Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 4.159/15
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 23, parágrafo único, da Lei nº 116, de 13 de junho de 2016, do Município de Piacatu. Fixação de empregos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores puramente comissionados, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual mínimo para preenchimento de cargos em comissão por servidores de carreira no Município de Piacatu, no caso 10% (dez por cento) para a estrutura administrativa do Poder Executivo, vez que, ao estabelecer em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125,
§ 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90,
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face do art.
23, parágrafo único, da Lei Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do
Município de Piacatu, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei
Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do Município de Piacatu, que “Dispõe sobre a implantação da reforma
administrativa junto aos empregos em comissão no quadro de pessoal da
Prefeitura Municipal de Piacatu e dá outras providências”, assim prevê em
seu art. 23, parágrafo único:
“(...)
Artigo 23 – (...)
Parágrafo Único. Do total de empregos em comissão 10% (dez por cento), no mínimo, serão reservados aos ocupantes de cargo efetivo.
(...)” (g.n.)
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, o art. 23,
parágrafo único, da Lei Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do
Município de Piacatu, ao prever diminuto percentual de empregos de provimento
em comissão a serem ocupados por servidores de carreira, o Município torna a
exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica por evidente
esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição
Estadual.
II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
O percentual estabelecido no art. 23, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do Município de Piacatu, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos contestados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo
111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório
o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo
144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A legislação examinada estabelece percentual mínimo para preenchimento de empregos
de provimento em comissão por servidores de carreira no Município de Piacatu, no
caso 10% (dez por cento) para a estrutura administrativa do Poder Executivo.
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme acima
mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente esvaziamento
de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da
Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à
moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão
quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento)
ao percentual reclamado pelo Constituinte quando da edição do art. 115,
V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por
omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para
tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da
mora, 50% dos cargos em questão
deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com
determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR
OMISSÃO. Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo
dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de
carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme
preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade
latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de
180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar
que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam
preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº
2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em
10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto, os percentuais
estabelecidos na lei objurgada não se conciliam com os arts. 111 e 115, V, da
Constituição Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este
E. Tribunal de Justiça.
III – Pedido
liminar
À saciedade
demonstrado o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Piacatu apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil
reparação.
À luz deste
perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação do art. 23, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do Município de Piacatu.
IV – Pedido
Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art.
23, parágrafo único, da Lei Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do
Município de Piacatu.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Piacatu, bem como
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 17 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/dcm
Protocolado
n. 4.159/15
Assunto: representação para controle de
constitucionalidade por omissão da legislação do Município de Piacatu que não
fixa percentual mínimo de cargos de provimento em comissão reservado a
servidores efetivos
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade do art. 23, parágrafo
único, da Lei Complementar nº 116, de 13 de junho de 2016, do Município de
Piacatu junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São
Paulo, 17 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/dcm