EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 143.871/2015

 

 

                                              

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu. Criação de cargos em comissão na estrutura administrativa da Faculdade Municipal “Professor Franco Montoro”. 1. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a ser preenchido por servidor público investido em cargo de provimento efetivo (arts.111, 115, I, II e V, e 144, da CE/89).  2. Cargo de “Assessor Jurídico”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).

 

 

 

 

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 143.871/2015, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, do Município de Mogi Guaçu, que “cria cargos e empregos públicos que especifica no quadro de pessoal da Faculdade Municipal ‘Professor Franco Montoro’, e dá outras providências”, com a redação dada pelas Leis Complementares nº 895, 18 de dezembro de 2007, e nº 1028, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

Art. 1° Ficam criados os seguintes cargos e empregos públicos para constituírem o Quadro de Pessoal da Faculdade Municipal “Professor Franco Montoro”:

                              QUADRO I – CARGOS EM COMISSÃO

(de livres nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal)

QUANT.

DENOMINAÇÃO

REGIME

REFERÊNCIA (ANEXO IV DA LEI MUNICIPAL N° 2775/91)

CARGA HORÁRIA

ATRIBUIÇÕES

01

Diretor de Faculdade

Estatutário

C-H

200 h/m

Professor Doutor, decide e atua em todas as questões relacionadas à Faculdade, administrativas, operacionais, educacionais, financeiras e legais, representado a instituição ativa e passivamente, em juízo ou fora dele. Pode delegar competências.

01

Vice- Diretor de Faculdade

Estatutário

(*)

(*)

Professor Doutor, substitui o Diretor de Faculdade durante seus afastamentos.

01

Coordenador Geral

Estatutário

C-G

200 h/m

Professor, assiste ao Diretor na coordenação e organização dos cursos ministrados pela Faculdade assuntos educacionais.

02

Administrador de Campus

Estatutário

C-F

200 h/m

Assiste ao Diretor em todas as questões administrativas e operacionais da Faculdade, inclusive as relacionadas a pessoal, financeiro.

01

Assessor Jurídico

Estatutário

C-E

100 h/m

Advogado, inscrito na OAB, executa todas as atividades típicas e privativas de advogado estabelecidas na legislação específica, atuando no contencioso judicial e na consultoria, na defesa dos interesses e dos direitos da Faculdade.

Qtde.

DENOMINAÇÃO

REF

(*)

Carga Horária

ESCOLARIDADE MÍNIMA

Atribuições

01

Secretário Executivo

C-D

200 h/m

Ensino Médico Completo

Secretaria as atividades administrativas de apoio da Instituição; assessora a Direção, a Coordenação Geral e a Secretaria Acadêmica e no relacionamento com a comunidade; encaminha providências aos órgãos competentes; auxilia no trâmite das questões internas junto aos cursos de graduação e pós-graduação, departamentos e funcionários; recebe, distribui e expede correspondências e documentos em geral; executa outras tarefas designadas pela Direção.

02

Assessor Acadêmico

C-C

200 h/m

Ensino Médico Completo

Assessora o Coordenador Geral, o Secretário Acadêmico e os coordenadores de curso nas questões acadêmicas, nos projetos de extensão comunitária, nos projetos de pesquisa científica, na inspetoria, na fiscalização do corpo discente, no relacionamento entre os órgãos estudantis os docentes; e executa outras tarefas designadas pelos superiores hierárquicos.

01

Secretário Geral

C-F1

200 h/m

Ensino Superior Completo

Coordena e executa os serviços de apoio ao desenvolvimento das atividades didático-pedagógicas da instituição, planejando, dirigindo e fiscalizando os serviços acadêmicos da Secretaria, relativos à escrituração de matrícula, dependência, adaptação, frequência, notas de exame ou outros atos escolares e demais atribuições constantes de Regimento Interno e/ou demais legislações específicas. Assessora o Diretor de Faculdade, o Coordenador Geral e os coordenadores de cursos.

