EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n. 5713/16
Constitucional. Administrativo.
Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei
Orgânica do Município de Presidente Prudente. Denominação de logradouros e
próprios públicos. Iniciativa parlamentar. Reserva da Administração. Separação
de Poderes. 1. A denominação de bens, prédios, logradouros e vias do
patrimônio público é ato privativo da gestão administrativa reservada ao Chefe
do Poder Executivo. 2. Previsões que
usurpam a reserva da Administração, com ofensa ao princípio da separação dos
poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ n. 5713/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei
Orgânica do Município de Presidente Prudente, pelos fundamentos expostos a seguir.
I.
ATO
NORMATIVO IMPUGNADO
Prevê
a Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente no que interessa:
“(...)
Artigo 32 - Compete à Câmara Municipal,
com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do
Município e, especialmente:
XVI - autorizar a
alteração da denominação de próprios, vias e logradouros públicos;
XVII - dar denominações
a próprios, vias e logradouros públicos; observados os seguintes princípios:
a)
cada Vereador poderá propor em cada
Sessão Legislativa até o máximo de 12 Projetos de Lei, dispondo sobre
denominações a próprios, vias e logradouros públicos;
b)
atingido o limite máximo de 156 Projetos
de Lei na Sessão Legislativa, somente em caso excepcional será permitida a
apresentação de Projeto de Lei sobre denominação a próprio, vias e logradouros
públicos, devendo entretanto, a proposição ser de autoria da Mesa da Câmara
Municipal e subscrito por todos os Vereadores.
(...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica
Municipal contrariam frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal.
Os preceitos da Constituição
do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim
estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Os incisos
impugnados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar
atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá
exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção
superior da administração estadual;
(...)
XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)”
III
- DA USURPAÇÃO DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO E VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
Ao
prever que por meio de lei será autorizada a alteração da denominação dos espaços
públicos, bem como a possibilidade de a denominação ser proposta por
parlamentar a Lei Orgânica Municipal mostra-se neste aspecto inconstitucional
como adiante será demonstrado.
Indubitavelmente,
a denominação de logradouros e de próprios públicos trata-se de matéria de interesse local (CF, art. 30, I),
dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois
foram dotados de autonomia administrativa e legislativa. E, vale acrescentar,
não há na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer dos
Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode
ser geral ou concorrente.
Contudo,
afigura-se necessário distinguir as seguintes situações:
(a) a edição de regras que
disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros e de
próprios públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a
logradouros e próprios públicos, segundo as regras legais que disciplinam
essa atividade, que é da competência
privativa do Executivo.
No Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)
Em sua função
normal e predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas
abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica,
bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de
atos concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos
particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).
Assim, no
exercício de sua função normativa, a Câmara está habilitada a editar normas
gerais, abstratas e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a
denominação das vias, logradouros e prédios públicos, como, por exemplo:
proibir que se atribua o nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá
ser composto por mais de três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua
portuguesa, etc. (Cf. ADILSON DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”,
Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, 2/103).
Ressalte-se
que a nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade
precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, São Paulo,
2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a identificação e a
localização dos logradouros públicos seria tarefa quase impossível,
principalmente nos grandes aglomerados urbanos.
Diverso,
porém, é o ato de denominar os próprios públicos, inclusive nos casos em que
não se busca apenas permitir a orientação da população, mas sim homenagear
determinadas pessoas ou fatos históricos.
Note-se: nada
obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função
de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva também para
homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios previamente
estabelecidos em lei editada para regulamentar essa matéria.
Definidas
essas premissas básicas, entretanto, é imperativo o reconhecimento da
inconstitucionalidade dos atos normativos impugnados nesta inicial.
Leis que
conferem nomes a bens integrantes do patrimônio público municipal não encerram
o conteúdo de normas abstratas ou teóricas, instituídas em caráter permanente e
de generalidade.
Ou seja, a
Câmara não pode, em nosso regime constitucional, invadir a esfera da gestão
administrativa, que cabe ao Poder Executivo, atribuindo, especificamente e de
modo individualizado, a determinados próprios integrantes do Município,
denominação concreta.
As leis
formais não se mostram regras jurídicas, mas simples atos administrativos do Poder Legislativo, que invadem a esfera de
competência constitucional do Poder Executivo.
Na ordem
constitucional vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a
fim de limitar o poder estatal, na consagrada fórmula de Montesquieu, não existe
a menor possibilidade de a Administração municipal ser exercida pela Câmara,
por meio de leis (Estado legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao
Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários
Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e
praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47,
XIV).
Bem por isso,
aliás, ELIVAL DA SILVA RAMOS adverte que:
“(...)
Sob a vigência de Constituições que agasalham o princípio da separação
de Poderes (...) não é lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de
conteúdo concreto e individualizante. A regra é a de que as leis devem
corresponder ao exercício da função legislativa. A edição de leis meramente
formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das fontes legiferantes normais,
não apresentam os caracteres de generalidade e abstração, fixando, ao revés,
uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada
circunstância’, apresenta caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente
autorizada no Texto Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade
substancial. (“A Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva,
1994, p. 194.)
(...)”
Nesse contexto, a aprovação de lei, de iniciativa parlamentar, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
Ao examinar
assunto correlato, no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO
REZEK consignou no seu respeitável voto que:
“(...)
No contexto dos debates que esta matéria provocou na origem, e que
envolveram os três poderes do Estado, vez por outra afloram equívocos
conceituais de certa monta, qual o entendimento da prerrogativa de dar nome à
sede forense como atributo da propriedade imobiliária, ou a visão do Poder
Executivo como titular do domínio dos bens públicos afetos a seus próprios
serviços, tanto quanto aos da Legislatura e aos da Justiça.
Tudo isso posto de lado, porque desnecessário ao completo esquema da
questão de inconstitucionalidade que aqui se discute, reponta claro o argumento
do Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a
competência para dar nome a logradouros públicos, porque não disciplinada na
lei fundamental, há de sê-lo em lei ordinária; e que entre aqueles não há por
que distinguir os de uso especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes,
ou entregues ao uso comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com
esmero pelos fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras
fontes, foi sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto
a Carta não diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça,
mas o Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei
fundamental encabeça, sem poder exaurir.
Essa regra eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a
ditar-lhe o exato contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido
pela produção congressional reclame substância normativa, vestida da abstração
e da generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente,
é a de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda estender-se
sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do Executivo e do
Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não lhes afronta a
independência.
(...)”
Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.
Não há como
aceitar a interpretação que inclui no rol dos poderes implícitos da Câmara a
competência para editar leis formais, desvestidas dos atributos de generalidade
e abstração, tampouco estender esses poderes sobre área de atuação exclusiva do
Poder Executivo, a quem compete administrar os bens públicos e prestar os
serviços públicos municipais. O ato de atribuir nomes a logradouros ou prédios
públicos é mero corolário do poder de administrar.
Bem a
propósito, ao examinar leis de conteúdo semelhante, esse egrégio Tribunal de
Justiça decidiu que:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 10.222/2012, 10.296/2012 E
10.367/2012, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUEM NOME A LOGRADOUROS E
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE SOROCABA. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA AÇÃO PARA
CONTROLE CONCENTRADO DE NORMA DE CARÁTER CONCRETO. AÇÃO ADEQUADA. POSSIBILIDADE
DE SUBMISSÃO DE NORMAS SEM CARÁTER DE GENERALIDADE A CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. ATOS EDITADOS SOB A FORMA DE LEI. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO
PELO CONSTITUINTE ENTRE LEIS DOTADAS DE GENERALIDADE E AQUELOUTRAS, CONFIRMADAS
SEM O ATRIBUTO DA GENERALIDADE E ABSTRAÇÃO. INADMISSIBILIDADE DA ISENÇÃO DE ATOS
APROVADOS SOB A FORMA DE LEI DO CONTROLE ABSTRATO DE NORMAS. PRECEDENTES DA
CORTE SUPREMA. PRELIMINAR AFASTADA.
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 10.222/2012, 10.296/2012 E
10.367/2012, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUEM NOME A LOGRADOUROS E
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE SOROCABA. VÍCIO DE INICIATIVA. AFRONTA AO PRINCIPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. ATRIBUIÇÃO DE NOMES AOS BENS, PRÉDIOS, LOGRADOUROS E
VIAS QUE É ATO DE ORGANIZAÇÃO DE SINALIZAÇÃO MUNICIPAL, DE INICIATIVA EXCLUSIVA
DO CHEFE DO EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, 47, II E XIV E 144 DA CARTA
BANDEIRANTE. AÇÃO PROCEDENTE.” (ADI nº 2032984-81.2015.8.26.0000, Rel. Des. Xavier
de Aquino, j. em 29/07/2015, v.u).
Em suma, a Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de administração, nem mesmo denominar bens públicos. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que as leis em epígrafe são manifestamente incompatíveis com o princípio da separação dos poderes.
Estas são as razões para o reconhecimento da inconstitucionalidade formal dos atos normativos
impugnados, por afronta aos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Paulista,
cuja observância é obrigatória pelos municípios por força do art. 144 do mesmo diploma.
IV)
CONCLUSÃO E PEDIDO
Diante de todo o exposto,
aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para
que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica do
Município de Presidente Prudente.
Requer-se,
ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor
Prefeito Municipal de Presidente Prudente, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 14 de março de 2016.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
aaamj/acssp
Protocolado nº 5713/16
Assunto: Inconstitucionalidade dos incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente.
1. Distribua-se a inicial da
ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao interessado,
com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 14 de março de 2016.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça