EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado n. 26.561/2016

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município Estância Balneária de Ilhabela. Bônus por Assiduidade. Violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público. Servidor Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Instituição desvinculada do atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. A concessão de bonificação aos servidores públicos do Município de Ilhabela, de forma genérica, mediante o cumprimento de deveres inerentes à função, não se compatibiliza com os princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público (art. 111, CE/89). Trata-se, ainda, de vantagem pecuniária que não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço (art. 128, CE/89), tendo em vista que a assiduidade constitui dever funcional elementar que não demanda recompensa, além da contraprestação pecuniária pelo vencimento (referência).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 26.561/16), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneária de Ilhabela, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I.               DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei nº 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneária de Ilhabela, possui a seguinte redação:

Art. 1°. Fica instituído o Bônus Assiduidade aos servidores públicos efetivos do Município de Ilhabela.

Art. 2°. O Bônus Assiduidade constitui vantagem pecuniária a ser concedida uma única vez no ano, no mês de maio, ao servidor público municipal efetivo que, no período de 01 de maio a 30 de abril, tiver comprovada 100% (cem por cento) de frequência no exercício de suas atribuições.

Parágrafo único. O Bônus de Assiduidade será pago na integralidade ao servidor público municipal efetivo com no mínimo 01 (um) ano completo no Quadro Permanente de Servidores Públicos Municipais.

Art. 3°. O Bônus Assiduidade corresponderá ao valor de referência do cargo público, excluídas quaisquer vantagens, salvo as decorrentes de incorporação.

Art. 4°. Para efeitos do disposto no artigo 2° desta Lei computar-se-á como ausência a falta ao trabalho, ainda que justificada ou decorrente de licença ou concessão de qualquer natureza, exceto as ausência em virtude de:

I-                   Férias;

II-                 Júri e outros serviços obrigatórios por lei;

III-               Convocação da Justiça Eleitoral durante período eletivo;

IV-              Casamento;

V-                Falecimento do cônjuge, ascendentes, descendentes, madastra ou padastro;

VI-              Licença prêmio por assiduidade;

VII-            Participação em programas de treinamento regularmente instituídos.

Art. 5°. Não se concederá o Bônus Assiduidade ao servidor que, no período aquisitivo, sofrer penalidade disciplinar em qualquer de suas modalidade;

Art. 6°. A importância paga a título de Bônus Assiduidade não se incorpora aos vencimentos ou salários para nenhum efeito e não será considerada para cálculo de qualquer vantagem pecuniária.

Parágrafo único. O Bônus Assiduidade acrescido da remuneração do servidor público, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, deve respeitar o teto remuneratório estabelecido no artigo 37, XI, da Constituição Federal, aplicando-se como limite no âmbito municipal o subsídio do Chefe do Executivo Municipal.

Art. 7°. As despesas decorrentes da presente Lei serão suportadas pelas dotações próprias do orçamento vigente, suplementada se necessário.

Art. 8°. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, com efeitos a partir de 01 de maio de 2015.

(...)”.

II.     O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Os dispositivos legais impugnados do Município de Estância Balneária de Ilhabela contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

        Referido ato normativo municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, de observância obrigatória pelos Municípios por força de seu art. 144, verbis:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Como é cediço, a instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

         O bônus ora impugnado concedido aos servidores de Ilhabela não atende a nenhum interesse público e, tampouco, às exigências do serviço, porquanto os requisitos para o seu recebimento representam meros deveres funcionais inerentes ao exercício de qualquer função pública (arts. 2° e 5°, da Lei).

Retrata simplesmente dispêndio público sem causa, o que desperta preocupação, como observa Wellington Pacheco Barros, verbis:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

         Vale lembrar, ainda, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público:

“Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, 34ª ed., p. 495).

         Não se deve olvidar, ademais, clássica admoestação no sentido de que, verbis:

“a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 111).

         Não se vislumbra interesse público, nem atendimento às exigências do serviço a título de remuneração ou indenização, a outorga de vantagem pecuniária que não tem qualquer causa jurídica hígida, significando autêntica liberalidade com o dinheiro público.

O art. 128, da Constituição Estadual, norma que descende diretamente dos princípios de seu art. 111, condiciona a concessão de vantagens aos servidores aos motivos nele indicados (interesse público e exigências do serviço).

         Não há, na vantagem outorgada pela lei impugnada, qualquer causa razoável a justificar sua instituição, implantando tratamento desigualitário em detrimento dos trabalhadores em geral.

         Este Colendo Órgão Especial, em oportunidades anteriores, já declarou a inconstitucionalidade de normas similares, verbis:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia, instituindo, a primeira, a incorporação de quinquênios aos vencimentos dos servidores ‘para todos os efeitos’, gerando o efeito conhecido como ‘repique’ ou ‘cascata’, tendo a segunda mencionada lei criado o 14º salário a ser pago no mês do aniversário do servidor.

1. O efeito gerado pela LC 08/92 no cálculo do adicional viola proibição constitucional de acumulação de acréscimos ulteriores, os quais devem incidir sem considerar aquela incorporação. Precedentes do STF.

2. Do mesmo modo, ‘quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna’, tal como na concessão injustificada de 14º salário, há afronta aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público.

