EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 141.674/15
Ementa: CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO FORA DOS PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS. Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de “Assessor de
Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”,
“Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e
“Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e
III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas
pelas Leis Complementares n° 18, de 02 de setembro de 2014 e n° 13, de 13 de
maio de 2015, do Município de Tietê.
1. Cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da
Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor” e “Diretor de Departamento”. É
inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata
atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas,
burocráticas, operacionais e profissionais a ser preenchido por servidor
público investido em cargo de provimento efetivo (arts.111, 115, I, II e V, e
144, da CE/89).
2. Cargos de “Diretor Superintendente” e “Supervisor”. Ausência
de descrição legal das atribuições dos cargos em comissão criados. Violação do
princípio da reserva legal. O núcleo das competências, dos poderes, dos
deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio
da reserva legal. (arts. 24, § 2º, 1, 115, I, II e V, 144, da Constituição
Paulista).
3. Cargo de “Procurador Geral”. As atividades de advocacia
pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais
recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 141.674/2015, que segue como anexo), vem perante
esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos cargos de “Assessor de
Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”,
“Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e
“Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e
III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas
pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13,
de 13 de maio de 2015, pelos fundamentos
expostos a seguir:
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
A Lei Complementar n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, do Município de Tietê, que “dispõe sobre a Reorganização Administrativa da Prefeitura do Município de Tietê e dá outras providências”, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014 e pela Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:
“(...)
Art. 112. Ao Diretor de Departamento compete:
I-
Realizar
serviços especiais determinados pelo superior imediato na área de trabalho de
sua formação específica;
II-
Prestar
informações em processos sobre assuntos que forem solicitados;
III-
Providenciar
relatórios de atividades de sua área de atuação;
IV-
Executar
projetos de racionalização, reorganização, melhorias de condições de trabalho e
eficiência produtiva;
V-
Distribuir
as tarefas entre os seus subordinados, controlando prazos para sua fiel
execução;
VI-
Prestar
aos seus superiores hierárquicos informações e esclarecimentos sobre assuntos
de sua competência;
VII-
Proferir
despachos decisórios em assuntos de sua competência e interlocutórios naqueles
cuja decisão esteja fora de sua alçada;
VIII-
Assessorar
no atendimento às pessoas que se dirigem ao Departamento, anotando os assuntos,
resolvendo-os quando possível, ou direcioná-los ao superior hierárquico;
IX-
Prestar
assessoria ao superior imediato na elaboração e organização dos documentos
pertinentes ao Departamento, inclusive agendas, responsabilizando-se pelo
arquivamento, registro e envio;
X-
Assessorar
no controle, manuseio e conservação de documentos pertinentes a área de
atuação;
XI-
Elaborar
e digitar as diversas correspondências, com eficiência e dentro das normas
legais, cuidando para a sua perfeita tramitação;
XII-
Anotar
leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de
interesse do Executivo Municipal e de outros setores que envolvam direta ou
indiretamente a sua área de atuação, mantando sua chefia imediata informada
quanto ao teor nelas contido e quando autorizado, tomar as providências
necessárias;
XIII-
Assessorar
a chefia imediata na tomada de providências relativas ao controle do estoque de
materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender às atividades
de sua área de atuação;
XIV-
Desempenhar
outras atividades correlatas que lhe forem atribuídas pelo superior
hierárquico.
(...)
Art. 118. (...)
Parágrafo único- As atribuições do cargo de Diretor Superintendente serão regulamentadas por Lei específica.
(...)
