Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 148.881/2015
Constitucional.
Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 5.673, de 28 de
setembro de 2001, do Município de Jundiaí. Fixação de ínfimo percentual de 4%
(quatro por cento) dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por
servidores de carreira do poder executivo, em atenção ao disposto no art. 115,
V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da
CE/89. 1. Inconstitucional
a previsão de percentual para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa do município por servidores de carreira, no caso 4% (quatro por
cento) para os cargos comissionados do Poder Executivo, vez que, ao estabelecer
em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a
exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115,
V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o
provimento comissionado na estrutura administrativa do município.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do art. 14 da
Lei nº 5.673, de 28 de setembro de 2001, do Município de Jundiaí, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 5.673, de 28 de setembro de
2001, do Município de Jundiaí, que “Cria e extingue cargos públicos em comissão
que específica; concede gratificação aos ocupantes dos cargos em comissão; e dá
providências correlatas”, estabeleceu em seu art. 14, o percentual diminuto de
4% (quatro por cento) dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos
por servidores de carreira, com a seguinte redação (fls. 109/134):
“(...)
Art. 14. Os cargos de provimento em comissão serão
preenchidos por servidores de carreira, observado o percentual mínimo de 4%
(quatro por cento), do total dos cargos existentes.
(...)”
A proporção fixada pelo ato normativo citado acima impõe que apenas 4% (quatro
por cento) dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores de carreira.
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, ainda que a contrario sensu, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, a partir da
interpretação do art. 14, do diploma impugnado, ao prever percentual ínfimo de
4% (quatro por cento) dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos
por servidores de carreira do Poder Executivo, o Município torna a exigência
plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica por evidente esvaziamento de sua ratio normativa, havendo, portanto,
notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O percentual estabelecido no art. 14 da Lei nº 5.673,
de 28 de setembro de 2001, do Município de Jundiaí, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
O dispositivo normativo contestado é
incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A partir da interpretação do art. 14, do diploma impugnado,
se constata que 96% (noventa e seis por cento) dos cargos de provimento em
comissão, no âmbito do Poder Executivo, poderão ser preenchidos por servidores puramente comissionados e
somente 4% (quatro por cento) serão ocupados por servidores de carreira.
Observa-se, ainda, que segundo informa o Chefe da Divisão de Cargos e Salários da Prefeitura de Jundiaí ao todo são 453 (quatrocentos e cinquenta e três) cargos de provimento em comissão, dos quais 451 (quatrocentos e cinquenta e um) estão providos, na seguinte ordem: a) 37 (trinta e sete) cargos ocupados por servidores efetivos; b) e a contrário sensu o restante são comissionados puros (fls. 137 e verso).
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto (e até mesmo inexistente) de
postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme
acima mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente
esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111
e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à
proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à excepcionalidade do
provimento em comissão quando do preenchimento de postos na estrutura da
Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão
reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das
providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser
preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.”
(TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres,
j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição
de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza,
j. em 10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto, o percentual estabelecido
na lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115, V, da Constituição
Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal
de Justiça.
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade do art. 14 da Lei nº 5.673,
de 28 de setembro de 2001, do Município de Jundiaí, responsável por fixar o percentual para
preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do município.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e
ao Presidente da Câmara Municipal de Jundiaí, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 17 de maio de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
EFrco/mi
Protocolado nº 148.881/2015
Interessado: Dr. Leonardo D’ Angelo
Vargas Pereira – Promotor de Justiça da Comarca de Jundiaí.
1- Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe
mencionado, em face do art. 14 da Lei nº 5.673, de
28 de setembro de 2001, do Município de Jundiaí, responsável por fixar o percentual para
preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do Poder
Executivo, procedendo-se as comunicações de praxe.
2- Determino a abertura de novo
protocolado para análise de alguns cargos de provimento em comissão insertos às
fls. 55/94 porque as suas atribuições acenam serem de natureza burocráticas,
técnicas e profissionais, observando-se que no presente expediente não há
exemplar das leis ou atos normativos que os criaram, bem como para apuração da
constitucionalidade das atividades desempenhadas pelos Assessores Municipais (Anexo
IV) e gratificações (arts. 8º e 9º), ambas insertas na Lei nº 5.673, de 28 de
setembro de 2001, do Município de Jundiaí, instruindo-se com cópias de fls. 55/94
e 109/151;
3- Por fim, com cópia desta manifestação
e de fls. 153/156, instaure novo procedimento, em razão da inexistência de lei
ou ato normativo que disponha a respeito do percentual mínimo de cargos de
provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira do Poder
Legislativo, nos termos do artigo 115, inciso V, da Constituição do Estado,
conforme teor do ofício expedido pela Câmara Municipal de Jundiaí à fl. 156.
São Paulo, 17 de maio de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
EFrco/mi