EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 8.088/2016
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade.
Inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico criado por Resoluções
da Câmara Municipal de Amparo.
2) As
atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de
corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a
profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 30; 98 a 100; 111; 115, II, V; e 144 da Constituição
Estadual).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 8.088/16,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face do cargo de Assessor Jurídico constante do Anexo II da Resolução nº 379, de
23 de setembro de 2009 (na redação dada pelas Resoluções nº 396, de 21 de
dezembro de 2011, e nº 398, de 21 de março de 2012), todas da Câmara Municipal
de Amparo, pelos fundamentos expostos a seguir:
1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
O anexo II da Resolução
nº 379, de 23 de setembro de 2009, que dispôs sobre a reforma administrativa da
Câmara Municipal de Amparo, com as modificações implementadas pelas Resoluções
nº 396, de 21 de dezembro de 2011, e nº 398, de 21 de março de 2012, tem a
seguinte redação:
ANEXO II
CARGOS EM COMISSÃO
Denominação |
Quantidade |
Assessor
Jurídico |
2 |
Assessor de Gabinete |
1 |
Assessor Parlamentar |
2 |
Assessor de Comunicação |
1 |
A Resolução nº 413, de 11 de junho de 2014, da Câmara
Municipal de Amparo, fixou as atribuições do cargo de Assessor Jurídico no
Anexo VI, da seguinte maneira:
Os atos normativos transcritos, nas partes que tratam
do cargo de Assessor Jurídico, são
inconstitucionais por violação dos arts. 30; 98 a 100; 111; 115, II, V; e 144 da Constituição Estadual,
conforme passaremos a expor.
2. FUNDAMENTAÇÃO: DA NATUREZA DAS
ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA
A atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 30 e 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.
Seguem os preceitos violados pelos dispositivos ora impugnados:
“Artigo 30 - À Procuradoria da Assembleia Legislativa compete exercer a representação judicial, a consultoria e o assessoramento técnico-jurídico do Poder Legislativo.
Parágrafo
único - Lei de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa organizará a
Procuradoria da Assembleia Legislativa, observados os princípios e regras
pertinentes da Constituição Federal e desta Constituição, disciplinará sua
competência e disporá sobre o ingresso na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos.
(...)
Artigo
98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente,
essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual,
vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado,
sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do
interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da
Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a
compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de
Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição
Federal.
§ 2º - Os Procuradores do
Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso
público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do
Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a
consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
(...)
Artigo 99 - São funções
institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;
IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;
V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
VII - propor ação civil pública representando o Estado;
VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;
IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;
X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.
Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do
Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação
jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do
Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em
comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento,
prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar
declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma
inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Minº Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO,
EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO,
ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO
DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR
2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO
RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Minº Octavio
Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10
DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO.
PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO
DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Minº Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO
NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato
normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO
DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do
Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a
respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez
primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE
OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal
preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado
entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Minº
Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
Assim, a natureza técnica profissional do cargo de Assessor Jurídico, por força dos arts. 30 e 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.
3. DOS PEDIDOS
a)
Do Pedido Liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Amparo apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a
consequente oneração financeira do erário.
Está claramente
demonstrado que a natureza do cargo de Assessor Jurídico é reservada a
profissionais recrutados pelo sistema de mérito, por força dos arts. 98 a
100 da Constituição Estadual, o que não possibilita que o cargo seja de
provimento em comissão.
O perigo da demora
decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e
da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação.
Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres
públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta
lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para
ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela
argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da
prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A
ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade.
Note-se
que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível
restabelecer o status quo ante.
Assim,
a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de
maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida.
Com
efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares
para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante,
que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Minº Celso de Mello;
ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p.
16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar
para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, do cargo de Assessor Jurídico constante do Anexo II da Resolução nº 379, de 23
de setembro de 2009 (na redação dada pelas Resoluções nº 396, de 21 de dezembro
de 2011, e nº 398, de 21 de março de 2012), todas da Câmara Municipal de Amparo.
b)
Do Pedido Principal
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do cargo de Assessor Jurídico constante do Anexo II
da Resolução nº 379, de 23 de setembro de 2009 (na redação dada pelas Resoluções
nº 396, de 21 de dezembro de 2011, e nº 398, de 21 de março de 2012), todas da
Câmara Municipal de Amparo
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Amparo, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 11 de março de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam
Protocolado nº 8.088/2016
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face do cargo de Assessor
Jurídico constante na Tabela CM-01 da Resolução nº 244, de 28 de outubro de
1994 (na redação dada pelas Resoluções nº 253, de 06 de dezembro de 1995; nº
261, de 20 de fevereiro de 1997, e nº 295, de 02 de agosto de 2001), bem como
constante no Anexo II da Resolução nº 379, de 23 de setembro de 2009 (na redação
dada pelas Resoluções nº 396, de 21 de dezembro de 2011, e nº 398, de 21 de
março de 2012), todas da Câmara Municipal de Amparo, junto ao E. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 11 de março de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam