Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 145.584/2015

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Inciso ii, do art. 37, que possibilita a ascensão de servidor efetivo a cargo distinto e Art. 60 e anexo ii, todos da lei complementar 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista. Cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico. Atribuições da advocacia pública. 1. Ofensa ao princípio do concurso público e de seus corolários lógicos. 2 - Transposição ofensiva aos arts. 111 e 115, I e II, da Constituição Estadual e Súmula 685, convertida na redação da Súmula Vinculante nº 43, do egrégio Supremo Tribunal Federal. 3 – Precedentes. 4. As atividades de advocacia pública e suas respectivas chefias são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (arts. 30, 98 a 100, da Constituição Estadual).

 

 

 

 

        

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso II, do art. 37, e do art. 60, bem como do cargo de Assessor Jurídico, inserto no item 6 do art. 64 e Anexo II, todos da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

         O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada pela Promotoria de Justiça da Comarca de Santa Fé do Sul, a fim de apurar a constitucionalidade dos dispositivos que tratam da promoção vertical, insertos nos arts. 31 a 45 da Lei Complementar nº 75, de 17 de maio de 2006, do Município de Nova Canaã Paulista (fls. 42/43).

         De início, cumpre salientar que o ato normativo citado acima foi revogado pelo art. 68 da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista; todavia, as disposições que tratam da promoção vertical foram reproduzidas na íntegra, no ato normativo revogador.

Com efeito, a Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, “Altera a Lei Complementar nº 75, de 17 de maio de 2006, que dispõe sobre a Reorganização, Evolução Funcional, Plano de Carreira e Vencimentos, para os integrantes do Quadro de Pessoal da Câmara Municipal de Nova Canaã Paulista e dá outras providências” (fls. 59/75).

Na Seção II da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Canaã Paulista, houve o tratamento do tema “DA PROMOÇÃO VERTICAL”.

No art. 37 da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, foram descritas as condições para concorrer a promoção vertical, com a seguinte redação (fls. 59/75):

“(...)

SEÇÃO II

DA PROMOÇÃO VERTICAL

Art. 37 – Para concorrer a promoção vertical o servidor deverá atender, cumulativamente, as seguintes condições:

I – Estar exercendo o cargo de provimento efetivo e classificado na classe do mesmo;

II – comprovar a escolaridade exigida e, quando prevista, a habilitação em cursos de formação ou conhecimentos específicos para provimento no cargo ou função que concorrer;

III – estar incluído entre os 50% (cinquenta por cento) dos servidores melhores avaliados no cargo, na classe, ou nível;

IV – ser aprovado, quando exigido, em processo seletivo específico, para provimento a cargo que estiver concorrendo dentro da respectiva carreira.

(...)” g.n

         Por sua vez, o art. 60 da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, dispõe que o cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico passa a cumprir a jornada de trabalho de 20 horas semanais, com o seguinte teor (fls. 59/75):

“(...)

Art. 60 – Fica reclassificado o seguinte cargo em comissão 40 horas semanais para 20 horas semanais, e do Padrão I, para o padrão J, constantes no Anexo II desta Lei;

I)     01 cargo de Assessor Jurídico Padrão I, em 01 cargo de Assessor Jurídico Padrão J.

(...)”

O art. 64, 6, definiu as atribuições do cargo de Assessor Jurídico, com a seguinte redação (fls. 59/75):

“(...)

Art. 64 – Definem-se as atribuições dos cargos para exercício de suas funções nas áreas designadas da Câmara Municipal de Nova Canaã Paulista – SP.

(...)

6) Cargo em Comissão 20 horas semanais de Serviços Jurídicos:

Assessor Jurídico

Atribuições Detalhadas:

- Assessorar o Presidente, as Comissões e os Senhores Vereadores quanto a legalidade dos projetos de lei e leis; elaborar documentos; instituir e assessorar nos processos legislativos que versam sobre assuntos jurídicos; relatar parecer em questões jurídicas, defender a Câmara Municipal em qualquer tribunal, jurídico ou administrativo; assessoramento jurídico das Sessões Ordinárias e Extraordinária; orientações sobre Técnica Legislativa aos funcionários da Secretaria; zelar pelo cumprimento da Lei Orgânica e do Regimento Interno da Câmara Municipal; o Assessor Jurídico deverá, ainda, estar a disposição dos Senhores Vereadores para assuntos da Câmara Municipal, outras atividades de sua esfera de competência.

- Iniciativa/Complexidade: executa tarefas rotineiras de Assessoria Jurídica.

- Responsabilidade/Dados Confidenciais: total, lida com documentos de caráter sigiloso.

- Responsabilidade/Patrimônio: pelos equipamentos e materiais que utiliza.

- Responsabilidade/Segurança de Terceiros: nenhuma

- Responsabilidade/Supervisão: eventualmente

- Ambiente de Trabalho/Insalubre: normal, de escritório.

(...)”

O Anexo II da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, dispõe sobre o quadro de cargos de provimento em comissão, com a seguinte redação (fls. 59/75):

“(...)

QUADRO DE CARGOS EM COMISSÃO

40 HORAS SEMANAIS COM RECLASSIFICAÇÃO EM 20 HORAS SEMANAIS

ANEXO II

SITUAÇÃO ATUAL

SITUAÇÃO NOVA

(...)

QUANT.

CARGO

PADRÃO DE VENCIMENTOS

CARGA HORÁRIA

REQUISITO

 

01

Assessor Jurídico

J

20

Superior com Registro no órgão competente

 

 

EXTINTO

 

 

 

 

(...)”

É possível afirmar que os dispositivos acima ofendem frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 30, 98 a 100, 111, 115, incisos I e II, e 144.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         O inciso II, do art. 37, e o art. 60, bem como o cargo de Assessor Jurídico, inserto no item 6 do art. 64 e Anexo II, todos da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, impugnados, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

         Os dispositivos contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 30 - À Procuradoria da Assembléia Legislativa compete exercer a representação judicial, a consultoria e o assessoramento técnico-jurídico do Poder Legislativo.

Parágrafo único - Lei de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa organizará a Procuradoria da Assembleia Legislativa, observados os princípios e regras pertinentes da Constituição Federal e desta Constituição, disciplinará sua competência e disporá sobre o ingresso na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos.

Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

 III – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO II, DO ART. 37 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 148, DE 10 DE OUTUBRO DE 2014, DO MUNICÍPIO DE NOVA CANAÃ PAULISTA

O inciso II, do art. 37 da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, viola princípios constitucionais que exigem a realização de concurso público para acesso aos cargos e empregos na administração pública, e, por consequência, viola também a regra da acessibilidade geral e da isonomia com relação ao provimento de cargos na administração pública, que decorrem dos seguintes dispositivos da Constituição Estadual:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art.115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração.”

É oportuno recordar que tais dispositivos são reproduções do disposto no art. 37, incisos I e II, da CR/88, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

Na presente situação, o dispositivo contestado da ensejo a promoção vertical de servidores efetivos entre cargos de níveis de escolaridade diferentes, razão pela qual referido dispositivo é inconstitucional.

Com efeito, o requisito de escolaridade deve ser determinante e aferido quando do ingresso no serviço público.

Desta forma, a possibilidade de aferir o requisito da escolaridade para a promoção vertical, acarretando ascensão a cargo diverso do qual o servidor foi habilitado, afigura-se inconstitucional.

Dispensa maiores digressões a afirmação de que a realização de concurso público, para acesso aos cargos, empregos e funções públicas, é a regra. Ela só admite exceções nas estritas hipóteses previstas nas Constituições Federal e Estadual, quais sejam: (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei de cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público (cf. art. 115, incs. II, V e X, da Constituição Paulista; art. 37, incs. I, II e IX, da CR/88).

Diante disso, qualquer dispensa indevida da realização de concurso para fins de ingresso no serviço público, ou mesmo a realização de provimentos a partir de concursos internos, para que servidores ocupem cargos ou empregos situados em carreira distinta, ou finalmente o simples aproveitamento de servidores em cargos ou empregos integrantes de carreira distinta são atos que significam, na prática, burla à regra do concurso. Traduzem-se, do mesmo modo, em criação de óbice à acessibilidade de todos os cidadãos aos cargos públicos previstos em lei, e, por conseguinte, violação ao princípio da isonomia. Criam, finalmente, possibilidade de favorecimento, com quebra do princípio da impessoalidade.

Não se pode confundir o caso tratado nestes autos com situações em que, por lei nova, é conferida nova denominação a cargos públicos, sem que haja mudança de atribuições. Em tais casos, o enquadramento dos antigos titulares, admitidos por concurso público, é feito sem maiores dificuldades ou questionamentos, pois que é admissível a “transposição” do servidor para cargo idêntico, da mesma natureza, em novo sistema de classificação (STF, RTJ 150/26).

Note-se que, para que tal solução seja legítima, é imprescindível que o aproveitamento de ocupantes de cargos extintos nos recém-criados se opere em vista de “completa identidade substancial entre os cargos em exame, além de compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso” (ADIs 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti, e 2.713, Rel. Min. Ellen Gracie).

Esta situação não se confunde com a hipótese de “transformação”, em que se verifica a alteração do título e das atribuições do cargo, e por isso configura novo provimento, a depender da exigência de concurso público (ADI 266, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 18-6-93, DJ de 6-8-93).

 Vale recordar que o conceito de carreira diz respeito ao “agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário” (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 424). No mesmo sentido: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, 2005.

Natural assim a evolução funcional, que deve ocorrer, dentro de uma mesma carreira, de um cargo ou emprego situado em plano inferior, para outro localizado em patamar superior.

Diversa, entretanto, é a hipótese em exame, pois aqui o que se verifica, é a burla, de forma indireta, do princípio do concurso público e de seus corolários lógicos.

Nosso sistema constitucional consagrou o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, na forma prevista em lei, e a submissão prévia a concurso público, ressalvadas, evidentemente, as nomeações para cargos em comissão. Na definição de Adilson Abreu Dallari, concurso público é “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados” (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª ed., São Paulo, RT, 1992, p. 36, apud Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., t. III, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 67).

 É por meio do concurso que se resguarda “a aplicação do princípio da igualdade de todos (CF., art. 37, I) e, ao mesmo tempo, o interesse da Administração em admitir somente os melhores” (Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 66), afastando-se “os ineptos e apaniguados, que costumam abarrotar as repartições públicas, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, RT, 2008, p. 440/441).

Acrescente-se, ademais, que a existência de formas de provimento derivadas “de modo algum significa abertura para costear se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo na nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que ultrapassaram apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se qualificaram tão somente para eles – venham a aceder, depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificação bem mais elevada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, São Paulo, RT, 1995, p. 55).

Não se nega, observe-se, a possibilidade de aprimoramento na organização administrativa de determinado ente federativo, e tampouco a reestruturação do respectivo quadro de cargos, empregos e funções. Tal possibilidade é ínsita à própria autonomia de cada ente federativo, e em especial dos Municípios (art. 29, 30, inc. I, da CR/88).

Também não se refuta a possibilidade de enquadramento de servidores, já integrantes da administração, nos casos de extinção ou transformação de cargos, empregos e funções, desde que idênticas as atribuições do novo cargo, e idênticos os requisitos ou condições exigidos dos candidatos ao seu provimento. Contudo, como anota Hely Lopes Meirelles, “se a transformação implicar alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, que exige concurso público” (Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 427).

É oportuno averbar que no STF a matéria é pacífica. Encontra-se sedimentada no verbete nº 685 da súmula da jurisprudência dominante da Corte.

Ademais, referida súmula nº 685, do egrégio Supremo Tribunal Federal, com a mesma redação, fora convertida em súmula vinculante de nº 43 e, portanto, deverá ser observada em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, conforme determina o art. 103-A, da Constituição Federal. Mencionada súmula vinculante de nº 43, tem a seguinte dicção:

“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (SÚM. VIN. 43).

