EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
143.505/15
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão de Assessor
de Gestão Pública, Diretor de Departamento, Diretor Superintendente e
Supervisor, previstos nos Anexos II e III da Lei
Complementar nº 02, de 03 de fevereiro de 2014, do Município de Tietê.
2) A ausência de fixação legal das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Diretor de Departamento, Diretor Superintendente e Supervisor constitui ofensa à reserva legal e burla à exigência de concurso público ao preenchimento de cargos no âmbito da Administração (115, II e V, CE/89). A edição de postos pela via comissionada revela-se excepcional, somente autorizada pela Carta Bandeirante quando da presença de funções de assessoramento, chefia e direção, as quais devem restar descritas em atos legislativos, a fim de ser possível sindicar sua compatibilidade com o provimento em comissão (arts. 111; 115, I, II e V, CE/89).
3) Cargo de provimento em comissão de
Assessor de Gestão Pública, que não retrata atribuição de assessoramento,
chefia e direção, senão função técnica, burocrática, operacional e profissional
a ser preenchida por servidor público investido em cargo de provimento efetivo.
Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da
Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144)
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI,
da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da
Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art.90, inciso
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 143.505/15), em anexo, vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos cargos de provimento em comissão de Assessor de
Gestão Pública, Diretor de Departamento, Diretor Superintendente e Supervisor, previstos nos Anexos II e III da Lei Complementar nº 02,
de 03 de fevereiro de 2014, do Município de Tietê, pelos fundamentos a seguir expostos:
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
Editada em 03 de fevereiro de 2014, a Lei Complementar nº 02 reorganizou a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Tietê, instituindo, dentre outras providências, os postos comissionados de Assessor de Gestão Pública, Diretor de Departamento, Diretor Superintendente e Supervisor, conforme se infere da leitura do art. 114 e Anexos II e III do diploma citado. Vejamos:
“(...)
Art. 114 - Os cargos de provimento em
comissão com seus respectivos números de vagas e vencimentos encontram-se
previstos, nos Anexos II e IV, desta Lei.
(...)
ANEXO II
QUADRO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
ANEXO III
QUADRO
DE ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO
Pois bem.
Examinando os dispositivos esposados, se conclui que os cargos em comissão na estrutura administrativa do Município restam eivados de inconstitucionalidade, sendo necessária a deflagração da presente via abstrata de controle para sanar os vícios a posteriori indicados, que ofendem os arts. 98 a 100, 111, 115, I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual, conforme se passa a expor.
2. DA FUNDAMENTAÇÃO
a. da falta de
descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Diretor de
Departamento, Diretor Superintendente e Supervisor, previstos nos Anexos II e
III da Lei Complementar nº 02/14, do Município de Tietê
De início, cumpre mencionar ser inconstitucional
a ausência de disciplina legal das atribuições de cargos em comissão de Diretor
de Departamento, Diretor Superintendente e Supervisor, editados na estrutura administrativa
do Município de Tietê.
Na presente situação, a Lei
Complementar nº 02/14 não tratou de especificar as atribuições de
assessoramento, chefia ou direção dos cargos comissionados indicados no Anexo
III de seu diploma, fato este que implica violação aos arts. 111 e 115, I, II e
V, da Constituição Estadual.
Não
basta a lei instituir o cargo ou dar-lhe uma denominação de assessoramento,
chefia ou direção, ou, ainda, reputar-lhe exigência de confiança, se não
discriminar minimamente em seu bojo suas atribuições, a fim de viabilizar
controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais que evidenciam
a natureza excepcional do provimento em comissão.
Tendo
em vista que a edição do cargo e seu respectivo detalhamento encontram-se
adstritos à reserva legal absoluta ou formal, a fim de se permitir a aferição
dos requisitos impostos pelo texto constitucional quando da sua instituição, a
invalidade da disciplina de cargos comissionados resta presente em razão da
omissão legislativa atinente à descrição de atribuições de assessoramento,
chefia e direção, porquanto conforme explica a doutrina:
“somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de
competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral
consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese
do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a
extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a
disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a
lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa
estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos,
do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto,
não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de
servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências
e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa,
determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição
jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de
Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Nesse sentido, confira-se o posicionamento deste E. Tribunal de Justiça:
“(...) Por
esse motivo é que a jurisprudência sedimentou que a criação, por lei, de cargos
de provimento em comissão (na dicção constitucional, "de livre nomeação e
exoneração") deve vir acompanhada da descrição das atribuições destes
mesmos cargos, também por meio de lei em sentido estrito. A propósito, este
Colendo Órgão Especial já decidiu que a descrição das atribuições e
responsabilidades do cargo criado é necessária "para que se possa analisar
e concluir que foram criados exclusivamente para os casos constitucionalmente
permitidos. Não basta denominar os cargos como sendo de diretor, chefe ou
assessor para que se abra uma exceção à regra do concurso público e se
justifique seu provimento em comissão, pois o que importa não é o rótulo, mas a
substância deles, fazendo-se necessário examinar as atribuições a serem
exercidas por seus titulares e tais atribuições devem estar definidas na lei
(Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 152.958-0/6, rei. Des. Debatin
Cardoso, j. 04.03.2009) (...)”. (TJSP, ADI 0391344-43.2010.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Des. Arthur Marques, 20.04.2011, v.u., Data de registro 02.05.2011).
