Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 3.221/16
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão previstos em
leis complementares municipais, que não retratam atribuições de assessoramento,
chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos
de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança.
2)
Criação
de cargos de provimento em comissão sem descrição das
respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação ao princípio
da reserva legal.
3)
Constituição
Estadual: artigos 111, 115, II e V e 144.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº
734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de
São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129,
IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos cargos de
provimento em comissão de “Diretor Municipal”, de “Chefe de Gabinete”, de
“Coordenador I”, de “Coordenador II”, de “Chefe de Departamento”, de “Chefe de
Divisão”, “Assessor de Gabinete I”, de “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de
Gabinete III”, de “Assessor de Gabinete IV”, de “Assessor de Diretoria I”, de
“Assessor de Diretoria II”, de “Assessor de Diretoria III”, de “Assessor de
Diretoria IV”, de “Assessor de Diretoria V”, de “Assessor de Diretoria VI”, de
“Assessor de Diretoria VII”, de “Assessor de Diretoria VIII”, de “Assessor de
Diretoria IX”, de “Assessor de Diretoria X”, de “Assessor de Diretoria XI”, de
“Assessor de Diretoria XII”, de “Assessor de Divisão I”, de “Assessor de
Divisão II”, de “Assessor de Departamento I”, de “Assessor de Departamento II”,
de “Corregedor”, de “Ouvidor” e de “Superintendente em Saúde” previstos no art.
26 da Lei Complementar nº 62, de 06 de setembro de
2005, no Anexo I da Lei
Complementar nº 63 de 06 de setembro de 2005, nos arts. 4°, 6° e 7° da Lei
Complementar nº 78, de 30 de junho de 2006, no art. 4° da Lei Complementar nº 102 de 15 de dezembro de 2008,
e nos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 106
de 16 de julho de 2009, do Município de Cajamar, pelos fundamentos a seguir expostos:
1.
dOs Atos Normativos Impugnados
Ao
reestruturar e reorganizar a estrutura administrativa do Município de Cajamar,
a Lei Complementar nº 62, de 06 de setembro de 2005, no que interessa dispõe:
(...)
Ainda, a Lei Complementar nº 63 de 06 de setembro de 2005, do
Município de Cajamar, que “Dispõe sobre o Plano de Cargos e Tabela de
Vencimentos da Prefeitura do Município de Cajamar e dá outras providências”,
traz em seu Anexo I os cargos de provimento em comissão e em seu Anexo VI as
respectivas remunerações:
Posteriormente, editou-se a Lei Complementar nº 78, de 30 de
junho de 2006, do Município de Cajamar, que, dentre outras questões, criou
novos cargos de provimento em omissão, vejamos:
(...)
(...)
Ademais, a Lei Complementar nº 102 de 15 de dezembro de 2008,
daquele município, ao alterar os dois primeiros diplomas citados anteriormente,
cria cargos de provimento em comissão:
Por
fim, a Lei Complementar nº 106 de 16 de julho de 2009, do mesmo município, cria
por meio de seus artigos 3° e 4° cargos de provimento em comissão alterando,
com isso, os Anexos I e VI da Lei Complementar nº 63/05, vejamos:
2. DO parâmetro da
fiscalização abstrata de constitucionalidade
As leis impugnadas contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do
Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim
estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
As normas contestadas são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 –
Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura
em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de
provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão,
declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)”.
3. DA FUNDAMENTAÇÃO
a. Da criação abusiva e artificial de cargos ou empregos de provimento em
comissão
Conquanto a lei impugnada tenha descrito as atribuições dos
cargos de provimento em comissão, o fez com elevado grau de generalidade,
imprecisão e indeterminação e, ao mesmo tempo, expressou atribuições que, em
realidade, são técnicas, profissionais e ordinárias e que, portanto, não
revestem a excepcionalidade exigível no nível superior de assessoramento,
chefia e direção como funções inerentes aos respectivos cargos de provimento em
comissão.
Como bem pontificado em venerando acórdão
desse egrégio Tribunal:
“A criação de tais cargos é exceção a
esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de
execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta
fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos
casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o
servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e
profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento
de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser
assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em
concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra
prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel.
Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
Os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, deve ser preenchido por servidor público investido em cargo de provimento efetivo, recrutado após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, os dispositivos legais acima destacados.
No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o
preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e
títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no
art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição
do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e
cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de livre
nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial
relação de confiança entre o governante e o servidor, para que
adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não
fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em
precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes
com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser
encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso
(STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos
ou cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam
excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a
direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que
sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua
orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por
essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o
nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é
inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções
técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional,
fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf.
Adilson de Abreu Dallari, Regime
constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT,
1992, p. 41, g.nº).
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei
que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal
(ADI-MC 1141/GO, Rel. Minº SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ
04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou
direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve
reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível
superior de condução das diretrizes políticas do governo.
Pela análise da natureza e atribuições dos cargos
impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em
comissão.
Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas
em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a
existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A
Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso,
para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança,
afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade
governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que
reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo
escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas
aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus
titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade
às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos
os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às
diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à
autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e
exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há
razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração
cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico,
desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais
se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter
estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e
considerações de outra natureza”(Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No caso em exame, extrai-se, claramente, da leitura do art.
26 da Lei Complementar nº 62/05 que os cargos de provimento em comissão de Diretores
Municipais e de Coordenadores I e II destinam-se ao desempenho de atividades
meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado
desempenho, relação de especial confiança.
É necessário ressaltar que a posição
aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI
111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00,
j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00,
julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00,
rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
b. Da falta de descrição das atribuições dos cargos de provimento em
comissão
Não
há nos diplomas normativos impugnados descrição das
atribuições dos cargos de provimento em comissão de “Chefe de Gabinete”, de
“Chefe de Departamento”, de “Chefe de Divisão”, “Assessor de Gabinete I”, de
“Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Gabinete III”, de “Assessor de Gabinete
IV”, de “Assessor de Diretoria I”, de “Assessor de Diretoria II”, de “Assessor
de Diretoria III”, de “Assessor de Diretoria IV”, de “Assessor de Diretoria V”,
de “Assessor de Diretoria VI”, de “Assessor de Diretoria VII”, de “Assessor de
Diretoria VIII”, de “Assessor de Diretoria IX”, de “Assessor de Diretoria X”, de
“Assessor de Diretoria XI”, de “Assessor de Diretoria XII”, de “Assessor de
Divisão I”, de “Assessor de Divisão II”, de “Assessor de Departamento I”, de
“Assessor de Departamento II”, de “Corregedor”, de “Ouvidor” e de
“Superintendente em Saúde”.
Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva
legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja
aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
Neste sentido, o princípio da legalidade impõe lei em sentido
formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos).
Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o
conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura
organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração
e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o
exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto
elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade
de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal,
ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo
produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo -
descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação
de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em
lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas,
2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou
empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas
atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Somente a partir da descrição precisa das atribuições do
cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos
direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de
suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência
do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em
especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se
espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que
deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela
razoabilidade.
Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo
remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos,
sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva
legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização
administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder
Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de
habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°,
II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual
que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de
organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a
disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre
órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar
cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°,
II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual)
ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição
Federal).
Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando
de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para
mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando
constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de
assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições
nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua
criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a
exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva
na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito
aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na
organização municipal.
Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou,
conforme se verifica na seguinte ementa:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM Nº 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)
Contudo, a ausência de fixação de atribuições desses cargos caracteriza violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, pois, é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição de suas atribuições em lei.
Além da ausência de fixação de atribuições dos cargos impugnados, observa-se a existência de estruturação dos cargos de Assessor de Gabinete, de Assessor de Departamento e de Assessor de Diretoria em classes diferentes com níveis distintos de remuneração (Anexo VI da Lei Complementar nº 63/05), sem qualquer distinção de atribuição entre eles, o que fornece ideia de carreira e que não se coaduna com sua natureza de comissionada.
Neste sentido, constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto “a própria organização, em carreira, dos cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz não se mostra compatível com a índole de comissão” (STF, Rp 1.282-SP, Tribunal Pleno, Rel. Minº Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p. 2345, RTJ 116/887).
Com isso, proporciona ao administrador público uma grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do assessor na admissão (ou durante o exercício do cargo) para efeito remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e impessoalidade.
Ressalte-se, por fim, que a quantidade dos cargos de provimento em comissão existentes – por volta de 46 Assessores de Gabinete e de 290 Assessores de Diretoria - fere diretamente a proporcionalidade e a razoabilidade exigidas.
4. DOS PEDIDOS
a. Do pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário.
À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos cargos de provimento em comissão de “Diretor Municipal”, de “Chefe de Gabinete”, de “Coordenador I”, de “Coordenador II”, de “Chefe de Departamento”, de “Chefe de Divisão”, “Assessor de Gabinete I”, de “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Gabinete III”, de “Assessor de Gabinete IV”, de “Assessor de Diretoria I”, de “Assessor de Diretoria II”, de “Assessor de Diretoria III”, de “Assessor de Diretoria IV”, de “Assessor de Diretoria V”, de “Assessor de Diretoria VI”, de “Assessor de Diretoria VII”, de “Assessor de Diretoria VIII”, de “Assessor de Diretoria IX”, de “Assessor de Diretoria X”, de “Assessor de Diretoria XI”, de “Assessor de Diretoria XII”, de “Assessor de Divisão I”, de “Assessor de Divisão II”, de “Assessor de Departamento I”, de “Assessor de Departamento II”, de “Corregedor”, de “Ouvidor” e de “Superintendente em Saúde” previstos no art. 26 da Lei Complementar nº 62, de 06 de setembro de 2005, no Anexo I da Lei Complementar nº 63 de 06 de setembro de 2005, nos arts. 4°, 6° e 7° da Lei Complementar nº 78, de 30 de junho de 2006, no art. 4° da Lei Complementar nº 102 de 15 de dezembro de 2008, e nos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 106 de 16 de julho de 2009, do Município de Cajamar.
b. Do pedido principal
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão de “Diretor Municipal”, de “Chefe de
Gabinete”, de “Coordenador I”, de “Coordenador II”, de “Chefe de Departamento”,
de “Chefe de Divisão”, “Assessor de Gabinete I”, de “Assessor de Gabinete II”,
“Assessor de Gabinete III”, de “Assessor de Gabinete IV”, de “Assessor de
Diretoria I”, de “Assessor de Diretoria II”, de “Assessor de Diretoria III”, de
“Assessor de Diretoria IV”, de “Assessor de Diretoria V”, de “Assessor de
Diretoria VI”, de “Assessor de Diretoria VII”, de “Assessor de Diretoria VIII”,
de “Assessor de Diretoria IX”, de “Assessor de Diretoria X”, de “Assessor de
Diretoria XI”, de “Assessor de Diretoria XII”, de “Assessor de Divisão I”, de
“Assessor de Divisão II”, de “Assessor de Departamento I”, de “Assessor de
Departamento II”, de “Corregedor”, de “Ouvidor” e de “Superintendente em Saúde”
previstos no art. 26 da Lei Complementar nº 62, de 06
de setembro de 2005, no Anexo I da Lei Complementar nº 63 de 06 de setembro de 2005, nos arts.
4°, 6° e 7° da Lei Complementar nº 78, de 30 de junho de 2006, no art. 4° da Lei Complementar nº 102 de 15 de dezembro de 2008,
e nos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 106
de 16 de julho de 2009, do Município de Cajamar.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara
Municipal e ao Prefeito Municipal de Cajamar, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 09
de maio de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/acssp
Protocolado nº 3.221/16
Objeto: cargos de provimento em comissão previstos nas leis complementares do Município de Cajamar.
1.
Distribua-se
a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos cargos de
provimento em comissão de “Diretor Municipal”, de “Chefe de Gabinete”, de
“Coordenador I”, de “Coordenador II”, de “Chefe de Departamento”, de “Chefe de
Divisão”, “Assessor de Gabinete I”, de “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de
Gabinete III”, de “Assessor de Gabinete IV”, de “Assessor de Diretoria I”, de
“Assessor de Diretoria II”, de “Assessor de Diretoria III”, de “Assessor de
Diretoria IV”, de “Assessor de Diretoria V”, de “Assessor de Diretoria VI”, de
“Assessor de Diretoria VII”, de “Assessor de Diretoria VIII”, de “Assessor de
Diretoria IX”, de “Assessor de Diretoria X”, de “Assessor de Diretoria XI”, de
“Assessor de Diretoria XII”, de “Assessor de Divisão I”, de “Assessor de
Divisão II”, de “Assessor de Departamento I”, de “Assessor de Departamento II”,
de “Corregedor”, de “Ouvidor” e de “Superintendente em Saúde” previstos no art.
26 da Lei Complementar nº 62, de 06 de
setembro de 2005, no Anexo I da Lei Complementar nº 63 de 06 de setembro
de 2005, nos arts. 4°, 6° e 7° da Lei Complementar nº 78, de 30 de junho de
2006, no art. 4° da Lei Complementar nº 102 de
15 de dezembro de 2008, e nos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 106 de 16 de julho de 2009, do Município de Cajamar,
junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 09 de maio
de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/acssp