                           

                                    (...)”. – grifo nosso (sic)

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

As expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu, ao criar os aludidos cargos em comissão para o desempenho de funções técnicas e burocráticas, e, ainda, o cargo de “Assessor Jurídico”, para o desempenho de atividade inerente à advocacia pública, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

                            (...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1.       Dos cargos de “Administrador de Campus”, “Secretário Executivo”, “Assessor Acadêmico” e “Secretário Geral”

As atribuições descritas no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 28 de dezembro de 2001, do Município de Mogi Guaçu, dos aludidos cargos de provimento em comissão, não expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias.

Com efeito, dentre as atribuições do cargo em comissão de Administrador de Campus, estão a de assistir “ao Diretor em todas as questões administrativas e operacionais da Faculdade, inclusive relacionadas a pessoal e financeiro”, funções estas evidentemente burocráticas e operacionais.  

Por sua vez, dentre as atribuições do cargo em comissão de Secretário Executivo estão a de executar “a programação e controle das atividades acadêmicas e administrativas” e colaborar “com os Coordenadores dos Cursos na condução das atividades docentes e discentes”, funções estas nitidamente técnicas e operacionais.

No que tange ao cargo de Assessor Acadêmico, figuram dentre as suas atribuições as de assessorar “o Coordenador Geral, o Secretário Acadêmico e os coordenadores de curso nas questões acadêmicas, nos projetos de extensão comunitária, nos projetos de pesquisa científica” e executar “outras tarefas designadas pelos superiores hierárquicos”, o que revela o caráter o subalterno e técnico das funções.

Finalmente, o cargo de Secretário Executivo possui como funções encaminhar “providências aos órgãos competentes”, auxiliar “no trâmite das questões internas junto aos cursos de graduação e pós-graduação, departamentos e funcionários”, receber, distribuir e expedir “correspondências e documentos em geral” e executar “outras tarefas designadas pela Direção”, o que torna evidente a natureza burocrática, operacional e subalterna de suas atribuições.

Ademais, sintomática a exigência apenas de ensino médio completo para a investidura nos cargos de “Secretário Executivo” e “Assessor Acadêmico” e a ausência de critérios relacionados à escolaridade em relação ao cargo de “Administrador de Campus”, haja vista não exigirem os conhecimentos específicos que possuem as pessoas que ostentam nível superior de ensino e estão em condições de exercer atribuições de chefia, direção e assessoramento superior que, em verdade, justifica o provimento em comissão.

A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município de Alvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn 0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2.012)

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITÜCIONALIDADE - Legislações do Município que Tietê, que dispõe sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn 0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)

Como bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Os cargos criados consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

Nesse sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Há, com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Prelecionando na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Cumpre observar que os cargos mencionados não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

3.2.       Do cargo de “Assessor Jurídico”

Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

Não há, evidentemente, nenhum componente no posto de “Assessor Jurídico” a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivo aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, o dispositivo legal acima destacado.

Outrossim, o cargo em comissão de “Assessor Jurídico” não se harmoniza com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista- que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual-, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

 

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

 

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

4.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Mogi Guaçu apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargo público e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu.

5.     DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade das expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Mogi Guaçu, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 24 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efsj/ts

 


 

 

Protocolado n. 143.871/2015

 

Interessado: Promotoria de Justiça de Mogi Guaçu

Objeto: representação para controle de constitucionalidade das expressões “Administrador de Campus”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Acadêmico”, “Secretário Geral” e “Secretário Executivo” constantes no artigo 1° da Lei Complementar n° 435, de 26 de dezembro de 2001, com a redação dada pelas Leis Complementares n° 895, de 18 de dezembro de 2007, e n° 1098, de 28 de dezembro de 2009, todas do Município de Mogi Guaçu.

 

 

1.      Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso.

 

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

 

São Paulo, 24 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj/ts