EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

                   

 

Protocolado nº 156.513/2015

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, criados pelo Anexo VI da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, na redação dada pelas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995 e nº 11, de 12 de agosto de 1997, do Município de Franca.

2)      Criação de cargos de provimento em comissão sem descrição das respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio da reserva legal.

3)      É inconstitucional a delegação da descrição de atribuições dos cargos públicos a decreto do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, § 1º e 24, § 2º, 1, da Constituição do Estado).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 156.153/15, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, e dos cargos de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, constantes no Anexo VI da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, na redação dada pelas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e nº 11, de 12 de agosto de 1997, do Município de Franca, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo Promotor de Justiça de Franca (fls. 02/03).

O art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, a qual “Dispõe sobre a organização e atribuições das Unidades da Administração Municipal Direta do Município de Franca e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 20 -   A organização administrativa, as atribuições, competências internas e estruturação dos órgãos das Unidades da Administração Direta, serão regulamentadas pelo Executivo Municipal.”

Já a Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, também de Franca, que “Dispõe sobre o Plano de Classificação de Cargos do Serviço Público Municipal de Franca, institui nova tabela de vencimentos e dá outras providências”, assim prevê no que interessa:

“Art. 32 - Ficam criados os Cargos em Comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito, cujas denominações, quantidades, símbolos e graus encontram-se fixados no Anexo VI, que fica fazendo parte integrante e inseparável desta Lei.”

ANEXO VI

DENOMINAÇÃO

SIMBOLOGIA

QUANT.

Agente de Segurança

C-1

03

Chefe de Divisão

C-4

40

Chefe de Serviço

C-2

40

Chefe de Setor

C-1

55

Conselheiro Tutelar da Criança

C-2

05

Coordenador Municipal

C-5

26

Diretor de Centro Tecnológico Educacional

C-3

01

Diretor de Escola

C-3

17

Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-2

01

Oficial de Gabinete

C-4

02

Secretário Municipal

C-6

11

Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-1

01

 

O mencionado Anexo VI, que criou os cargos comissionados do Município de Franca, foi alterado pela Lei Complementar nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e, posteriormente, pela Lei Complementar nº 11, de 12 de agosto de 1997.

Vejamos primeiramente a redação da Lei Complementar nº 4, de 26 de dezembro de 1995:

“Art. 1º - O Anexo VI da Lei Complementar nº 0l, de 24 de julho de 1995, passa a vigorar com a redação constante do Anexo I, que integra e incorpora a presente Lei.

Art. 2º - O preenchimento dos cargos ora criados, somente poderá se dar quando do funcionamento do CAIC - Centro de Atenção Integral à Criança, de Franca.

Art. 3º - As despesas com a execução da presente Lei correm à conta de dotações próprias do orçamento vigente.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

ANEXO I

QUADRO DE CARGOS EM COMISSÃO

DENOMINAÇÃO

SIMBOLOGIA

QUANT.

Agente de Segurança

C-1

03

Chefe de Divisão

C-4

40

Chefe de Serviço

C-2

40

Chefe de Setor

C-1

55

Conselheiro Tutelar da Criança

C-2

05

Coordenador Municipal

C-5

26

Diretor de Centro Tecnológico Educacional

C-3

01

Diretor de Escola

C-3

17

Diretor de Núcleo - CAIC

C-3

07

Dirigente Geral - CAIC

C-5

01

Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-2

01

Oficial de Gabinete

C-4

02

Secretário Municipal

C-6

11

Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-1

01

 

Já a Lei Complementar nº 11, de 12 de agosto de 1997, trouxe a seguinte redação ao Anexo VI da LC nº 01/1995:

“Art. 1º - O Anexo VI - Quadro de Cargos em Comissão da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, passa a vigorar com a redação constante do Anexo I, que integra e incorpora a presente Lei, acrescido do cargo de Coordenador de Segurança.

Art. 2º - O preenchimento do cargo ora criado, somente se dará quando da implantação da Coordenadoria de Segurança, e ficará incorporado junto à estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Governo.

Art. 3º - As despesas com a execução da presente Lei, correm à conta de dotações próprias do orçamento vigente.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

DENOMINAÇÃO

SIMBOLOGIA

QUANT.

Agente de Segurança

C-1

03

Chefe de Divisão

C-4

41

Chefe de Serviço

C-2

40

Chefe de Setor

C-1

56

Conselheiro Tutelar da Criança

C-2

05

Coordenador Municipal

C-5

26

Coordenador de Segurança

C-5

01

Diretor de Centro Tecnológico Educacional

C-3

01

Diretor de Escola

C-3

18

Diretor de Núcleo - CAIC

C-3

07

Dirigente Geral - CAIC

C-5

01

Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-2

01

Oficial de Gabinete

C-4

02

Secretário Municipal

C-6

11

Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal

C-1

01

 

Os atos normativos transcritos, na parte em que criaram os cargos de provimento em comissão de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal (Anexo VI da LC nº 01/95), bem como na parte em que houve delegação a regulamento do Poder Executivo para fixar suas respectivas atribuições (art. 20 da Lei nº 7.854/13) são inconstitucionais por violação dos arts. 5º, § 1º; 24, § 2º, 1; 111; 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2. FUNDAMENTAÇÃO

a. DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

Não há na Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, (cujo Anexo VI cria os cargos de provimento em comissão), nem nas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e nº 11, de 12 de agosto de 1997, que alteram a redação daquela, descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal.  

O princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM Nº 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIn nº 0240236-30.2011.8.26.000, Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

         Não basta a lei criar o cargo ou dar-lhe uma denominação de assessoramento, chefia ou direção, ou, ainda, reputar exigência de confiança, se não discriminar primariamente suas atribuições para viabilizar o controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais que evidenciam a natureza excepcional do provimento em comissão.

         A ausência de fixação de atribuições desses cargos caracteriza violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, pois, é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição de suas atribuições em lei, e não em decreto.

b. DA DELEGAÇÃO A DECRETO DO PODER EXECUTIVO

O art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, apresenta a seguinte redação:

“Art. 20 -   A organização administrativa, as atribuições, competências internas e estruturação dos órgãos das Unidades da Administração Direta, serão regulamentadas pelo Executivo Municipal.”

         Em atenção ao princípio da legalidade que preside a Administração Pública, a criação de cargos públicos de qualquer natureza, seus quantitativos e os requisitos, exigências e condições para o seu provimento de qualquer natureza devem estar contidos em lei formal, não sendo admissível sua delegação a ato normativo do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, 111 e 115, I, Constituição Estadual), como admoesta lúcida doutrina (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581) acompanhada por cediça jurisprudência (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Minº Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Minº Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.). Vejamos:

 

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais as leis que autorizem o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Minº Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 03-10-2008). (g.nº)

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Minº Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009 – g.nº).

         Inserida a criação do cargo público com descrição de suas atribuições na reserva legal absoluta ou formal, é inválida a criação de cargos de provimento em comissão tanto pela omissão da lei em relação à descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção, quanto pela delegação da fixação dessas atribuições a ato de natureza infralegal da alçada do Poder Executivo, por que conforme explica a doutrina:

“somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Este também é o entendimento deste Tribunal de Justiça Estadual:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento.

Esta delegação legislativa ao Poder Executivo decorrente do art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, é vedada pelo princípio da separação e harmonia entre os Poderes, bem como por regra expressa prevista no art. 5º, § 1º, da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da Carta Estadual. O art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e o art. 24, § 2º, 1, exigem lei em sentido formal para a criação e descrição das atribuições dos cargos público.


3. DOS PEDIDOS

a. Do Pedido Liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Franca apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrada a ausência da descrição das atribuições dos cargos de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, bem como a delegação desta fixação de atribuições a regulamento do Poder Executivo.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Minº Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, do art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, e dos cargos de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, constantes no Anexo VI da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, na redação dada pelas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e nº 11, de 12 de agosto de 1997, do Município de Franca.

b. Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, e dos cargos de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, constantes no Anexo VI da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, na redação dada pelas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e nº 11, de 12 de agosto de 1997, do Município de Franca.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Franca, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 11 de agosto de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Protocolado nº 156.513/15

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 20 da Lei nº 7.854, de 10 de maio de 2013, e dos cargos de Agente de Segurança, Chefe de Divisão, Chefe de Serviço, Chefe de Setor, Conselheiro Tutelar da Criança, Coordenador Municipal, Coordenador de Segurança, Diretor de Centro Tecnológico Educacional, Diretor de Escola, Diretor de Núcleo – CAIC, Dirigente Geral – CAIC, Inspetor da Guarda Civil Municipal, Oficial de Gabinete, Secretário Municipal e Sub-Inspetor da Guarda Civil Municipal, constantes no Anexo VI da Lei Complementar nº 01, de 24 de julho de 1995, na redação dada pelas Leis Complementares nº 4, de 26 de dezembro de 1995, e nº 11, de 12 de agosto de 1997, do Município de Franca, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

              São Paulo, 11 de agosto de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mam