EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 41.311/2016

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.293, de 20 de outubro de 2005, do Município de Cordeirópolis, de iniciativa parlamentar, que “Institui o ‘Projeto Férias’ a ser desenvolvido no período de recesso escolar e férias nas escolas municipais”.

2)     A instituição de programas e serviços administrativos, por órgãos do Poder Executivo, é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional lei de iniciativa parlamentar, maculada ainda pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da Constituição Estadual).

3)     Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2, 2, 47, II, XIV, XIX e 144 da Constituição do Estado).

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 41.311/2016), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 2.293, de 20 de outubro de 2005, do Município de Cordeirópolis, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Dr. Pérsio Ricardo Perrella Scarabel, DD Promotor de Justiça do Município de Cordeirópolis (fls. 02/05).

A Lei nº 2.293, de 20 de outubro de 2005, do Município de Cordeirópolis, de iniciativa parlamentar, que “Institui o ‘Projeto Férias’ a ser desenvolvido no período de recesso escolar e férias nas escolas municipais”, possui seguinte redação:

“(...)

Art. 1º - Fica instituído o "Projeto Férias", a ser desenvolvido durante o período de recesso escolar e férias, nas escolas municipais.

Art. 2º - O Projeto Férias terá os seguintes objetivos:

I - desenvolver ações de cidadania dirigidas a crianças e adolescentes;

II - aumentar o vínculo estabelecido entre a comunidade e a escola;

III - reduzir os riscos de danos psicossociais a que as crianças e adolescentes ficam expostos durante as férias escolares;

IV - reduzir os níveis de violência observados durante as férias escolares;

V - desenvolver programas de caráter sociocultural, esportivo e de educação em saúde;

VI - incrementar o processo de descentralização e intersetorialidade administrativas.

Art. 3º - Poderão se inscrever no Projeto Férias as crianças e adolescentes da comunidade da escola.

Art. 4º - As inscrições das crianças e adolescentes interessadas em participar do Projeto Férias serão feitas nas escolas, dois meses letivos ao período de férias e ao recesso escolar. 

Art. 5º - As atividades do Projeto Férias deverão ser planejadas e desenvolvidas de forma descentralizada, respeitando as diversas realidades socioculturais.

Art. 6º - O Poder Executivo definirá os períodos em que o Projeto Férias será desenvolvido nos meses de recesso escolar e férias.

Art. 7º - O Projeto Férias deverá ser amplamente divulgado, através da mídia, e junto às comunidades das escolas participantes.

Art. 8º - Para implementar o Programa instituído por esta lei, o Poder Executivo buscará a ação integrada de todos os departamentos  municipais, cujas competências estejam afetas aos objetivos do Programa, bem como garantirá a participação de representações estudantis e dos Conselhos Municipais de Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente na definição das atividades do Programa.

Art. 9º - As despesas decorrentes da presente lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias.

Art. 10 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11 - Revogam-se as disposições em contrário. A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

O ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, e art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

Isso porque, cabe exclusivamente ao Poder Executivo a criação ou instituição de programas, campanhas e serviços administrativos, nas diversas áreas de gestão, envolvendo os órgãos da Administração Pública Municipal e a própria população.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei instituindo o ‘Projeto Férias’ a ser desenvolvido no período de recesso escolar e férias nas escolas municipais”, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

A criação de programas municipais, campanhas e serviços administrativos, são atividades nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da criação do ‘Projeto Férias’, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da criação de programas, campanhas e serviços administrativos, em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II e XIV e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente à função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe à função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Assim, a Lei, ao criar programa municipal, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes. Neste sentido:

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei do Município de Americana nº 4.972/2010, a qual cria o Programa de Internet Banda Larga Gratuita no Município Inadmissibilidade Tema relativo a atos de gestão Ingerência do Legislativo em matéria de competência privativa do Executivo Vedação Arts. 37, X, e 169, § 1º, I e II, da CF/88 e arts. 5º, § 2º, 47, II, XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista. Ação julgada procedente. Deve ser julgada procedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria de competência privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa e por afrontar o princípio da separação e harmonia entre os Poderes.”     (Adin nº 0180003-33.2012.8.26.0000, Rel. Des. Luis Ganzerla, j. 05.12.2012)

De outro lado, e não menos importante, vale ressaltar que a lei local contestada colide frontalmente com o art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

A norma combatida ao estabelecer providência administrativa de incumbência do Poder Executivo não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a rubricas orçamentárias próprias.

3.     PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.293, de 20 de outubro de 2005, do Município de Cordeirópolis.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Cordeirópolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 25 de maio de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

          Procurador-Geral de Justiça

aca/sh


 

Protocolado nº 41.311/2016

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.293, de 20 de outubro de 2005, do Município de Cordeirópolis que “Institui o ‘Projeto Férias’ a ser desenvolvido no período de recesso escolar e férias nas escolas municipais”.

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 25 de maio de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/sh