Há diversos precedentes do STF que, sob vários aspectos e em situações diferentes, confirmam que nosso sistema constitucional não transige com a regra do concurso público. Assim, como quando a Corte veda a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso (ADI 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5-8-92, DJ de 13-11-92; ADI 3.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1º-8-07, DJ de 17-8-07); ou proíbe o mero enquadramento de prestadores de serviço (ADI 3.434-MC, voto do Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-8-06, DJ de 28-9-07); ou mesmo veda o enquadramento de servidores que exerçam determinadas funções, em cargos que integram carreira distinta, ainda que com período prévio de reciclagem (ADI 388, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-9-07, DJ de 19-10-07; ADI 3.442, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7-11-07, DJ de 7-12-07).

Relevante notar, do mesmo modo, que a exigência de concurso público para a investidura em cargo assegura, entre outras coisas, o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia. A estabilidade constitucional anômala e transitória prevista no art. 19 do ADCT-CR/88, aplicável aos servidores não concursados que, quando da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público, tem sido interpretada restritivamente. O STF tem, reiteradamente, afirmado a inconstitucionalidade de normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996); ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002); ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-04, DJ de 1º-10-04; ADI 88, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-5-00, DJ de 8-9-00; ADI 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 16-3-07; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 27-4-07.   

Nesse sentido, também já se pronunciou o egrégio Tribunal de Justiça, nos termos abaixo:

“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Complementar Municipal nº 77/10 (a qual “dispõe sobre a transformação dos cargos de Assistente de Desenvolvimento Infantil e Crecheira/Pajem para Professor do Desenvolvimento inicial, e promove a Inclusão no Quadro do magistério Municipal como Profissionais de Educação e dá outras providências” – Vício de inconstitucionalidade material configurado, por afronta ao disposto nos artigos 111, 115, inciso I e II, e 144, todos da Carta Estadual – Precedentes deste Colendo órgão Especial – Ação procedente.” (ADI nº 0296377-69.2011, Relator Guilherme G. Strenger, julgamento em 23/05/2012).

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 75 da Lei n] 4.681/98 do Município de São Bernardo do Campo – Legislação local que dispõe sobre o ensino público municipal – Órgão Fracionário deste Tribunal que aponta inconstitucionalidade ao supramencionado dispositivo de lei por afronta ao inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e incisos I e II do artigo 115 da Constituição do Estado de São Paulo – ocorrência – Legislação local que transforma os cargos isolados de provimento efetivo de ‘Monitor’ e ‘Monitor de Creche’ em ‘cargo de carreira’ de ‘Professor de Educação Básica – Infantil’ – Violação da obrigatoriedade da realização de concurso público de provas e títulos para o provimento do cargo – Inteligência do disposto no inciso II do artigo 37 e inciso V do disposto do artigo 206 ( com a redação dada à época da edição da lei pela EC 19/98), ambos, da Constituição Federal – Disparidade entre a titulação e atribuições exigidas para os cargos que impede a transformação, sob pena de violação indireta das regras de provimento e progressão – entendimento doutrinário no sentido – aplicação da súmula nº 685 do E. Supremo Tribunal Federal – Disposição de lei local que dá tratamento privilegiado àqueles que já estavam no serviço público, em detrimento dos demais cidadãos que poderiam concorrer ao cargo – Inconstitucionalidade do artigo 75 da Lei nº 4.681 do Município de São Bernardo do Campo reconhecida – Incidente de inconstitucionalidade procedente, com determinação” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 990.10.202758-9 – Rel. Des. José Reynaldo – j. 22.09.2010 – V.U).

IV - DO CARGO DE ASSESSOR JURÍDICO

Conforme demonstrado anteriormente, há no quadro de cargos de provimento em comissão o Assessor Jurídico, inserto no art. 60, item 6 do art. 64 e Anexo II da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista.

É inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

         A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

         Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

         Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

         É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

         A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553; STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

         É incompatível com o art. 30 e, seu parágrafo único, bem como os arts. 98 a 100, todos da Constituição Estadual a forma de provimento em comissão livre destinada ao cargo de Assessor Jurídico nos dispositivos impugnados.

