Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 26.705/16

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Direito Administrativo. Concurso público. Guarda Municipal. Art. 9º, inciso IX da Lei nº 3.406/97, na redação dada pelo art. 1º da Lei nº 6.423/15 de Indaiatuba, que altera o Estatuto da Guarda Municipal para fixar o limite máximo de idade de 30 anos para ingresso no serviço. Princípio da razoabilidade. Inconstitucionalidade. Viola o princípio da razoabilidade a imposição de critério etário, que não se justifica em função da natureza do cargo nem das atividades a ele relacionadas (art. 115, II e IV, CE).

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão "a 30 anos", contida no inciso IX do art. 9º da Lei nº 3.406, de 25 de abril de 1997, na redação dada pelo art. 1º da Lei 6.423, de 25 de março de 2015, do Município de Indaiatuba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

No Município de Indaiatuba foi editada a Lei n. 6.423, de 25 de março de 2015, que deu nova redação a dispositivos da Lei n. 3.406, de 25 de abril de 1997, que dispõe sobre o Estatuto da Guarda Civil de Indaiatuba e dá outras providências.

O art. 1º, ora impugnado, modifica o art. 9º do Estatuto da Guarda Civil, estabelecendo os requisitos necessários para a investidura no cargo, nos seguintes termos:

"Art. 1º. São requisitos necessários para a investidura em cargo público de Guarda Civil Aspirante, além de outros previstos no edital:

I - ser brasileiro nato ou naturalizado;

II - apresentar Cédula de Identidade;

III - ter concluído o ensino médio;

IV - possuir Carteira Nacional de Habilitação, categoria AB à AE;

V - apresentar Título de Eleitor, com comprovante de votação na última eleição;

VI - estar quite com as obrigações do serviço militar, se candidato do sexo masculino;

VII - apresentar atestado de antecedente criminal atualizado, fornecido pelo Instituto de Identificação do estado de São Paulo;

VIII - ter altura mínima de 1,60m;

IX - ter idade de 18 a 30 anos;

X - ter aptidão física e mental para o cargo;

XI - se funcionário público, não ter respondido ou não estar respondendo a Processo Administrativo ou Judicial, cujo fundamento possa incompatibilizar com a função de Guarda Civil;

XII - não possuir antecedentes criminais;

XIII - apresentar exame toxicológico negativo para substâncias ilícitas.

Parágrafo único. Os candidatos que apresentarem exame toxicológico positivo para substâncias ilícitas, serão considerados reprovados e inaptos para o exercício do cargo.

(...)

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O dispositivo normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XXVII - é vedada a estipulação de limite de idade para ingresso por concurso público na administração direta, empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, respeitando-se apenas o limite constitucional para aposentadoria compulsória;

(...)

A limitação imposta pela legislação municipal mostra-se incompatível com a Constituição Estadual, na medida em que se mostra despida de razoabilidade.

O art. 115, XXVII, da Constituição Estadual reproduz o art. 7º, XXX, da Constituição Federal, que veda expressamente diferenciação no acesso ao emprego em função da idade, quando não haja fator consistente de discriminação que assinale para a legitimidade da distinção. Esse dispositivo aplica-se aos servidores públicos, por expressa remissão contida no art. 39, § 3º da CF.

A limitação de idade para ingresso na função pública só é admitida quando justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

Esse é o entendimento do Col. STF, que assentou jurisprudência em torno do tema, ao editar o verbete sumular nº 683, assim redigido:

“Súmula nº 683. O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.”

Tratando de situações análogas, o Col. STF se manifestou no sentido de que restrição etária para ingresso no serviço público por concurso só se legitima quando calcada no princípio da razoabilidade.

Confiram-se os precedentes a seguir indicados, aplicáveis à hipótese em exame, mutatis mutandis:

“(...)

Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos arts. 7º, XXX, 37, I, 39, § 2º. O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – vinte e cinco anos e quarenta e cinco anos – é razoável, portanto não ofensivo à Constituição, art. 7º, XXX, ex vi do art. 39, § 2º. Precedentes do STF: RMS 21.033/DF, RTJ 135/958; RMS 21.046; RE 156.404/BA; RE 157.863/DF; RE 136.237/AC; RE 146.934/PR; RE 156.972/PA. (RE 184.635, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 26-11-1996, Segunda Turma, DJ de 4-5-2001.)

(...)

Concurso público da polícia militar. Teste de esforço físico por faixa etária: exigência desarrazoada, no caso. Ofensa aos princípios da igualdade e legalidade. O Supremo Tribunal Federal entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável, tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função. No caso, se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária. (RE 523.737-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010.) No mesmo sentido: RE 598.969-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-2012, Segunda Turma, DJE de 13-4-2012

(...)

Recurso extraordinário. Concurso público para a admissão a Curso de Formação de agente penitenciário. Admissibilidade da imposição de limite de idade para a inscrição em concurso público. - O Plenário desta Corte, ao julgar os recursos em mandado de segurança 21.033 e 21.046, firmou o entendimento de que, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, XXX, e 30, § 2º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público. - No caso, dada a natureza das atribuições do cargo, é justificada a limitação de idade, tanto a mínima quanto a máxima, não se lhe aplicando, portanto, a vedação do artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 176479 / RS, 1ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 26/11/1996, DJ 05-09-1997

(...)”

No caso em análise, não se mostra razoável imaginar que alguém somente esteja apto para o ingresso no serviço público como guarda municipal até os 30 anos de idade.

Por mais graves e exigentes sejam as funções desempenhadas por tal agente, tanto do ponto de vista emocional, físico, psicológico e intelectual, mostra-se razoável asseverar que em faixa etária superior ao limite escolhido pelo legislador municipal será possível encontrar pessoas aptas ao desempenho do cargo em comento.

A restrição excessiva, como a que operou a lei municipal em exame, mostra-se despida de razoabilidade, e por essa razão ofensiva à isonomia de tratamento daqueles que desejem disputar os aludidos cargos públicos.

Destaque-se, por relevante, que esse E. Tribunal de Justiça assim se pronunciou por ocasião de julgamento que tratava do mesmo tema:

"INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - Acórdão da 9ª Câmara de Direito Público que, em vista da alegação de inconstitucionalidade de lei complementar municipal - limitação de idade para ingresso na carreira de guarda civil municipal - afronta ao princípio constitucional da isonomia - Incidente procedente (Incidente de Inconstitucionalidade nº 0248718-30.2012.8.26.0000 - 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j 15. 05.13).

Desse modo, a fixação do limite máximo de idade para ingresso no cargo de guarda civil caracteriza violação aos arts. 111 e 115, XXVII, da Constituição Estadual, por ofensa ao princípio da razoabilidade.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na negativa de acesso ao cargo de guarda civil a pessoas maiores de 30 anos.

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da expressão "a 30 anos", contida no inciso IX do art. 9º da Lei nº 3.406, de 25 de abril de 1997, na redação dada pelo art. 1º da Lei 6.423, de 25 de março de 2015.

IV – Pedido

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão "a 30 anos", contida no inciso IX do art. 9º da Lei nº 3.406, de 25 de abril de 1997, na redação dada pelo art. 1º da Lei 6.423, de 25 de março de 2015.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Indaiatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                         Termos em que, pede deferimento.

                           São Paulo, 19 de abril de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

blo

Protocolado n. 26.705/16

Interessado: Luiz Gustavo Marques de Paula

Objeto: representação para controle de constitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal nª 6.423, de 25 de março de 2015, do Município de Indaiatuba

 

 

 

                   Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo da ação direta de inconstitucionalidade impugnando a expressão "a 30 anos", contida no inciso IX do art. 9º da Lei nº 3.406, de 25 de abril de 1997, na redação dada pelo art. 1º da Lei 6.423, de 25 de março de 2015, instruída com o protocolado em epígrafe referido.

                            Ciência ao interessado, enviando-lhe cópia.

                   São Paulo, 19 de abril de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

blo