3. Ofensa aos artigos 111, 115, XVI, e 128, da Constituição Bandeirante.

4. Julgaram procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade do artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia” (ADI 2213310-70.2014.8.26.0000, Rel. Des. Vanderci Álvares, v.u., 04-02-2015).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n.° 2, de 24 de novembro de 2011, do Município de Pirapozinho. Norma que cria o 14° (décimo quarto) salário aos servidores municipais. Alegação de ofensa ao princípio da economicidade, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Regime Geral de Previdência Social. Ato normativo municipal que não pode ter como parâmetro imediato de controle de constitucionalidade a norma infraconstitucional, nem a Constituição da República. Ação que é conhecida apenas na parte que combate ofensa à Constituição Estadual. Mérito. Município que enfrenta graves problemas financeiros e orçamentários e que não tem condições de agraciar seus próprios servidores com benefício ímpar, sem qualquer correspondência no funcionalismo público ou mesmo na esfera privada. Endividamento bastante considerável, com veículos avariados, ausência de coleta regular de lixo, falta de estoque de medicamentos e vias urbanas sem pavimentação adequada. Provas abundantes a demonstrar a situação calamitosa do ente Municipal. Violação aos princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Ação julgada procedente” (ADI 0086144- 26.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, v.u., 23-10-2013).

         Ademais, a lei municipal, além de vulnerar os princípios de moralidade, interesse público e finalidade, também ofende o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e que, como aqueles, têm assento no art. 111, da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144, da mesma Carta.

         Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

         A bonificação ora impugnada não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

                   Não é ocioso obtemperar que a razoabilidade é critério de aferição da constitucionalidade de leis e atos normativos, conforme entendimento jurisprudencial:

“(...) TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...)” (STF, ADI-MC 2.667-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, v.u., DJ 12-03-2004, p. 36).

 

“(...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law. (...)” (RTJ 178/22).

         Nem se alegue que a bonificação em comento visa à premiação da assiduidade dos servidores, porquanto esta é dever inerente ao exercício da função pública, cujo descumprimento deve ensejar, inclusive, a instauração de processo administrativo disciplinar pelo órgão competente, nos termos do estatuto funcional respectivo.

         Com efeito, vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

         Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais (ex facto offici), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam), como se extrai da literatura especializada. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).

         Se tradicional lição assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

         Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias.

Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85).

         Ademais, oportuno advertir que, verbis:

“as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).

         Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo), que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, compreendendo as seguintes espécies:

“de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

         As gratificações são precárias e contingentemente instituídas, para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais).

A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

         É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento”. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

         Ora, a assiduidade, adotada como parâmetro para a concessão do bônus ora impugnado, é dever funcional geral, elementar ao exercício de qualquer função pública, não podendo, assim, ser considerada como critério para concessão da vantagem em comento. Ao se consignar ao servidor público municipal prêmio pecuniário pela assiduidade se está remunerando duplamente por cumprir nada mais do que seu dever.

         Se não há razão peculiar para além do assíduo exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de bônus, gratificação ou de qualquer outro nomen iuris que se lhe atribua. Na prática, tal corresponde à fixação de benefício sem indicação de fundamento lógico e racional, o que contraria o art. 128 da Constituição do Estado e os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

         Neste sentido, este colendo Órgão Especial julgou inconstitucional lei que instituiu adicional de assiduidade:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Adicional de assiduidade. Município de Chavantes. Artigos 43, 44 e 45 da Lei Complementar 127/2012 (Dispõe sobre o Plano de Cargos, Vencimentos e Evolução Funcional dos Profissionais do Magistério Público e dá outras providências). Inconstitucionalidade. Ausência de critério, pois não se foi além da assiduidade, dever e obrigação do servidor. Dispositivos que em nada asseguram valorização dos profissionais do magistério. Ação procedente” (ADI 2140689-75.2014.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, v.u., 28-01-2015).

         A criação de gratificação, valendo-se de deveres intrínsecos ao desempenho de função pública, expõe a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário. Trata-se, na realidade, de indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, alheio aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

A necessidade de verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela parcimônia, sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos. No entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

         No caso em tela, não há qualquer motivo juridicamente válido para justificativa da vantagem pecuniária instituída, pois, como dito, a assiduidade não pode se converter em parâmetro para o acréscimo.

         Nem se alegue que a vantagem em foco é válida se cotejada com o instituto comum e tradicional às normas estatutárias da licença prêmio, simplesmente porque esta não substancia prêmio pecuniário à assiduidade, mas, benefício que confere o licenciamento do servidor durante certo período e cujo indeferimento de gozo pela necessidade do serviço gera direito à indenização com base na responsabilidade civil do Estado por ato lícito, assim como o de férias.

         Tampouco possível associar-se a vantagem em cena ao § 7º, do art. 39, da Constituição Federal, verbis:

“Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade”.

         A vantagem ventilada no preceito constitucional está atrelada aos “recursos orçamentários provenientes da economia com despesas corrente” e contempla bônus por critérios como qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, excluindo dessa relação a assiduidade, tida na lei municipal em foco como mero recurso do taylorismo que não se afina à deontologia estrutural do serviço público.

         Posto isso, é inconstitucional a Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneária de Ilhabela.

III - PEDIDO LIMINAR

         À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo ao erário.

         À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneária de Ilhabela.

IV - PEDIDO

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneária de Ilhabela.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Ilhabela, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 30 de junho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 26.561/2016

Interessado: Promotoria do Patrimônio Público

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n° 1.082, de 30 de abril de 2015, do Município de Estância Balneário Ilhabela, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 30 de junho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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