Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 124.642/15
Constitucional.
Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei n. 3.512, de 12 de março
de 2015, do Município de Pedreira. Cargos públicos. Provimento em comissão.
Fixação do percentual mínimo de 10% dos cargos de provimento em comissão
reservados a servidores de carreira. Violação aos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do
art. 115, V, da CE/89.
Inconstitucional a previsão de percentual mínimo de 10% (dez por cento) para preenchimento de cargos de provimento em comissão na estrutura administrativa do Município de Pedreira, vez que, ao estabelecer em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, CE/89, por evidente esvaziamento de sua ratio.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei n. 3.512,
de 12 de março de 2015, do Município de Pedreira, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A
Lei n. 3.512, de 12 de março de 2015, do Município de Pedreira, dispõe sobre a
reserva de cargos de provimento em comissão aos servidores ocupantes de cargos
de provimento efetivo das pessoas integrantes da Administração Pública direta e
indireta do Município de Pedreira, tem a seguinte redação:
Art. 1º Ficam reservados aos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das pessoas integrantes da administração pública direta e indireta do Município de Pedreira o percentual mínimo de 10% (dez por cento) dos cargos de provimento em comissão existentes, excetuando-se os cargos de Secretário Municipal.
Art. 2º Ao servidor ocupante de cargo de provimento efetivo afastado para exercício do cargo em provimento em comissão são garantidas todas vantagens do cargo de origem, observado o disposto no art. 64, inciso V, da Lei Municipal n° 1.745, de 27 de junho de 1994.
Art. 3º As despesas decorrentes da execução da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias vigentes, suplementadas se necessário.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (fls. 43, 48 - sic)
A
Lei n. 3.512/15, aplicável tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder
Legislativo, apesar de pretender obediência ao art. 115, V, da Constituição
Paulista, em verdade, frustra seu objetivo na medida em que autoriza a
investidura de servidores exclusivamente comissionados em 90% (noventa por cento) do quadro de cargos de provimento em
comissão.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
A Lei n. 3.512/15 contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta que assim
dispõe:
Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
O art. 144 da Constituição
Estadual limita e condiciona a autonomia municipal, determinando a observância
dos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição
Estadual.
A
lei contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Tais normas reproduzem o art. 37, caput, e incisos II e V, da Constituição
Federal.
A
Lei n. 3.512, de 12 de março de 2015, do Município de Pedreira, não se
compatibiliza com o inciso V do art. 115 da Constituição Estadual que,
reproduzindo o inciso V do art. 37 da Constituição Federal, determina a reserva
de percentual mínimo, adotado em ato normativo, de cargos de provimento em
comissão a servidores de carreira, com nítido escopo de estímulo à
profissionalização do serviço público (e consequente valorização do servidor
público titular de cargo de provimento efetivo, isolado ou de carreira).
Também
não compatibiliza a liberdade de provimento de cargos comissionados com os
princípios que norteiam a atividade administrativa, previstos no art. 111 da
Carta Bandeirante.
É sabido que a vigente ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a democracia não pode transigir.
O art. 115, V, da Constituição Estadual, institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos, apontando para a profissionalização da função pública inclusive nos níveis de assessoramento, chefia e direção.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
No caso, o percentual adotado na legislação impugnada é insuficiente para atender ao escopo da norma parâmetro.
Com
efeito, sendo 10% (dez por
cento) dos cargos comissionados reservados
a servidores de carreira, os restantes
90% (noventa por cento) são livremente providos por pessoas que são estranhas ao quadro de pessoal,
e que são servidores exclusivamente comissionados, o que torna mera ficção
o art. 115, V, da Constituição Estadual, por representar evidente esvaziamento
de seu comando.
Há,
portanto, violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta à
razoabilidade, à proporcionalidade, e à moralidade, e burla implícita à
excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento de postos na
estrutura da Administração, além de nítida incidência na proibição da falta.
Neste
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM
COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL
DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão
reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das
providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser
preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.”
(TJSP, ADI 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres,
16.08.2015, v.u – g.n.).
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição de lei
específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza,
10.06.2015 v.u – g.n.).
Ante
o exposto, o percentual estabelecido na lei objurgada não se concilia com os
arts. 111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser declarada sua
inconstitucionalidade por este egrégio Tribunal de Justiça.
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma municipal apontada
como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
especificamente no que se relaciona à legitimidade de investidura em cargos
públicos e a gastos com pessoal, onerando o erário.
À luz desta contextura, requer
a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento
desta ação, da Lei n.
3.512, de 12 de março de 2015, do Município de Pedreira.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 3.512, de 12 de março de 2015, do Município
de Pedreira.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Presidente da Câmara Municipal de
Pedreira, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 12 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado n. 124.642/15
Interessado: Conselho Superior do Ministério Público
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade da Lei n. 3.512, de 12 de março de 2015, do Município de
Pedreira
1.
Promova-se
a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o
protocolado em epígrafe mencionado, em face da Lei n. 3.512, de 12 de março de
2015, do Município de Pedreira.
2. Ciência ao egrégio Conselho Superior
e à douta Promotoria de Justiça de Pedreira, remetendo cópia da petição inicial
e deste despacho.
São
Paulo, 12 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj