estatais, são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, 47, II e XIX, a).

Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes conclusões: (a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada competência; (b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; (c) há matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma do Poder Executivo. A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da iniciativa legislativa:

“Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).

Desta forma, reproduzindo o art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, o art. 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual, confere exclusiva iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo para criação de órgãos da Administração Pública, bem como a respectiva conferência de atribuições e competências.

A Lei nº 2.670/12, alterada pela Lei nº 2.888/16, ora impugnadas, criam e modificam um Conselho Municipal e impõem obrigações para a administração municipal, como v.g.: indicação de representantes para compor o referido Conselho e a atribuição de convocar a realização de reunião de referido órgão, o que é absolutamente vedado pela ordem constitucional.

O E. Supremo Tribunal, nesse sentido, vem reiteradamente reconhecendo a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam órgãos administrativos. Confira-se:

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue - COFISAN, órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CR/88). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-07, DJ de 8-6-07).

 “CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS. INICIATIVA LEGISLATIVA RESERVADA. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e, art. 63, I; Lei 13.145/2001, do Ceará, art. 4º; Lei 13.155/2001, do Ceará, artigos 6º, 8º e 9º, Anexo V, referido no art. 1º. I. - As regras do processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros. Precedentes do STF. II. - Leis relativas à remuneração do servidor público, que digam respeito ao regime jurídico destes, que criam ou extingam órgãos da administração pública, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e. III. - Matéria de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda - C.F., art. 63, I - ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência de emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF. IV - ADI julgada procedente” (STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).

No mesmo sentido, ainda no E. STF, os seguintes precedentes: ADI 2.808, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-8-06, DJ de 17-11-06; ADI 603, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-8-06, DJ de 6-10-06; ADI 1.144, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-8-06, DJ de 8-9-06; ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-02, DJ de 7-6-02.

Anote-se, também, que esse E. Tribunal de Justiça de São Paulo vem reconhecendo a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam órgãos, alteram a estrutura, ou conferem novas atribuições à administração, como se infere da ementa a seguir transcrita:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar n. 4.787/2015, do Município de Caieiras, que dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico, cultural e natural do Município, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Município de Caieiras A criação de órgão administrativo e de fundo municipal, bem como o estabelecimento de obrigações a entidades do Poder Executivo, desrespeita os artigos 5º, 24, § 2º, item 2, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual Vício formal de iniciativa Lei de iniciativa parlamentar que invadiu a competência legislativa do Chefe do Poder Executivo, ofendendo o princípio da separação dos poderes Inconstitucionalidade configurada no tocante a tais dispositivos Possibilidade, contudo, de lei municipal de iniciativa do Poder Legislativo dispor sobre a proteção ao patrimônio histórico, cultural e natural do Município Competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, VII, CF, e 19, VII, CE) Ademais, a matéria tributária não se insere no âmbito de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo Interpretação restritiva que se confere às matérias de iniciativa reservada, previstas no rol taxativo do artigo 24, § 2º, da CE. Ação julgada parcialmente procedente (ADIN nº 2206569-77.2015.8.26.0000, Rel. Des. Moacir Peres, j. 17.02.16).

Aliás, esse E. Tribunal tem sucessivamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que violam a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo, como se verifica nos seguintes julgados: ADI 2055843-28.2014.8.26.0000, rel. des. Luiz Antonio de Godoy, j. 30.07.14; ADI 0062507-46.2013.8.26.0000, j. 11.09.13, rel. des. ADI 134.410-0/4, j. 05.03.2008, rel. des. Viana Santos; ADI 153.152-0/5-00, j. 05.03.2008, rel. des. Aloísio de Toledo César; ADI 150.974-0/4, j. 20.02.2008, rel. des. Viana Santos.

Em síntese, absolutamente válida a advertência feita por Hely Lopes Meirelles, para quem “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

I.II – DO VÍCIO MATERIAL – VIOLAÇÃO À LAICIDADE DO ESTADO

Ainda que não houvesse vício de iniciativa nas leis ora impugnadas, é certo que referidos textos legais também padecem de inconstitucionalidade pela inobservância da laicidade imposta ao Estado Brasileiro.

De fato, há clara violação ao artigo 144 da Constituição Bandeirante, que impõe a observância obrigatória do disposto no artigo 5º, VI e art. 19 da Constituição Federal, que assim estabelecem:

Art. 5º (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

O Estado brasileiro, portanto, é laico e garante a pluralidade de crenças; ao dizer de CELSO RIBEIRO BASTOS ('Curso de Direito Constitucional', v. 2.º, p. 51, Saraiva):

"... a liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto n. 119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado brasileiro tornou-se, desde então, laico, ou não-confessional. Isto significa que ele se mantém indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se, para o que o direito presta a sua ajuda pelo conferimento do recurso à personalidade jurídica. Portanto, as igrejas funcionam sob o manto da personalidade jurídica que lhes é conferida nos termos da lei civil. Destarte, o princípio fundamental é o da não-colocação de dificuldades e embaraços à criação de igrejas. Pelo contrário, há até um manifesto intuito constitucional de estimulá-las, o que é evidenciado pela imunidade tributária de que gozam”.

Porém, aspecto relevante da laicidade constitucionalmente imposta, importa na adoção de absoluta neutralidade por parte do Estado, que não pode adotar posturas voltadas quer a beneficiar ou prejudiciar as diversas igrejas porventura estabelecidas no território nacional.

Nesse sentido, continua o autor mencionado:

“Outro princípio fundamental é que o Estado deve manter-se absolutamente neutro, não podendo discriminar entre as diversas igrejas,  quer para beneficiá-las, quer para prejudicá-las".

De fato, não compete ao poder público criar Conselhos Municipais de qualquer religião, crença ou fé, à luz do disposto nos arts. 5º, VI e 19, I da Constituição Federal, aplicável ao caso por força de remissão a seus preceitos contida no art. 144 da Constituição Estadual, se tanto não bastasse o art. 111 do mesmo diploma que determina a incidência, dentre outros, de princípios como igualdade, legalidade, finalidade, interesse público.

Ora, se o poder público pode colaborar, de forma indistinta a todos os credos, não lhe é dado manter com seus representantes relações de dependência ou aliança, ou subvencioná-los, direta ou indiretamente, posto que a liberdade de religião abrange o direito de não ter religião, do qual emana o impedimento à Administração Pública de criar Conselhos Municipais de determinada crença.

Desse modo, a criação do Conselho Municipal dos Evangélicos não encontra guarida na ordem constitucional.

IV - O PEDIDO

Diante do exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade dos atos normativos já mencionados.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que seja ao final julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.670, de 10 de setembro de 2012, alterada pela Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, ambas do Município de Francisco Morato.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Tatuí, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, aguardando-se posterior vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 23 de junho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 126.215/15

 

 

 

Vistos.

 

1.  Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face da Lei nº 2.670, de 10 de setembro de 2012, alterada pela Lei nº 2.888, de 10 de março de 2016, ambas do Município de Francisco Morato.

 

São Paulo, 23 de junho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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