Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 30.370/2016

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, que “fixa percentual para preenchimento dos cargos em comissão para fins do disposto no art.115, V, da Constituição Estadual”. Art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela. Fixação do percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, nos termos do art. 115, V, da Constituição Estadual. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual para preenchimento de cargos em comissão por servidores de carreira, na estrutura administrativa da Prefeitura e da Câmara Municipal de Pedra Bela de, respectivamente, 15% e 10%, vez que, ao estabelecer percentuais desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte de limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n° 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, que “fixa percentual para preenchimento dos cargos em comissão para fins do disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual” e do art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela, que “dispõe sobre a reforma administrativa da Câmara Municipal de Pedra Bela, nos aspectos referentes à estrutura organizacional de pessoal”, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

         A Lei Complementar n° 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, prevê o percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira na estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Pedra Bela, nos seguintes termos (fls. 30):

“Artigo 1º - Os empregos públicos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal de Pedra Bela, deverão, obrigatoriamente, ser preenchidos com no mínimo 15% (quinze por cento) de servidores municipais do quadro permanente para fins do disposto no artigo 115, V, da Constituição Federal.

Artigo 2°- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

(...)”.

         Por seu turno, a Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela, prevê o percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Pedra Bela, nos seguintes termos (fls. 38):

“(...)

Art. 30 – Para fins de regulamentação das disposições contidas no inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, deverá ser observado no âmbito da Câmara Municipal de Pedra Bela o seguinte:

(...)

II- os empregos em comissão constantes do quadro de pessoal da edilidade observarão o seguinte:

(...)

b- serão preenchidos em percentual mínimo de 10% por servidores de carreira.

(...)” – grifo nosso.

A partir de uma leitura rasa dos dispositivos legais impugnados, ainda que a contrario sensu, o intérprete tem a impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a serem ocupados por servidores efetivos.

Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, ao preverem percentual diminuto de cargos de provimento em comissão a serem ocupados por servidores de carreira (15 % na estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Pedra Bela e 10% na estrutura administrativa da Câmara Municipal), os dispositivos legais impugnados tornam a exigência plasmada no art. 115, V, da Carta Paulista mera ficção jurídica, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição Estadual.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os percentuais estabelecidos na Lei Complementar nº 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, e do art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

Os dispositivos normativos contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; 

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         O art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal, determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

         O inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art. 37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira, com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.

É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.

O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.

Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.

Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.

A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.

De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.

Pois bem.

A legislação examinada previu os percentuais de 10 e 15% para preenchimentos dos cargos públicos em comissão por servidores de carreira, respectivamente, nas estruturas administrativas da Câmara e da Prefeitura Municipal de Pedra Bela.

Dessa forma, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se visualiza no ente em comento atos normativos tendentes a dar cumprimento ao comando constitucional apontado.

Contudo, a partir de uma interpretação acurada da ratio essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se errônea, pois ao preverem percentuais assaz diminutos de postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme acima mencionado, tornaram mera ficção o dispositivo indicado, por representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.

Nesse sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 10.06.15 v.u – g.n.).

         Ante o exposto, os percentuais estabelecidos nos atos normativos objurgados não se conciliam com os arts. 111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal de Justiça.

III – PEDIDO LIMINAR  

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos atos normativos apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção dos dispositivos impugnados favorecerá o descumprimento do mandamento constitucional.

         À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n° 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, que “fixa percentual para preenchimento dos cargos em comissão para fins do disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual” e do art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela, que “dispõe sobre a reforma administrativa da Câmara Municipal de Pedra Bela, nos aspectos referentes à estrutura organizacional de pessoal”.

IV – Pedido

Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, que “fixa percentual para preenchimento dos cargos em comissão para fins do disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual” e do art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela, que “dispõe sobre a reforma administrativa da Câmara Municipal de Pedra Bela, nos aspectos referentes à estrutura organizacional de pessoal”.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Pedra Bela, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                            Termos em que, pede deferimento.

 

                            São Paulo, 21 de junho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ms/ts


 

Protocolado 30.370/2016

Interessado: Promotoria de Justiça de Pedra Bela

 

 

 

 

1.    Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face da Lei Complementar n° 105, de 25 de novembro de 2015, do Município de Pedra Bela, e do art. 30, II, ‘b’, da Resolução n° 02, de 02 de setembro de 2015, da Câmara Municipal de Pedra Bela;

2.    Ciência ao interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial e deste despacho.

 

 

                            São Paulo, 21 de junho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ms