EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

Protocolado n. 23.485/2016

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade caráter eventual, temporário e emergencial de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. CE/89. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. 2. Lei local que genericamente “dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade de caráter eventual, temporário e emergencial de excepcional interesse público, no âmbito do Poder Executivo” é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, compatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º da Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                A Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira, “Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade de caráter eventual, temporário e emergencial de excepcional interesse público, no âmbito do Poder Executivo”, da seguinte maneira, no que interessa:

                                     (...)

Art. 2º A contratação de que trata esta lei será realizada para necessidade eventual, temporária e emergencial de excepcional interesse público no atendimento as seguintes situações:
(...)

II - Execução de convênio, acordo ou ajuste para a realização de obras ou serviços;
III - Assistência a emergências de saúde pública;

IV - Contratação de profissionais-médicos em situações emergenciais e excepcionais, específicas em Hospital público;

V - Promoção de cursos de especialização, aperfeiçoamento ou reciclagem;

VI - Substituição de servidores em decorrência de licenças, afastamentos e impedimentos temporários ou eventuais, superiores a 30 (trinta) dias;

VII - Substituição de servidores em decorrência de vacância do cargo, por Exoneração, demissão aposentadoria, falecimento e posse em outro cargo inacumulável, nos casos em que o concurso público esteja vencido ou inexista candidatos para o chamamento e até que se realize concurso público para o preenchimento da vaga, limitado ao prazo máximo estabelecido nesta lei;

(...)

IX - Funções técnicas-especializadas, imprescindíveis ao exercício de competências institucionais do Poder Executivo, limitado ao prazo máximo estabelecido nesta lei;

X - Para suprir necessidade de funções, na realização de outros serviços públicos de natureza permanente ou essencial de forma contínua e ininterrupta ao interesse público ou os de caráter eventual, temporário emergencial, limitado ao prazo máximo estabelecido nesta lei.

Art. 4º Os contratos administrativos de que trata esta lei terão prazo fixado de duração, o qual poderá ser de até 06 (seis) meses, exceto para os cargos de Monitor Escolar e PEB I (Professor de Educação Básica I), os quais poderão ser de até 12 (doze) meses.

Parágrafo Único - Admitir-se-á prorrogação do contrato por igual período uma única vez, desde que sua duração total não ultrapasse o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, mediante ato justificado e motivado e termo de aditamento de prorrogação do instrumento contratual. (Redação dada pela Lei nº 2060/2014).

 (...)”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

2.                A lei municipal impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

3.                Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

4.                O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

5.                Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.

6.                A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

7.                Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

8.                A lei municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

9.                Com efeito, inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

10.              A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

11.              A lei local impugnada genericamente é instituída para disciplinar as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional.

12.              Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

13.              A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

14.              Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

15.              Com efeito, as situações ventiladas nos incisos II a V, e IX do art. 2º não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados dispositivos da lei local – através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado. A título de exemplo, a hipótese contida no inciso V, “promoção de cursos de especialização, aperfeiçoamento ou reciclagem”, confirma claramente a inconstitucionalidade da lei objeto de impugnação.

16.              Ainda, a existência de cargo vago, conforme dispõem os incisos VI e VII do art. 2º, não justifica a contratação temporária, pois a existência de vaga não pode ser suprida senão por concurso público para provimento efetivo. A extrema amplitude dessa expressão é incompatível com a contratação temporária, e tem a potencialidade de procrastinação do provimento definitivo de cargo vago. Não é o fato de haver cargo vago na estrutura administrativa que é possível recorrer à contratação temporária. Havendo vaga, o poder público deve tomar imediatamente as providências necessárias para seu suprimento, legitimando-se a partir daí o recurso à contratação temporária desde que haja imprescindibilidade na continuidade do serviço e insuficiência dos meios ordinários para enfrentá-la.    

17.              Não bastasse, ao permitir a contratação por tempo determinado, no inciso X, para “para suprir necessidade de funções, na realização de outros serviços públicos de natureza permanente ou essencial de forma contínua e ininterrupta ao interesse público ou os de caráter eventual, temporário emergencial, limitado ao prazo máximo estabelecido na lei”, a lei impugnada proporciona novamente a admissão de pessoal ao serviço público remunerado que não denota efetiva necessidade temporária de excepcional interesse público. Transitório ou esporádico é o eventual e não significa obrigatoriamente extraordinário ou excepcional, o que desalinha do art. 115, X, da Constituição Estadual.

18.              No que tange ao parágrafo único do artigo 4º da lei impugnada, ao autorizar “a prorrogação do contrato por igual período uma única vez, desde que sua duração total não ultrapasse o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, mediante ato justificado e motivado e termo de aditamento de prorrogação do instrumento contratual”, possibilita que a Administração Pública prorrogue os contratos temporários de forma discricionária e ilimitada, de modo que afasta o requisito da transitoriedade das contratações, gerando maior comprometimento das despesas públicas. A regra é o sistema do concurso público, cuja exceção é a contratação temporária necessária a excepcional interesse público. O mencionado dispositivo viola o sistema de mérito, sendo, pois, incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

 19.             Portanto, os incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º, da lei impugnada são incompatíveis com os arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

III – Pedido liminar

20.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências, lesivas ao erário.

21.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º, ambos da Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira.

IV – Pedido

22.              Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º, ambos da Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira.

23.              Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Jandira, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

         São Paulo, 29 de junho de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efrco/crms

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 23.485/2016

Interessado:  Promotoria de Justiça de Jandira

Assunto: Inconstitucionalidade dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º, ambos da Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 2º, e do parágrafo único do art. 4º, ambos da Lei n. 1.896, de 04 de maio de 2011, do Município de Jandira, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 29 de junho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

          Procurador-Geral de Justiça

efrco/crms