ANEXO II
QUADRO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
DENOMINAÇÃO |
QUANTIDADE |
NÍVEL |
ASSESSOR DE GESTÃO
PÚBLICA |
01 |
II |
CHEFE DE GABINETE |
01 |
III |
COMANDANTE DA GUARDA
CIVIL |
01 |
III |
CONTROLADOR GERAL |
02 |
III |
COORDENADOR |
16 |
I |
DIRETOR DE
DEPARTAMENTO |
29 |
III |
OUVIDOR |
02 |
II |
PROCURADOR GERAL |
01 |
IV |
SECRETÁRIO |
13 |
V |
DIRETOR
SUPERINTENDENTE |
01 |
V |
SUPERVISOR |
02 |
II |
TOTAL |
68 |
|
ANEXO III
QUADRO DE ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO
CARGO |
ATRIBUIÇÕES |
ASSESSOR DE GESTÃO PÚBLICA |
I-
Assistência direta e imediata ao Departamento no desempenho de suas
atribuições e, especialmente, concepção e execução de projetos e contatos que
por ele sejam determinados em assuntos que subsidiem a elaboração de ações
específicas do Departamento; II- Assessorar na elaboração e preparação de documentos, responsabilizando-se pelo seu registro e envio; III- Assessorar no controle, registro e na conservação de documentos, organizando o arquivo e assessorando, sempre que necessário, as consultas para o bom andamento das atividades do Departamento; IV- Assessorar no acompanhamento dos trâmites dos processos específicos de sua área de atuação, mantendo a chefia imediata informada e, quando autorizado, adotar providências de interesse do Departamento para solução de problemas; V- Interpretar leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Departamento para divulgação, aplicação e assessoramento; VI- Assessorar o Diretor de Departamento na tomada de providências relativas ao controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender as atividades de sua área de atuação; VII- Assessorar o Diretor de Departamento na programação do atendimento do público interno e externo, que procura o seu órgão de atuação; VIII- Desempenhar outras atividades correlatas as suas atribuições e aquelas solicitadas pelo Diretor. |
CARGO |
ATRIBUIÇÕES |
COMANDANTE DA GUARDA CIVIL |
I-
Superintender todas as atividades e serviços da Guarda Civil, facilitando,
no entanto, o livre exercício das funções de seus subordinados, a fim de que
desenvolvam o espírito e iniciativa e sintam a responsabilidade decorrente; II-
Ter a iniciativa necessária ao exercício de Comando e usá-la sob sua
inteira responsabilidade; III-
Esforçar-se para que seus subordinados façam do cumprimento do dever um
verdadeiro modo de viver e exigir que pautem sua conduta, dentro ou fora da
corporação, pelas normas da mais severa moral; IV-
Imprimir a todos seus atos, como exemplo, o máximo de correção,
pontualidade e justiça; V-
Cuidar para que os ocupantes de funções de comando sirvam em tudo de
exemplo para seus subordinados; VI-
Conhecer bem seus comandados; VII-
Providenciar para que a Guarda Civil esteja sempre em condições de ser
prontamente empregada; VIII-
Atender as ponderações justas de todos os seus subordinados, quando
feitas em termos apropriados e dentro dos limites de sua competência; IX-
Nomear e designar comissões que se tornem necessárias ao bom andamento
do serviço; X-
Realizar movimentações interna de pessoal, objetivando melhor
convivência do serviço; XI-
Estabelecer normas Gerais de Atuação da Guarda Civil; XII-
Conceder a seus subordinados férias anuais, de acordo com as normas
vigentes; XIII-
Manter e mandar registrar nos assentamentos dos seus comandados as
alterações concernentes às suas vidas na Guarda Civil; XIV-
Despachar ou informar com presteza os requerimentos, consultas,
queixas, pedidos, reconsiderações que receber, decidindo sempre de forma
motivada; XV- Anular, quando houver razão para isso, qualquer ato seu dentro do prazo de 60 (sessenta) dias. |
(...)
