EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 141.674/15

 

 

                                              

Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO FORA DOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS. Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas pelas Leis Complementares n° 18, de 02 de setembro de 2014 e n° 13, de 13 de maio de 2015, do Município de Tietê.

1. Cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor” e “Diretor de Departamento”. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a ser preenchido por servidor público investido em cargo de provimento efetivo (arts.111, 115, I, II e V, e 144, da CE/89).  

2. Cargos de “Diretor Superintendente” e “Supervisor”. Ausência de descrição legal das atribuições dos cargos em comissão criados. Violação do princípio da reserva legal. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio da reserva legal. (arts. 24, § 2º, 1, 115, I, II e V, 144, da Constituição Paulista).

3. Cargo de “Procurador Geral”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 141.674/2015, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, do Município de Tietê, que “dispõe sobre a Reorganização Administrativa da Prefeitura do Município de Tietê e dá outras providências”, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014 e pela Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

Art. 112. Ao Diretor de Departamento compete:

I-                   Realizar serviços especiais determinados pelo superior imediato na área de trabalho de sua formação específica;

II-                 Prestar informações em processos sobre assuntos que forem solicitados;

III-               Providenciar relatórios de atividades de sua área de atuação;

IV-              Executar projetos de racionalização, reorganização, melhorias de condições de trabalho e eficiência produtiva;

V-                Distribuir as tarefas entre os seus subordinados, controlando prazos para sua fiel execução;

VI-              Prestar aos seus superiores hierárquicos informações e esclarecimentos sobre assuntos de sua competência;

VII-            Proferir despachos decisórios em assuntos de sua competência e interlocutórios naqueles cuja decisão esteja fora de sua alçada;

VIII-          Assessorar no atendimento às pessoas que se dirigem ao Departamento, anotando os assuntos, resolvendo-os quando possível, ou direcioná-los ao superior hierárquico;

IX-               Prestar assessoria ao superior imediato na elaboração e organização dos documentos pertinentes ao Departamento, inclusive agendas, responsabilizando-se pelo arquivamento, registro e envio;

X-                 Assessorar no controle, manuseio e conservação de documentos pertinentes a área de atuação;

XI-               Elaborar e digitar as diversas correspondências, com eficiência e dentro das normas legais, cuidando para a sua perfeita tramitação;

XII-             Anotar leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Executivo Municipal e de outros setores que envolvam direta ou indiretamente a sua área de atuação, mantando sua chefia imediata informada quanto ao teor nelas contido e quando autorizado, tomar as providências necessárias;

XIII-           Assessorar a chefia imediata na tomada de providências relativas ao controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender às atividades de sua área de atuação;

XIV-          Desempenhar outras atividades correlatas que lhe forem atribuídas pelo superior hierárquico.

(...)

Art. 118. (...)

Parágrafo único- As atribuições do cargo de Diretor Superintendente serão regulamentadas por Lei específica.

                                (...)

ANEXO II

QUADRO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM     COMISSÃO

DENOMINAÇÃO

QUANTIDADE

NÍVEL

ASSESSOR DE GESTÃO PÚBLICA

01

II

CHEFE DE GABINETE

01

III

COMANDANTE DA GUARDA CIVIL

01

III

CONTROLADOR GERAL

02

III

COORDENADOR

16

I

DIRETOR DE DEPARTAMENTO

29

III

OUVIDOR

02

II

PROCURADOR GERAL

01

IV

SECRETÁRIO

13

V

DIRETOR SUPERINTENDENTE

01

V

SUPERVISOR

02

II

TOTAL

68

 

 

ANEXO III

QUADRO DE ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO

CARGO

ATRIBUIÇÕES

ASSESSOR DE GESTÃO PÚBLICA

I-                     Assistência direta e imediata ao Departamento no desempenho de suas atribuições e, especialmente, concepção e execução de projetos e contatos que por ele sejam determinados em assuntos que subsidiem a elaboração de ações específicas do Departamento;

II-                   Assessorar na elaboração e preparação de documentos, responsabilizando-se pelo seu registro e envio;

III-                  Assessorar no controle, registro e na conservação de documentos, organizando o arquivo e assessorando, sempre que necessário, as consultas para o bom andamento das atividades do Departamento;

IV-                 Assessorar no acompanhamento dos trâmites dos processos específicos de sua área de atuação, mantendo a chefia imediata informada e, quando autorizado, adotar providências de interesse do Departamento para solução de problemas;

V-                  Interpretar leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Departamento para divulgação, aplicação e assessoramento;

VI-                 Assessorar o Diretor de Departamento na tomada de providências relativas ao controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender as atividades de sua área de atuação;

VII-               Assessorar o Diretor de Departamento na programação do atendimento do público interno e externo, que procura o seu órgão de atuação;

VIII-              Desempenhar outras atividades correlatas as suas atribuições e aquelas solicitadas pelo Diretor.