 Pois, não bastassem as ponderações anteriores, atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública centralizada ou descentralizada, são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público.

Cediça jurisprudência assim pronuncia:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARTS. 35 E 36 E ANEXO III DA LEI 1.751/91 E ART. 3º DA LEI 1.982/95, AMBAS DO MUNICÍPIO DE ELIAS FAUSTO – INADMISSIBILIDADE DE PREVISÃO DE EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO SEM DESCRIÇÃO DAS RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES – CARGO DE “CONSULTOR JURÍDICO” QUE DEVE SER PROVIDO NA FORMA DE SISTEMA DE MÉRITO, POR SE TRATAR DE ADVOCACIA PÚBLICA – PREVISÃO DE GRATIFICAÇÃO DE ATÉ 100% DE ACRÉSCIMO SALARIAL QUE CONFIGURA AUMENTO INDIRETO E DISSIMULADO DE REMUNERAÇÃO – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, 98, 99, 100, 115, 128 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PELO MÉRITO COM MODULAÇÃO DE EFEITOS”. (TJSP, II nº 2145442-41.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. João Negrini Filho, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Arts. 1º, §1º, II e III, e 8º, da Lei nº 1.585/2009, e art. 1º, parágrafo único, II, da Lei nº 1.568/2009, todas do município de Salesópolis – Criação dos cargos de “Diretor Técnico Jurídico do Departamento de Contenciosos Judiciais e Execução Fiscal” e “Diretor Técnico Jurídico do departamento de Assuntos Administrativos, Licitações, Contratos e Convênios” e “Advogado” – Descrição que caracteriza atividade exclusiva funcional dos integrantes da Advocacia Pública, cuja investidura no cargo depende de prévia aprovação em concurso público – Violação dos artigos 98 a 100, da Constituição Paulista – Ação procedente, modulados os efeitos desta decisão para terem início em cento e vinte dias contados a partir deste julgamento”. (TJSP, ADI nº 2163849-95.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Luiz Antonio de Godoy, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)   

“Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo de Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Novo Horizonte. Cargo em comissão. Hipótese de que não configura função de chefia, assessoramento e direção. Função técnica. Atividade de advocacia pública. Inobservância aos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Ação procedente.” (TJSP, ADI nº 2114733-23.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Márcio Bartoli, julgado em 9 de dezembro de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Questionamento do artigo 11 da Lei nº 10, de 26 de março de 2014, do município de Palestina, na parte em que criou o cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”. Alegação de inconstitucionalidade. Reconhecimento. Cargo que – a par de não corresponder a funções de direção, chefia e assessoramento superior – tem as mesmas atribuições da Advocacia Pública e, pela ausência de situação de emergência e excepcionalidade, deve ser reservado a profissional recrutado por sistema de mérito e aprovação em certame público, nos termos do art. 98 a 100, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade manifesta. Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI nº 2155538-52.2014.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Ferreira Rodrigues, julgado em 13 de maio de 2015, v.u)

Assim, não bastassem à natureza técnica e profissional do cargo de Assessor Jurídico, inserto no art. 60, item 6 do art. 64 e Anexo II da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista, por força dos art. 30 e, seu parágrafo único e 98 a 100 da Constituição Estadual, não há possibilidade ser cargo de provimento em comissão.

V – Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso II, do art. 37, e art. 60, bem como do cargo de Assessor Jurídico, inserto no item 6 do art. 64 e Anexo II todos da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Nova Canaã Paulista, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 21 de julho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ef/mi

Protocolado n. 145.584/2016

Interessado: Doutor Fabrício Machado Silva – Promotor de Justiça da Comarca de Santa Fé do Sul

 

 

 

 

         Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face do inciso II, do art. 37, e do art. 60, bem como do cargo de Assessor Jurídico, inserto no item 6 do art. 64 e Anexo II todos da Lei Complementar nº 148, de 10 de outubro de 2014, do Município de Nova Canaã Paulista.

         Ciência ao douto Promotor de Justiça interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 21 de julho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mi