CARGO |
ATRIBUIÇ |
COORDENADOR |
I-
Realizar serviços especiais determinados pelo Diretor de Departamento; II-
Prestar informações em processos sobre assuntos que forem solicitados; III-
Providenciar relatórios de atividades de sua área de atuação; IV-
Executar projetos de racionalização, reorganização, melhorias de
condições de trabalho e eficiência produtiva; V-
Distribuir as tarefas entre os subordinados, controlando os prazos para
sua fiel execução; VI-
Prestar aos seus superiores hierárquicos informações e esclarecimentos
sobre assuntos de sua competência; VII-
Proferir despachos decisórios em assuntos de sua competência e
interlocutórios naqueles cuja decisão esteja fora se sua alçada; VIII-
Assessorar no atendimento às pessoas que se dirigem a Coordenadoria,
anotando os assuntos, resolvendo-se quando possível, ou direcioná-los ao
superior hierárquico; IX-
Prestar assessoria ao superior imediato, quando determinado; X-
Assessorar no controle, manuseio e conservação de documentos
pertinentes a área de atuação; XI-
Elaborar e digitar as diversas correspondências, com eficiência e
dentro das normas legais, cuidando para a sua perfeita tramitação; XII-
Assessorar a chefia imediata na tomada de providências relativas ao
controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição
para atender às atividades de sua área de atuação; e XIII-
Desempenhar outras atividades correlatas que lhe forem atribuídas pelo
superior hierárquico. |
CARGO |
ATRIBUIÇÕES |
OUVIDOR |
I-
Exercer a função de representante do cidadão junto à Prefeitura ou
secretaria em que atua; II-
Agilizar a remessa de informações de interesse do usuário ao seus
destinatário; facilitar ao máximo o acesso do serviço à Ouvidoria,
simplificando seus procedimentos; III-
Encaminhar a questão ou sugestão apresentadas à área competente,
acompanhando a sua apreciação; IV-
Ter livre acesso a todos os setores ou unidades onde exerce suas
funções, para que possa apurar e propor as soluções requeridas em cada
situação; V-
Identificar problemas no atendimento do usuário; VI-
Sugerir soluções de problemas identificados ao dirigente da unidade em
que atue; VII-
Propor a correção de erros, omissões ou abusos cometidos no atendimento
ao usuário; VIII-
Atuar na prevenção e solução de conflitos; IX-
Estimular a participação do cidadão na fiscalização e planejamento dos
serviços públicos; X-
Estimular a unidade em que atue a explicar e informar ao usuário sobre
os procedimentos adotados até a prestação; e, Desenvolver outras atividades solicitadas ao superior |
CARGO |
ATRIBUIÇÕES |
PROCURADOR GERAL |
I-
Chefiar a Procuradoria Geral do Município, superintender e coordenar
suas atividades jurídicas e administrativas e orientar-lhe a atuação; II-
Propor ao Prefeito e aos chefes das Procuradorias as medidas que
entender necessárias; III-
Propor ao Prefeito, a declaração de nulidade de atos administrativos da
administração direta; IV-
Receber citações e notificações nas ações propostas contra a Prefeitura
Municipal; V-
Manifestar sua posição acerca da oportunidade e conveniência dos
afastamentos de Procuradores; VI-
Desistir, transigir, firmar compromissos e reconhecer pedidos, nas
ações de interesse da Fazenda Municipal, ouvido o Prefeito, podendo delegar
essas atribuições, observando, para as hipóteses de confissão, renúncia,
transação e desistência os limites a serem definidos em decreto regulamentador; VII-
Decidir sobre a propositura de ação rescisória, bem como sobre a não
interposição de recurso, ouvido o Prefeito; VIII-
Apresentar ao Prefeito proposta de arguição de inconstitucionalidade de
leis e decretos, elaborando a competente representação; IX-
Propor ao Prefeito a abertura de concursos para provimento de cargos de
Procurador do Município; X-
Requerer ao Prefeito, fundamentando seu pedido, a remoção ou disposição
de servidores de outros órgãos da Administração Direta para prestarem
serviços junto à Procuradoria; XI-
Expedir Resoluções, ordens de serviços e outros atos normativos para os
Procuradores e servidores da Procuradoria Geral sobre exercícios das
respectivas funções; XII-
Administrar e gerir o Fundo de Capacitação e Gestão da Procuradoria
Geral do Município – FCGPGM. |
(...)”. – grifo nosso.
Os dispositivos legais acima transcritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.
2.
O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos legais contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:
“(...)
Artigo 24 –
(...)
§ 2°-
Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que
disponham sobre:
1- Criação e
extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou
autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.
(...)
Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição
de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração
Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela
advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da
indisponibilidade do interesse público.
§ 1º -
Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a
dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da
carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da
Constituição Federal.
§ 2º -
Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem
dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação
judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
§ 3º -
Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três
anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos
próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
(...)
Art. 99 -
São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I -
representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive
as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II -
exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do
Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação
jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do
Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será
nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a
carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de
Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua
exoneração.
(...)
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
I - os cargos, empregos e funções públicas são
acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei,
assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente
por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
3. DOS CARGOS DE “ASSESSOR DE GESTÃO PÚBLICA”,
“COMANDANTE DA GUARDA CIVIL”, “COORDENADOR”, “OUVIDOR” E “DIRETOR DE
DEPARTAMENTO”
As
atribuições descritas no artigo 112 e Anexo III dos aludidos cargos de
provimento em comissão criados pelo Anexo II, todos da Lei Complementar n° 02,
de 28 de fevereiro de 2014, não expressam atribuições de chefia, direção ou
assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas,
profissionais e ordinárias.
Com
efeito, dentre as atribuições do cargo em comissão de Assessor de Gestão
Pública, estão a de “assessorar na
elaboração e preparação de documentos, responsabilizando-se pelo registro e
envio”, “assessorar no acompanhamento
dos trâmites dos processos específicos de sua área de atuação, mantendo a
chefia imediata informada e, quando autorizado, adotar providências de
interesse do Departamento para solução de problemas”, “interpretar leis,
decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse
do Departamento para divulgação, aplicação e assessoramento” e “assessorar o
Diretor de Departamento na tomada de providências relativas ao controle do
estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender as
atividades de sua área de atuação”, atribuições estas evidentemente
técnicas e operacionais (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).
Por
sua vez, dentre as atribuições do cargo em comissão de Comandante da Guarda
Civil estão a de “realizar
movimentações interna de pessoal, objetivando melhor conveniência do serviço”
e “despachar ou informar com presteza os
requerimentos, consultas, queixas, pedidos, reconsiderações que receber,
decidindo sempre de forma motivada”, funções estas nitidamente técnicas e
operacionais (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).
No
que tange ao cargo de Coordenador, figuram dentre as suas atribuições as
de “realizar serviços especiais determinados pelo Diretor de Departamento”,
“prestar informações em processos sobre assuntos que forem solicitados” e
“elaborar e digitar as diversas correspondências, com eficiência e dentro das
normas legais, cuidando para sua perfeita tramitação”, atribuições de natureza
nitidamente operacional e burocrática (Anexo III, da Lei Complementar Municipal
n° 02/2014).
Por
seu turno, o cargo de Ouvidor possui como funções “exercer a função de
representante do cidadão junto à Prefeitura ou secretaria em que atua” e “atuar
na prevenção e solução de conflitos”, atribuições estas claramente operacionais
(Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).
Já
o cargo de Diretor de Departamento possui dentre as suas atribuições as de
“prestar assessoria ao superior imediato na elaboração e organização dos
documentos pertinentes ao Departamento, inclusive agendas, responsabilizando-se
pelo arquivamento, registro e envio” e “anotar leis, decretos, normas,
portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Executivo
Municipal e de outros setores que envolvam direta ou indiretamente a sua área
de atuação, mantendo sua chefia imediata informada quanto ao teor nelas contido
e quando autorizado, tomar as providências necessárias”, atribuições estas
igualmente técnicas e operacionais (art. 112, IX e XII da Lei Complementar n°
02/14).
Como
bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:
“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral
e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas
diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às
orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que
seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de atribuição de
natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los
o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade
nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores
regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em
conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI
173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
Os cargos
criados consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos
investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em
concurso público de provas ou de provas e títulos.
Não
há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o
controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem
desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115
da Constituição Estadual.
Nesse
sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em
comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica,
operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e
direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de
provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.
A jurisprudência
proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em
comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao
exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento,
chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ
05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS,
1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI
309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma,
Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP,
ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
Há,
com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse,
estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para
acesso ao serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites
à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com
a permissão para tal criação, “propiciar
ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício
de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”
(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Cumpre observar que os cargos mencionados não refletem
a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
Com relação aos cargos de Ouvidor e de Comandante da
Guarda Municipal, cabe ainda dizer o seguinte.
É regra imperativa da Constituição Federal (art. 37,
inciso V) que as funções de confiança sejam exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e que percentual de cargos de provimento
em comissão seja reservado a servidores de carreira.
Cargos em comissão devem ser preenchidos para
desempenho de atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Do art. 37, V, da Constituição Federal, e do art. 115,
V, da Constituição Estadual, deriva que há cargos de provimento em comissão: a)
não exclusivos; b) exclusivos de servidores de carreira. Aqueles são livremente
providos por qualquer pessoa que satisfaça os requisitos legais; estes somente
por servidores de carreira, porque, embora o provimento seja precário, a
natureza não-técnica de chefia, direção ou assessoramento aponta com maior grau
para o caráter profissional respectivo.
O comando da Guarda Municipal deve ser exercido por
servidor de carreira, da própria Guarda Municipal, pois pressupõe o
conhecimento específico das funções e da carreira, o domínio e a prática na
área de segurança e de fiscalização da ordem pública, o conhecimento teórico e
prático inerentes àquele que ascende na carreira, até ocupar o cargo mais alto
da instituição.
