EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 128.912/2015
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão previstos no Anexo III, da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro de 2007, alterada pelas Leis Complementares nºs 166, de 23 de junho de 2015, 152, de 12 de março de 2014, 141, de 09 de abril de 2013, 106, de 09 de março de 2010 e 99, de 02 de abril de 2009, todas do Município de Laranjal Paulista.
2)
Criação
de cargos de provimento em comissão sem descrição das
respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos
poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do
exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei.
Violação do princípio da reserva legal.
3)
Cargos
de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas,
operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação
de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I,
II e V, e art. 144).
4)
Cargos
de provimento em comissão de Assessor Técnico Jurídico. As atividades de
advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações
legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também
recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI,
da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em
conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição
da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 128.912/15, que segue como anexo), vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos cargos de provimento em comissão de: “Assessor Administrativo,
Assessor Técnico de Desenvolvimento, Assessor Técnico Jurídico,
Sub-diretor de Departamento, Diretor de Unidade Educacional, Supervisor
Pedagógico, Vice-diretor de Unidade Educacional, Assessor Técnico
Administrativo, Assessor Técnico de Governo e Assessor de Governo”, constantes no
Anexo III, da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro de 2007, alterada pelas
Leis Complementares nºs 166, de 23 de junho de 2015, 152, de 12 de março de
2014, 141, de 09 de abril de 2013, 106, de 09 de março de 2010 e 99, de 02 de
abril de 2009, todas do Município de Laranjal Paulista, pelos fundamentos
expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada
pelo cidadão Márcio José Garpelli (fls. 02/38).
O Anexo III da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro
de 2007, prevê o seguinte:
A Lei Complementar nº 99, de 02 de abril de 2009, alterou
o Anexo III da Lei Complementar nº 85, prevendo:
A
Lei Complementar nº 106, de 09 de março de 2010, alterou o Anexo III da Lei
Complementar nº 85, dispondo:
Por
sua vez, a Lei Complementar nº 141, de 09 de abril de 2013, dispôs:
A
Lei Complementar nº 152, de 12 de março de 2014, prevê:
Por fim, a Lei Complementar nº 166, de 23 de junho de
2015, prevê:
Desse modo, o atual quadro de cargos em comissão do
Município de Laranjal Paulista é o seguinte:
Quantidade |
Cargo |
05 |
Assessor Administrativo |
07 |
Assessor Chefe Administrativo |
01 |
Assessor Técnico de
Desenvolvimento |
02 |
Assessor Técnico Jurídico |
17 |
Diretor de Departamento |
01 |
Sub-diretor de Departamento |
14 |
Diretor de Unidade Educacional |
11 |
Secretário Municipal |
02 |
Supervisor Pedagógico |
06 |
Vice-Diretor de Unidade
Educacional |
03 |
Assessor Técnico Administrativo |
01 |
Assessor Técnico de Governo |
02 |
Assessor de Governo |
Os atos normativos transcritos, na parte em que criaram
os cargos de provimento em comissão de Assessor
Administrativo, Assessor Técnico de Desenvolvimento, Assessor Técnico Jurídico,
Sub-diretor de Departamento, Diretor de Unidade
Educacional, Supervisor Pedagógico, Vice-diretor de Unidade Educacional,
Assessor Técnico Administrativo, Assessor Técnico de Governo e Assessor de
Governo são inconstitucionais por violação dos arts. 111, 115, incisos I, II e
V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2. DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM
COMISSÃO
Não há nas Leis
Complementares impugnadas descrição das atribuições dos cargos de
provimento em comissão de “Assessor Técnico de Desenvolvimento, Assessor
Técnico Jurídico, Sub-diretor de Departamento, Diretor
de Unidade Educacional, Supervisor Pedagógico, Vice-diretor de Unidade
Educacional, Assessor Técnico de Governo e Assessor de Governo”.
O princípio da
legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de
qualquer função pública lato sensu
(cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus
regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de
atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com
denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação
hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma
específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar
relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei
específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou,
ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo
produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo -
descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação
de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em
lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo,
São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo
Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho.
Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Neste sentido, é ponto
luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei
específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Somente a partir da
descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento
administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa
licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de
exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os
direitos dos administrados, e que se espraia à
aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser
guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.
Nem se alegue, por
oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para
descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena
de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A
possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização
administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder
Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de
habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°,
II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1,
da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal.
Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a
organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do
serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de
seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los
desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI,
b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os
fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).
Com maior razão a
exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento
em comissão, posto que serve para mensuração da
perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional
excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento,
chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas
desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial
sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo
a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva
na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito
aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na
organização municipal.