 

 

CARGO

ATRIBUIÇÕES

COMANDANTE DA GUARDA CIVIL

I-                     Superintender todas as atividades e serviços da Guarda Civil, facilitando, no entanto, o livre exercício das funções de seus subordinados, a fim de que desenvolvam o espírito e iniciativa e sintam a responsabilidade decorrente;

II-                   Ter a iniciativa necessária ao exercício de Comando e usá-la sob sua inteira responsabilidade;

III-                  Esforçar-se para que seus subordinados façam do cumprimento do dever um verdadeiro modo de viver e exigir que pautem sua conduta, dentro ou fora da corporação, pelas normas da mais severa moral;

IV-                 Imprimir a todos seus atos, como exemplo, o máximo de correção, pontualidade e justiça;

V-                  Cuidar para que os ocupantes de funções de comando sirvam em tudo de exemplo para seus subordinados;

VI-                 Conhecer bem seus comandados;

VII-               Providenciar para que a Guarda Civil esteja sempre em condições de ser prontamente empregada;

VIII-              Atender as ponderações justas de todos os seus subordinados, quando feitas em termos apropriados e dentro dos limites de sua competência;

IX-                 Nomear e designar comissões que se tornem necessárias ao bom andamento do serviço;

X-                   Realizar movimentações interna de pessoal, objetivando melhor convivência do serviço;

XI-                 Estabelecer normas Gerais de Atuação da Guarda Civil;

XII-                Conceder a seus subordinados férias anuais, de acordo com as normas vigentes;

XIII-              Manter e mandar registrar nos assentamentos dos seus comandados as alterações concernentes às suas vidas na Guarda Civil;

XIV-             Despachar ou informar com presteza os requerimentos, consultas, queixas, pedidos, reconsiderações que receber, decidindo sempre de forma motivada;

XV-               Anular, quando houver razão para isso, qualquer ato seu dentro do prazo de 60 (sessenta) dias.

 

(...)

CARGO

ATRIBUIÇ

COORDENADOR

I-                     Realizar serviços especiais determinados pelo Diretor de Departamento;

II-                   Prestar informações em processos sobre assuntos que forem solicitados;

III-                  Providenciar relatórios de atividades de sua área de atuação;

IV-                 Executar projetos de racionalização, reorganização, melhorias de condições de trabalho e eficiência produtiva;

V-                  Distribuir as tarefas entre os subordinados, controlando os prazos para sua fiel execução;

VI-                 Prestar aos seus superiores hierárquicos informações e esclarecimentos sobre assuntos de sua competência;

VII-               Proferir despachos decisórios em assuntos de sua competência e interlocutórios naqueles cuja decisão esteja fora se sua alçada;

VIII-              Assessorar no atendimento às pessoas que se dirigem a Coordenadoria, anotando os assuntos, resolvendo-se quando possível, ou direcioná-los ao superior hierárquico;

IX-                 Prestar assessoria ao superior imediato, quando determinado;

X-                   Assessorar no controle, manuseio e conservação de documentos pertinentes a área de atuação;

XI-                 Elaborar e digitar as diversas correspondências, com eficiência e dentro das normas legais, cuidando para a sua perfeita tramitação;

XII-                Assessorar a chefia imediata na tomada de providências relativas ao controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender às atividades de sua área de atuação; e

XIII-              Desempenhar outras atividades correlatas que lhe forem atribuídas pelo superior hierárquico.

 

CARGO

ATRIBUIÇÕES

OUVIDOR

I-                     Exercer a função de representante do cidadão junto à Prefeitura ou secretaria em que atua;

II-                   Agilizar a remessa de informações de interesse do usuário ao seus destinatário; facilitar ao máximo o acesso do serviço à Ouvidoria, simplificando seus procedimentos;

III-                  Encaminhar a questão ou sugestão apresentadas à área competente, acompanhando a sua apreciação;

IV-                 Ter livre acesso a todos os setores ou unidades onde exerce suas funções, para que possa apurar e propor as soluções requeridas em cada situação;

V-                  Identificar problemas no atendimento do usuário;

VI-                 Sugerir soluções de problemas identificados ao dirigente da unidade em que atue;

VII-               Propor a correção de erros, omissões ou abusos cometidos no atendimento ao usuário;

VIII-              Atuar na prevenção e solução de conflitos;

IX-                 Estimular a participação do cidadão na fiscalização e planejamento dos serviços públicos;