É incompatível com as atribuições de comando da Guarda
Municipal a livre escolha e a nomeação de qualquer pessoa.
Afinal, trata-se de relevante função de direção e de
chefia que só pode ser atribuída aa servidor ocupante de cargo efetivo, em
função da adição de atribuições que se impõe ao Comandante.
Trata-se, em última análise, de atribuição que requer
conhecimento técnico, de tal forma que deve haver uma adição ou um acoplamento
de atribuições ao servidor efetivo, de carreira, que pertence à mesma unidade
administrativa cujas competências incluam as atividades próprias do cargo
efetivo.
Trata-se de situação que impõe um acréscimo de
responsabilidades de natureza gerencial ou de supervisão que só pode ser atribuído
a servidor ocupante de cargo efetivo.
Deste modo, requer-se que se declare a
inconstitucionalidade sem redução de texto dos cargos de “ouvidor” e
“comandante da guarda civil”, fixando que tais cargos em comissão devem ser
ocupados por servidores de carreira.
4. DA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO LEGAL DAS
ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE “DIRETOR SUPERINTENDENTE” E “SUPERVISOR”
Como explanado acima, é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.
A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.
É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.
Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.
Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto
inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público.
Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta
uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do
Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo.
A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no
sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável.
Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que
‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a
discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da
organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e
diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em
sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este
como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado
por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à
subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica
(cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).
Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de
cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva
legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder
Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as
correlatas atribuições.
Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.
Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público- a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.
Nem se alegue, por oportuno, que o parágrafo único do art. 118 da Lei em comento previu que as atribuições do cargo de Diretor Superintendente seriam regulamentadas por lei específica. Isto porque, conforme dito acima, compete à Lei criadora do cargo a descrição de suas atribuições.
Ademais, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).
Ainda, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.
Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos- podendo tão-somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:
“(...) mera competência para um arranjo intestino dos
órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de
departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso
de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).
Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE
AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE
OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da
República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito
Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples
decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos
da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva
legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).
“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição.
Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as
respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei
inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica
do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de
constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie
cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações,
competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta.
Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública.
Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos
servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo.
Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal,
de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84,
inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São
inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor,
mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os
decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).
Em suma, na presente situação, a Lei Complementar n° 02/2014, do Município de Tietê, criou os cargos em comissão de “Diretor Superintendente” e “Supervisor” (art. 118, parágrafo único, e Anexos II e III) sem a discriminação de suas atribuições em afronta a nossa ordem constitucional (arts. 24, § 2º, 1, 155, I, II e V, e 144, da Carta Paulista).
5.
DO CARGO DE PROCURADOR GERAL DO
MUNICÍPIO
Um dos princípios norteadores do provimento de cargos
públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os
interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo.
Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso
público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia,
preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha
dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo
público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.
A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).
Não
há, evidentemente, nenhum componente no posto de Procurador Geral do Município
a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser
desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivo aos princípios de moralidade e impessoalidade (art.
111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115
da Constituição Estadual, o dispositivo legal acima destacado.
Outrossim, o cargo em comissão de chefe da Procuradoria Geral do Município não se harmoniza com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista- que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual-, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.
Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas
respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos
públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.
Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma
inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO,
EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO,
ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO
DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR
2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO
RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio
Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10
DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO.
PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO
DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO
NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato
normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO
DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do
Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a
respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez
primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE
OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal
preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado
entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
6.
DO PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Tietê apontados
como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura
em cargo público e a consequente oneração financeira do erário.
À luz deste perfil, requer-se
a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda
Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de
Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos
112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro
de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de
setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015.
7.
DO PEDIDO
Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada
procedente, declarando-se a inconstitucionalidade dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda
Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de
Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos
112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro
de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de
setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Tietê, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos
impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 02 de agosto de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/ts
Protocolado n. 141.674/2015
Interessado: Giorgia Renata Dias
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade da criação de cargos em comissão pela Lei n. 02/2014, do
Município de Tietê
1. Promova-se a distribuição de
ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em
face dos cargos de “Assessor de
Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”,
“Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e
“Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e
III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas
pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13,
de 13 de maio de 2015.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 02 de agosto de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/ts