Sobre o tema esse
Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte
ementa:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)
Por sua vez, apenas há definição das atribuições dos cargos de Assessor Administrativo e Assessor Técnico Administrativo. Todavia, verifica-se que referidas atribuições juntamente com os dos demais cargos impugnados possuem natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, conforme abaixo explicitado.
3. DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA
DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS
As atribuições previstas para os cargos de Assessor
Administrativo e Assessor Técnico Administrativo são atividades destinadas a
atender necessidades executórias distantes dos encargos de comando superior em
que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do
governo, eis que se perfazem em atividades destinadas a atender necessidades
executórias ou a dar suporte a decisões e execução, conforme se verifica, pela
transcrição das referidas atribuições:
Aos cargos de Assessor Administrativo e Assessor
Técnico Administrativo estão previstas as seguintes atribuições:
Não obstante a nomenclatura dada à
eles, as atribuições descritas não substanciam funções de assessoramento,
chefia ou direção, demonstrando-se, portanto, artificialidade e abusividade em
sua criação.
Tal fato, conjugado com as demais características dos
cargos impugnados reforça a natureza de unidades executórias de pouca
complexidade, de nível subalterno, sem poder de mando ou comando superior e
necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o
provimento em comissão.
As características de cada unidade indicam que são
destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a
decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas,
administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de chefia, direção,
assessoramento e comando superior em que se exige especial confiança e
afinamento com as diretrizes políticas do governo. Dessa forma, os cargos
comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem
constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e
art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao
perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço
público sem concurso.
Embora o Município seja dotado de autonomia política
e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da
Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita
ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.
ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser exercida com a observância
dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005,
p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa, o
Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos,
instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se
estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize
seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional,
sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais
federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve
ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de
provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista
inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da
Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento
dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de
livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o
governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções
inerentes à atividade predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim
não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em
precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes
com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser
encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso
(STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas
aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam
excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com
relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem
além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e
qualquer servidor.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que
“os cargos em comissão são próprios para
a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente
que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua
orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por
essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar
dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança”
(cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício
de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente
profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p.
41, g.n.).
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas
pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed.,
São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Não
é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o
provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de
confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das
diretrizes políticas do governo.
Pela
análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam
os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo na vigência da ordem constitucional
anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio
Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real
controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de
sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a
atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de
competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa,
a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas
apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos
seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de
lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo,
fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e
outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito
exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico,
livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes
referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu
adequado desempenho, relação de especial confiança.
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00,
j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de
janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30
de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des.
Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
4. DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE
ADVOCACIA PÚBLICA
A atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Assim, a natureza técnica profissional dos cargos de Assessor Técnico Jurídico, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.
5. DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos
cargos de provimento em comissão de “Assessor
Administrativo, Assessor Técnico de Desenvolvimento, Assessor Técnico Jurídico,
Sub-diretor de Departamento, Diretor de Unidade
Educacional, Supervisor Pedagógico, Vice-diretor de Unidade Educacional,
Assessor Técnico Administrativo, Assessor Técnico de Governo e Assessor de
Governo”, constantes no Anexo III, da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro
de 2007, alterada pelas Leis Complementares nºs 166, de 23 de junho de 2015,
152, de 12 de março de 2014, 141, de 09 de abril de 2013, 106, de 09 de março
de 2010 e 99, de 02 de abril de 2009, todas do Município de Laranjal Paulista.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Laranjal Paulista, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que, aguarda-se deferimento.
São
Paulo, 29 de junho de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ms/sh
Protocolado nº 128.912/2015
Assunto: inconstitucionalidade de cargos de provimento em
comissão previstos no Anexo III, da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro
de 2007, alterada pelas Leis Complementares nºs 166, de 23 de junho de 2015,
152, de 12 de março de 2014, 141, de 09 de abril de 2013, 106, de 09 de março
de 2010 e 99, de 02 de abril de 2009, todas do Município de Laranjal Paulista.
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar nº 85, de 12 de dezembro de
2007, alterada pelas Leis Complementares nºs 166, de 23 de junho de 2015, 152,
de 12 de março de 2014, 141, de 09 de abril de 2013, 106, de 09 de março de
2010 e 99, de 02 de abril de 2009, todas do Município de Laranjal Paulista.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
3.
Deixo de impugnar o art. 96 da Lei
Complementar nº
85, de 12 de dezembro de 2007, tendo em vista que ele é objeto de ação
autônoma, conforme fls. 369/373.
São
Paulo, 29 de junho de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ms/sh