X-                   Estimular a unidade em que atue a explicar e informar ao usuário sobre os procedimentos adotados até a prestação; e,

Desenvolver outras atividades solicitadas ao superior

 

CARGO

ATRIBUIÇÕES

PROCURADOR GERAL

I-                     Chefiar a Procuradoria Geral do Município, superintender e coordenar suas atividades jurídicas e administrativas e orientar-lhe a atuação;

II-                   Propor ao Prefeito e aos chefes das Procuradorias as medidas que entender necessárias;

III-                  Propor ao Prefeito, a declaração de nulidade de atos administrativos da administração direta;

IV-                 Receber citações e notificações nas ações propostas contra a Prefeitura Municipal;

V-                  Manifestar sua posição acerca da oportunidade e conveniência dos afastamentos de Procuradores;

VI-                 Desistir, transigir, firmar compromissos e reconhecer pedidos, nas ações de interesse da Fazenda Municipal, ouvido o Prefeito, podendo delegar essas atribuições, observando, para as hipóteses de confissão, renúncia, transação e desistência os limites a serem definidos em decreto regulamentador;

VII-               Decidir sobre a propositura de ação rescisória, bem como sobre a não interposição de recurso, ouvido o Prefeito;

VIII-              Apresentar ao Prefeito proposta de arguição de inconstitucionalidade de leis e decretos, elaborando a competente representação;

IX-                 Propor ao Prefeito a abertura de concursos para provimento de cargos de Procurador do Município;

X-                   Requerer ao Prefeito, fundamentando seu pedido, a remoção ou disposição de servidores de outros órgãos da Administração Direta para prestarem serviços junto à Procuradoria;

XI-                 Expedir Resoluções, ordens de serviços e outros atos normativos para os Procuradores e servidores da Procuradoria Geral sobre exercícios das respectivas funções;

XII-                Administrar e gerir o Fundo de Capacitação e Gestão da Procuradoria Geral do Município – FCGPGM.

                  

(...)”. – grifo nosso.

Os dispositivos legais acima transcritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

 

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os dispositivos legais contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Artigo 24 – (...)

§ 2°- Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1-     Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.

(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DOS CARGOS DE “ASSESSOR DE GESTÃO PÚBLICA”, “COMANDANTE DA GUARDA CIVIL”, “COORDENADOR”, “OUVIDOR” E “DIRETOR DE DEPARTAMENTO”

As atribuições descritas no artigo 112 e Anexo III dos aludidos cargos de provimento em comissão criados pelo Anexo II, todos da Lei Complementar n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, não expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias.

Com efeito, dentre as atribuições do cargo em comissão de Assessor de Gestão Pública, estão a de “assessorar na elaboração e preparação de documentos, responsabilizando-se pelo registro e envio”, “assessorar no acompanhamento dos trâmites dos processos específicos de sua área de atuação, mantendo a chefia imediata informada e, quando autorizado, adotar providências de interesse do Departamento para solução de problemas”, “interpretar leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Departamento para divulgação, aplicação e assessoramento” e “assessorar o Diretor de Departamento na tomada de providências relativas ao controle do estoque de materiais e equipamentos, objetivando sua reposição para atender as atividades de sua área de atuação”, atribuições estas evidentemente técnicas e operacionais (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).

Por sua vez, dentre as atribuições do cargo em comissão de Comandante da Guarda Civil estão a de “realizar movimentações interna de pessoal, objetivando melhor conveniência do serviço” e “despachar ou informar com presteza os requerimentos, consultas, queixas, pedidos, reconsiderações que receber, decidindo sempre de forma motivada”, funções estas nitidamente técnicas e operacionais (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).

No que tange ao cargo de Coordenador, figuram dentre as suas atribuições as de “realizar serviços especiais determinados pelo Diretor de Departamento”, “prestar informações em processos sobre assuntos que forem solicitados” e “elaborar e digitar as diversas correspondências, com eficiência e dentro das normas legais, cuidando para sua perfeita tramitação”, atribuições de natureza nitidamente operacional e burocrática (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).

Por seu turno, o cargo de Ouvidor possui como funções “exercer a função de representante do cidadão junto à Prefeitura ou secretaria em que atua” e “atuar na prevenção e solução de conflitos”, atribuições estas claramente operacionais (Anexo III, da Lei Complementar Municipal n° 02/2014).

Já o cargo de Diretor de Departamento possui dentre as suas atribuições as de “prestar assessoria ao superior imediato na elaboração e organização dos documentos pertinentes ao Departamento, inclusive agendas, responsabilizando-se pelo arquivamento, registro e envio” e “anotar leis, decretos, normas, portarias, circulares, regulamentos e instruções de interesse do Executivo Municipal e de outros setores que envolvam direta ou indiretamente a sua área de atuação, mantendo sua chefia imediata informada quanto ao teor nelas contido e quando autorizado, tomar as providências necessárias”, atribuições estas igualmente técnicas e operacionais (art. 112, IX e XII da Lei Complementar n° 02/14).

