EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 144.856/2015

 

 

Ementa:

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.297/2014 do Município de Itapevi. Serviços de Táxi. Violação ao princípio da igualdade. 1. Lei municipal que exige prévia licitação somente às novas “concessões” de exploração dos serviços de transporte individual de passageiros - Táxi - anteriores à sua promulgação. Manutenção das permissões anteriores concedidas sem procedimento licitatório por prazo indeterminado. 3. Ofensa ao Princípio da Isonomia (artigo 144 da CE/89 e art. 5º, “caput”, da CF/88).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, da Constituição do Estado São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 2.297/2014, do Município de Itapevi, que “estabelece normas para a exploração de transporte individual de passageiros em veículos providos de taxímetro, e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos.

I. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei n. 2.297/2014, do Município de Itapevi, assim dispôs:

“Art. 8º. As concessões somente serão outorgadas às pessoas físicas.  

Art. 9°. As concessões disciplinadas por esta Lei serão outorgadas por meio de licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios constitucionais, pelo prazo de 15 (quinze) anos, prorrogáveis por igual período, à critério do Poder executivo, serão formalizadas mediante termos próprios

 (...)

§3º Aos atuais permissionários ficam resguardados os direitos de exploração do serviço de transporte individual de passageiros em veículos de aluguel – táxi, cujas outorgas ocorreram antes da vigência desta lei” (grifo nosso).

II. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Lei Municipal n. 2.297/2014, de Itapevi, fere frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Com efeito, a legislação em voga é incompatível com o princípio da isonomia (art. 5º, “caput”, CF), aplicável à espécie por força do art. 144 da CE/89.

           A pretexto de atingir uma igualdade material entre os munícipes e concretizar o ideário de justiça social estabelecido no art. 3º, I da CF, o parlamento de Itapevi, por meio do dispositivo legal acima mencionado, exigiu que somente aos interessados à obtenção de novas concessões sujeitem-se ao certame licitatório, enquanto que, aqueles que já tinham a permissão antes da edição da lei, com elas permanecessem por prazo indeterminado, ficando, portanto, alheios à exigência do certame.

         A bem da verdade, a concretização do princípio em testilha isonomia no âmago dos sistemas jurídicos sempre foi objeto de profunda indagação, de sorte que somente a partir das revoluções demo-liberais oitocentistas, em especial a Revolução Francesa de 1789, é que o primado da igualdade formal passou a ter contornos mais objetivos, sendo erigido como um dos fundamentos do Estado de Direito.

Todavia, esse ideário de igualdade jurídica formal aduzido nos diplomas legais dos Estados modernos, reproduzido pela máxima “tratar a todos de forma igualitária perante a lei”, aos poucos foi sendo relativizado, haja vista a impossibilidade de sua efetivação em razão das diferenças naturais entre os seres da comunidade.

 Destarte, buscando a superação desse paradigma, a problemática da igualdade ensejou uma leitura diversa, passando a ser tratada sob o prisma da diferenciação razoável entre sujeitos, a fim de equiparar suas adversidades e garantir a tão almejada isonomia concreta.

 Com efeito, competiria ao próprio sistema criar mecanismos voltados a nivelar indivíduos situados em planos distintos, por meio de um fator de discrímen legítimo e justo no cotejo com as demais disposições do ordenamento, de modo que à luz desse entendimento foi cunhado o conceito de isonomia “material ou real”, consagrado tanto em sede doutrinária como jurisprudencial.

           Ou seja, a diferenciação entre os sujeitos não é vedada pelo ordenamento. Na verdade, é promovida por ele em situações justificadas por circunstâncias razoáveis que transcendem os limites jurídicos, havendo, inclusive, inúmeros instrumentos legais assegurando tal conduta.

           Entretanto, a possibilidade de tratamento diversificado a sujeitos de um mesmo corpo deve ser feita com extrema cautela.

           Não se pode conferir a alguns uma conjuntura favorecida à luz de critérios obscuros ou mesmo carentes de legitimidade, sob pena de desvio da finalidade precípua em igualar, criando, ao revés, um privilégio fruído por poucos e indesejado pelo próprio ordenamento.

           Portanto, é nestes termos que o princípio da isonomia deve ser apreciado, de sorte que no ponto a seguir far-se-á uma análise do critério diferenciador erigido pela ventilada Lei Municipal de Itapevi, demonstrando, ao final, sua impropriedade e consequente inconstitucionalidade.

           Para que uma discriminação não promova desigualdade indesejada, seus fundamentos devem possuir ligação com o fato merecedor de diferenciação e com a finalidade perquirida ao se empregar o instituto, tudo sob a égide da proporcionalidade.

           Sobre a eleição de critério de discrímen para legitimar situações de desigualdade, imperioso o magistério do juspublicista Celso Antônio Bandeira de Mello, cujos ensinamentos nos revelam um norte a ser trilhado na árdua tarefa supramencionada:

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. (...) Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora quando é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecida e a desigualdade de situações correspondentes. De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico. Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia (...)”

  E assim conclui o professor:

“(...) tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada.” (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. 19ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37/38).

 

           Fazendo uso das lições acima, pode-se concluir, portanto, que eventual discriminação entre sujeitos é permitida na seara jurídica, mas somente se restar alicerçada em elementos que guardem conexão entre o critério diferenciador e a justificativa racional para a situação de desigualdade buscada.

  Pois bem.

           A bem da ciência jurídica e em respeito a uma argumentação no mínimo coerente, é gritante a falta de vínculo entre a possibilidade de se exigir para a concessão de novos alvarás a sujeição dos interessados ao certame licitatório, enquanto para aqueles que já os possuíam eximi-los de tal exigência, consagrando-os por período indeterminado.          

Não pode a lei, sob pena de inconstitucionalidade por violação aos princípios da isonomia e da igualdade (art. 5º da Constituição Federal) selecionar determinado grupo de pessoas para submetê-las a regras peculiares.

O fator de discriminação carece de fundamento e razoabilidade e não se funda em critério justo, não sendo equitativo.

  A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

 Ante o exposto, requer-se que seja dada procedência à presente ação direta, a fim de reconhecer a inconstitucionalidade do art. §3º do art. 9º, da Lei Municipal n. 2.297/14 do Município de Itapevi.

  Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Itapevi, bem como a citação do douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, vista para fins de manifestação final.

 

  São Paulo, 05 de Dezembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

  Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pt.n : 144.856/2015

Interessado : Promotoria de Itapevi

Objeto : Representação para a Propositura de Adin em face da Lei Municipal n. 2297/2014 do Munícipio de Itapevi

 

 

1.         Distribua-se a presente ação, instruindo-a com o Protocolado incluso;

 

2.         Oficie-se ao representante encaminhando-lhe cópia da inicial.

 

 

 

 

São Paulo, 05 de Dezembro de 2016

 

 

  Gianpaolo Poggio Smanio

  Procurador-Geral de Justiça