Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 24.746/2016
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 146, de 21 de novembro de 2011, do Município de são Sebastião. Resolução nº 07, de 19 de outubro de 2011, da Câmara Municipal de são Sebastião. Fixação de cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores puramente comissionados, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual mínimo para preenchimento de cargos em comissão por servidores de carreira no Município de São Sebastião, no caso 10% (dez por cento) para a estrutura administrativa do Poder Executivo (art. 18, da LC nº 146/11), e 5% (cinco por cento) para a Câmara Municipal (art. 21, § 2º, da Resolução nº 07/11), vez que, ao estabelecer em lei percentuais desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do art. 18 da
Lei Complementar nº 146, de 21 de novembro de 2011, do Município de São
Sebastião, e do art. 21, § 2º, da Resolução nº 07, de 19 de outubro de 2011, da
Câmara Municipal de São Sebastião, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei Complementar nº 146, de 21 de
novembro de 2011, do Município de São Sebastião, em seu art. 18, estabeleceu percentuais
referentes aos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por
servidores puramente comissionados na estrutura administrativa do Poder
Executivo, da seguinte forma:
“(...)
Art. 18 – Os cargos em comissão deverão ser ocupados por servidores de carreira, no percentual mínimo de 10% (dez por cento) das vagas que forem preenchidas do quadro de comissionados, e por servidores não integrantes do quadro permanente municipal.
(...)” (grifo nosso)
Por sua vez, a Resolução nº 07, de 19 de outubro de 2011, da Câmara
Municipal de São Sebastião, em seu art. 21, § 2º, estabeleceu percentuais
referentes aos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por
servidores puramente comissionados no âmbito do Poder Legislativo, senão
vejamos:
“(...)
Art. 21 – (...)
(...)
§ 2º - Fica estabelecido um percentual mínimo de 5% (cinco por cento) dos cargos em provimento em comissão constante do Anexo III que serão destinados aos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo da Câmara Municipal de São Sebastião, desde que preencham os requisitos específicos de nomeação, respeitando-se o disposto no parágrafo anterior.
(...)” (grifo nosso)
A partir de uma leitura rasa dos diplomas transcritos, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, o art. 18
da Lei Complementar nº 146/11, do Município de São Sebastião, e o art. 21, §
2º, da Resolução nº 07/11, da Câmara Municipal de São Sebastião, ao prever elevado
percentual de cargos de provimento em comissão a serem ocupados por servidores
puramente comissionados e, em contrapartida, parcela diminuta para os
servidores de carreira, o Município torna a exigência plasmada no art. 115, V,
mera ficção jurídica por evidente esvaziamento de sua ratio normativa, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111
e 115, V, da Constituição Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os percentuais estabelecidos no art. 18 da Lei Complementar
nº 146/11, do Município de São Sebastião, e no art. 21, § 2º, da Resolução nº
07/11, da Câmara Municipal de São Sebastião, contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos contestados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo
111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório
o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo
144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A legislação examinada estabelece percentual mínimo para preenchimento de cargos
em comissão por servidores de carreira no Município de São Sebastião, no caso 10%
(dez por cento) para a estrutura administrativa do Poder Executivo (art. 18, da
LC nº 146/11), e 5% (cinco por cento) para a Câmara Municipal (art. 21, § 2º,
da Resolução nº 07/11).
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme acima mencionado,
tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente esvaziamento
de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da
Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à
moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão
quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento) ao
percentual reclamado pelo Constituinte quando da edição do art. 115, V,
na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por
omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para
tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da
mora, 50% dos cargos em questão
deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com
determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR
OMISSÃO. Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo
dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de
carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme
preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade
latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de
180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar
que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam
preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº
2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 10.06.15
v.u – g.n.).
Ante o exposto, os percentuais
estabelecidos na lei objurgada não se conciliam com os arts. 111 e 115, V, da Constituição
Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal
de Justiça.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do
exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção
dos dispositivos impugnados favorecerá ao descumprimento do mandamento
constitucional.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, do art. 18 da Lei Complementar nº 146, de 21 de novembro de
2011, do Município de São Sebastião, e do art. 21, § 2º, da Resolução nº 07, de
19 de outubro de 2011, da Câmara Municipal de São Sebastião, responsáveis por
fixar os percentuais para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta do município.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da
presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do
art. 18 da Lei Complementar nº 146, de 21 de novembro de 2011, do Município de
São Sebastião, e do art. 21, § 2º, da Resolução nº 07, de 19 de outubro de
2011, da Câmara Municipal de São Sebastião, responsáveis por fixar os
percentuais para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta do município.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da
Câmara Municipal de São Sebastião, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 22 de junho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/dcm
Protocolado nº
24.746/16
Assunto: Solicita
que seja proposta ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no
Município de Taubaté
1.
Promova-se
a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o
protocolado em epígrafe mencionado, em face do art. 18 da Lei Complementar nº
146, de 21 de novembro de 2011, do Município de São Sebastião, e do art. 21, §
2º, da Resolução nº 07, de 19 de outubro de 2011, da Câmara Municipal de São
Sebastião, responsáveis por fixar os percentuais para preenchimento de cargos
em comissão na estrutura administrativa direta do município.
2. Ciência ao interessado, remetendo-lhe
cópia da petição inicial e deste despacho.
São Paulo, 22 de junho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/dcm