Como bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Os cargos criados consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

Nesse sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Há, com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Prelecionando na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Cumpre observar que os cargos mencionados não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

Com relação aos cargos de Ouvidor e de Comandante da Guarda Municipal, cabe ainda dizer o seguinte.

É regra imperativa da Constituição Federal (art. 37, inciso V) que as funções de confiança sejam exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e que percentual de cargos de provimento em comissão seja reservado a servidores de carreira.

Cargos em comissão devem ser preenchidos para desempenho de atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Do art. 37, V, da Constituição Federal, e do art. 115, V, da Constituição Estadual, deriva que há cargos de provimento em comissão: a) não exclusivos; b) exclusivos de servidores de carreira. Aqueles são livremente providos por qualquer pessoa que satisfaça os requisitos legais; estes somente por servidores de carreira, porque, embora o provimento seja precário, a natureza não-técnica de chefia, direção ou assessoramento aponta com maior grau para o caráter profissional respectivo.

O comando da Guarda Municipal deve ser exercido por servidor de carreira, da própria Guarda Municipal, pois pressupõe o conhecimento específico das funções e da carreira, o domínio e a prática na área de segurança e de fiscalização da ordem pública, o conhecimento teórico e prático inerentes àquele que ascende na carreira, até ocupar o cargo mais alto da instituição.

É incompatível com as atribuições de comando da Guarda Municipal a livre escolha e a nomeação de qualquer pessoa.

Afinal, trata-se de relevante função de direção e de chefia que só pode ser atribuída aa servidor ocupante de cargo efetivo, em função da adição de atribuições que se impõe ao Comandante.

Trata-se, em última análise, de atribuição que requer conhecimento técnico, de tal forma que deve haver uma adição ou um acoplamento de atribuições ao servidor efetivo, de carreira, que pertence à mesma unidade administrativa cujas competências incluam as atividades próprias do cargo efetivo.

Trata-se de situação que impõe um acréscimo de responsabilidades de natureza gerencial ou de supervisão que só pode ser atribuído a servidor ocupante de cargo efetivo.

Deste modo, requer-se que se declare a inconstitucionalidade sem redução de texto dos cargos de “ouvidor” e “comandante da guarda civil”, fixando que tais cargos em comissão devem ser ocupados por servidores de carreira.

4.     DA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO LEGAL DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE “DIRETOR SUPERINTENDENTE” E “SUPERVISOR”

Como explanado acima, é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.

Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica (cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).

Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as correlatas atribuições.

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público- a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que o parágrafo único do art. 118 da Lei em comento previu que as atribuições do cargo de Diretor Superintendente seriam regulamentadas por lei específica. Isto porque, conforme dito acima, compete à Lei criadora do cargo a descrição de suas atribuições.  

Ademais, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).

Ainda, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.

Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos- podendo tão-somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

Em suma, na presente situação, a Lei Complementar n° 02/2014, do Município de Tietê, criou os cargos em comissão de “Diretor Superintendente” e “Supervisor” (art. 118, parágrafo único, e Anexos II e III) sem a discriminação de suas atribuições em afronta a nossa ordem constitucional (arts. 24, § 2º, 1, 155, I, II e V, e 144, da Carta Paulista).

5.     DO CARGO DE PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

Não há, evidentemente, nenhum componente no posto de Procurador Geral do Município a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivo aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, o dispositivo legal acima destacado.

Outrossim, o cargo em comissão de chefe da Procuradoria Geral do Município não se harmoniza com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista- que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual-, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

 

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

 

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

 

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

6.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Tietê apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargo público e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015.

7.     DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Tietê, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 02 de agosto de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

ms/ts

 


Protocolado n. 141.674/2015

 

Interessado: Giorgia Renata Dias

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da criação de cargos em comissão pela Lei n. 02/2014, do Município de Tietê

 

1.     Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face dos cargos de “Assessor de Gestão Pública”, “Comandante da Guarda Civil”, “Coordenador”, “Ouvidor”, “Procurador Geral”, “Diretor de Departamento”, “Diretor Superintendente” e “Supervisor” criados pelos artigos 112 e 118, parágrafo único, e Anexos II e III, da Lei n° 02, de 28 de fevereiro de 2014, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n° 18, de 02 de setembro de 2014, Lei Complementar n° 13, de 13 de maio de 2015.

 

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 02 de agosto de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

ms/ts