Cumpre rememorar que a edição dos
cargos em comissão, à luz de preceitos insculpidos na Carta Republicana de
1988, não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional. Deve,
em respeito ao art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, reproduzido no
art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de
assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança,
sendo vedada ao exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é
reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em certame de provas ou
de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da
eficiência.
Conforme
doutrina e jurisprudência majoritárias, não é lícito à lei declarar a liberdade
de provimento de qualquer cargo ou emprego público, mas tão somente àqueles que
requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de
assessoramento, chefia e direção.
Ou seja, a instituição de cargos
desse jaez somente encontra fundamento legítimo quando alicerçada em
atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível
superior), às quais se exige relação de confiança, pouco importando a
denominação ou forma de provimento atribuídas, pois,
Portanto, em obediência aos
imperativos da Carta Maior, na edição de cargos comissionados se faz necessária
a perquirição de sua natureza excepcional amparada no elemento fiduciário, não
satisfeito pela mera declaração do legislador quando da atribuição do nome in iuris ao cargo, sendo assaz relevante
uma análise do plexo de atribuições das funções públicas.
É dizer: os cargos de provimento em
comissão são restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em
nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança
para com os agentes políticos ao desempenho de tarefas de articulação,
coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não
se coaduna a edição de cargos dessa natureza – cuja qualificação é matéria da
reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais ordinárias,
passíveis de desempenho por quaisquer agentes.
Nesse sentido, remansosa é a jurisprudência que proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, exigindo que elas demonstrem, de forma efetiva, a presença de funções concernentes a assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. LuizFux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Vejamos:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II),
7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA
PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do
pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional
norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração
da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na
administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna
prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se
harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a
investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador
estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a
exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público.
Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2.
Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais.
Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da
Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário
que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a
serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração.
Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de
argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a
que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
Pois bem.
No caso em apreço, da simples análise
da legislação correlata aos cargos comissionados de Diretor de Departamento,
Diretor Superintendente e Supervisor, percebe-se que inexiste previsão
normativa estabelecendo as atribuições dos referidos postos, ao contrário do
estabelecido pelo legislador local para o cargo de provimento em comissão de
Assessor de Gestão Pública, possui suas atribuições discriminadas no Anexo III
da Lei Complementar nº 02/14, havendo, portanto, afronta aos ditames
constitucionais impostos à criação de cargos desta natureza.
Quando
da edição de posto comissionado, cumpre ao legislador traçar em seu texto cada
uma das atribuições conferidas ao servidor ocupante de tal cargo, vez que a
omissão de mandamento neste sentido impossibilita a aferição da presença dos
critérios de assessoramento, chefia e direção exigidos pelo Constituinte,
conduta esta que não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito,
cuja essência resta alicerçada na ampla publicidade de informação, sendo
contrário ao seu espírito atos velados, obscuros, sobre os quais resta
impossibilitada qualquer espécie de controle:
“(...) 2.
Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura
sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República
Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia
em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima
qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político,
seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). (...)” (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos
Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)”
Ou
seja, a exigência de reserva legal se faz imperiosa em se tratando de cargos ou
empregos de provimento em comissão, posto que serve à mensuração da perfeita
subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional
que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção.
É por isso que esse Sodalício exige que a lei descreva as atribuições de cada um dos cargos, pois, do contrário, não é possível ao Poder Judiciário e demais legitimados a tal controle sindicar se foram criados, efetivamente, para as situações constitucionalmente permitidas:
Sobre
o tema esse Colendo Órgão Especial já teve a oportunidade de se pronunciar em
idêntico sentido, conforme se verifica nas seguintes ementas:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do
Município de Peruíbe, que alterando o quadro geral dos servidores municipais de
que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou
os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor,
assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador
geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento,
diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu
anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da
reserva legal. (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)
Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Complementar n°
1.800, de 8 de março de 2005 – Criação de cargos de provimento em comissão,
destinados, muitos deles, a funções burocráticas ou técnicas de caráter
permanente - Inadmissibilidade - Dispositivo, ademais, que deixou de descrever
as atribuições e responsabilidades de cada um dos cargos, impossibilitando a
verificação de que foram criados exclusivamente para os casos
constitucionalmente permitidos (direção, chefia e assessoramento) – Violação
dos artigos 5°, § 1º, 111, 115, I e II e 144 da Constituição do Estado de São
Paulo - Ação procedente” (ADIN nº 152.958-0/6, j. 04/03/2009, rel. Des. Debatin
Cardoso, g.n.).
Desse último julgado, aliás,
extrai-se preciosa lição que fundamenta esta propositura:
“(...) o dispositivo deixou de descrever as atribuições e
responsabilidades de cada um dos cargos criados, necessários para que se possa
analisar e concluir que foram criados exclusivamente para os casos
constitucionalmente permitidos.
Não basta denominar os cargos como sendo de diretor, chefe ou
assessor para que se abra uma exceção à regra do concurso público e se
justifique seu provimento em comissão, pois o que importa não é o rótulo, mas a
substância deles, fazendo-se necessário examinar as atribuições a serem
exercidas por seus titulares e tais atribuições devem estar definidas na lei.”
Aliás, também é a orientação da Corte Constitucional, segundo a qual a norma que institui cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão, ofende o disposto no art. 37, II, da CF. Para o Supremo Tribunal Federal, há “necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público" (ADI 3.233, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 10-5-2007, Plenário, DJ de 14-9-2007, com citação de precedentes).
Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria eventual competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.
A
possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização
administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder
Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de
habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°,
II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual
que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de
organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a
disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre
órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar
cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°,
II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual)
ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição
Federal).
Nesse passo, cabe gizar que, apreciando lei estadual, o Supremo Tribunal Federal reafirmou, em recente oportunidade, que “a delegação de poderes ao Governador para, mediante decreto, dispor sobre ‘as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado’, é inconstitucional porque permite, em última análise, sejam criados novos cargos sem a aprovação de lei” (ADI 4125, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00068).
Todavia,
na contramão dos entendimentos supramencionados, a boa técnica legislativa não
fora observada quando da instituição dos cargos vergastados.
Ante
a inexistência de qualquer parâmetro destinado a averiguar a legitimidade de
sua instituição, posto que não há ato normativo contemplando quais seriam as
atribuições dos citados “Diretores” e “Supervisores”, e se estariam consonantes
aos preceitos exigidos pelo Constituinte Originário, que impõe a presença de
atribuições de direção, chefia e assessoramento aos postos comissionados, ex vi do disposto no art. 115, V da
Carta Paulista, a fim de autorizar eventual burla à regra do concurso público
(art. 115, II), não outro entendimento pode ser patrocinado senão o da
flagrante inconstitucionalidade dos cargos apontados.
b. da natureza técnica
ou burocrática das funções desempenhadas pelos ocupantes dos cargos comissionados
impugnados.
Ademais, examinadas as atribuições do cargo de provimento em
comissão de Assessor de Gestão Pública, percebe-se que possui natureza
meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, principalmente se
observada a descrição das funções destinadas ao ocupante de tal posto, pelos
seguintes motivos.
As atribuições previstas para os referidos cargos são atividades destinadas
a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução,
ainda que o legislador tenha empregado determinados verbos para transparecer a
ideia de que tais postos foram criados para o desempenho de funções atípicas e
excepcionais próprias do provimento comissionado. Trata-se, ao revés, de atribuições
técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando
superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes
políticas do governo.
Ou seja, os agentes nomeados para os cargos impugnados desempenham
funções ordinárias,
de pouca complexidade, não se exigindo tão somente o dever comum de lealdade às
instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição de suas atribuições evidenciam
a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora
dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior, ainda que se evidencie
a presença de alguns verbos inerentes ao cargo comissionado para mascarar a
real natureza dos postos ora objurgados.
Dessa
forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
o art. 111, 115 incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição Estadual.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição Paulista quanto ao provimento no serviço público sem concurso.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No
exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos e funções,
mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras
questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza
técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há
implícitos limites à sua criação, visto que se assim não fosse, estaria na
prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao
serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São
a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.
Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a
permissão para tal criação, “propiciar ao
Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de
certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes
políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer
plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta
ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da
autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a
serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o
dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a
que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de
cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao
desempenho de atividades meramente
burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação
de especial confiança.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Por esses motivos, os cargos de provimento em comissão de Assessor de Gestão Pública, Controlador Geral, Coordenador, Ouvidor e Procurador Geral, previstos nos Anexos II e III da Lei Complementar nº 02/14, devem ser extirpados dos quadros administrativos do Município de Tietê, ante a flagrante violação aos arts. 111, 115, I, II e V, e 144.
3.
DO PEDIDO
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão de Assessor
de Gestão Pública, Diretor de Departamento, Diretor Superintendente e
Supervisor, previstos nos Anexos II e III da Lei
Complementar nº 02, de 03 de fevereiro de 2014, do Município de Tietê.
Requer-se
ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Tietê, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para
manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 08 de setembro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef
Protocolado nº
143.505/15
Interessado: Georgia Renata Dias
Assunto: representação para análise de
constitucionalidade das Leis Complementares nº 13/2014 e 14/2014, ambas do Município
de Tietê
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos cargos de provimento
em comissão de Assessor de Gestão Pública, Diretor de Departamento, Diretor
Superintendente e Supervisor, previstos nos Anexos II
e III da Lei Complementar nº 02, de 03 de fevereiro de 2014, do Município de
Tietê, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 08 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef