Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 30.364/2016

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga (inciso V do art. 4º, arts. 29, 30, 31, 35 e anexo XIII). Lei Orgânica do Município de Bertioga (art. 79). Criação abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão. Advocacia Pública. Procurador-Geral do Município. Membro estranho à carreira. Dotação de competências próprias da Advocacia Pública à Secretaria de Administração. 1. A chefia da Advocacia Pública Municipal admite o provimento comissionado, restrito aos integrantes da carreira, titulares do cargo de provimento efetivo de Procurador Jurídico do Município, não se permitindo a investidura de pessoa estranha à carreira ocupante exclusivamente do cargo do Procurador-Geral do Município. 2. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão para atribuições inerentes à advocacia pública, cujo provimento deve ser efetivo mediante aprovação em concurso público. 3. Criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão e funções de confiança que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Descrição genérica, imprecisa e indeterminada de atribuições. 4. O cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou ao agente político que o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira. 5. Incompatibilidade com os artigos 98 a 100, 111, 115, II e V, CE/89.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso V do art. 4º, dos arts. 29, 30, 31, 35 e do Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores) da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga; e do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda n. 13/1998, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS Dispositivos Normativos Impugnados

                   A Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, que “Reorganiza a Estrutura Administrativa da Prefeitura do Município de Bertioga, descreve as atribuições das unidades administrativas de primeiro nível e dá outras providências correlatas”, estabelece no que interessa:

Seção IV - Do Chefe de Seção

Art. 29. Ao Chefe de Seção, além das atribuições legais e regulamentares previstas na legislação vigente, compete:

I - supervisionar, controlar, coordenar e orientar a execução dos projetos e das atividades afetos à seção e responder pelos encargos atribuídos;

II - orientar a execução das atividades da seção de acordo com os padrões de qualidade, produtividade e custos ditados pelas normas, princípios e critérios estabelecidos;

III - acelerar a eficiência e reduzir os custos operacionais dos projetos e atividades sob sua responsabilidade;

IV - providenciar e distribuir os recursos humanos, materiais e orçamentários necessários à execução das atividades, bem como controlar sua utilização;

V - coordenar e controlar o cumprimento às normas, rotinas e instruções emitidas e aprovadas pelas autoridades competentes;

VI - prestar contas, a qualquer tempo, das atividades em execução ou executadas pela seção;

VII - emitir pareceres nos processos que lhe tenham sido distribuídos por autoridade superior e nos processos cujos assuntos se relacionem com as atribuições de sua seção;

VIII - comunicar ao superior imediato quaisquer deficiências ou ocorrências relativas aos serviços sob sua responsabilidade, bem como propor alternativas para solucioná-las;

IX - promover reuniões de coordenação entre seus subordinados, a fim de dirimir dúvidas, ouvir sugestões e discutir assuntos de interesse da seção;

X - orientar, coordenar, controlar e supervisionar o cumprimento das normas, princípios e critérios estabelecidos;

XI - supervisionar, controlar e orientar as atividades em seus órgãos subordinados objetivando manter em bom estado de conservação os prédios, equipamentos e as instalações sob sua responsabilidade e encaminhar solicitações dos reparos necessários;

XII - controlar a frequência, pontualidade, serviços extras e os gastos de pessoal diretamente subordinados, comunicando periodicamente as faltas, atrasos e demais atividades relativas à administração de pessoal;

XIII - submeter à aprovação do superior imediato a escala de seus subordinados;

XIV - promover a movimentação de pessoal nas unidades que lhe são subordinadas, de acordo com as normas e critérios estabelecidos;

XV - aplicar e fazer aplicar os instrumentos de avaliação de pessoal;

XIX - desempenhar outras atribuições que lhe forem determinadas;

Seção IV Do Chefe de Setor

Art. 30. O Chefe de Setor, além das atribuições legais e regulamentares previstas na legislação vigente, compete:

I - supervisionar, controlar, coordenar e orientar a execução dos projetos e das atividades afetos ao setor e responder pelos -encargos atribuídos;

II - orientar a execução das atividades do setor de acordo com os padrões de qualidade, produtividade e custos ditados pelas normas, princípios e critérios estabelecidos;

III - acelerar a eficiência e reduzir os custos operacionais dos projetos e atividades sob sua responsabilidade;

IV - desempenhar outras atribuições que lhe forem determinadas;

Seção V Dos Assessores de Gabinete do Prefeito, Secretarias e Diretorias

Art. 31. Os Assessores de Gabinete do Prefeito, Secretarias e Diretorias, possuem as seguintes atribuições e responsabilidades:

I - prestar assessoria de desenvolvimento das ações políticas, compatibilizada com o conjunto de ideias e programas de governo junto a Secretaria de Governo e Gestão, diretamente subordinados ao Prefeito, e ou assessorar o cumprimento e perfeito desenvolvimento das ações políticas setorizadas designadas e direcionadas pelo Prefeito aos Secretários e aos Diretores, a quem estiver o assessor diretamente vinculado;

II - orientar o Prefeito, Secretários ou Diretores acerca de suas respectivas ações e funções no pleno sentido das necessidades reais para execução perfeita das diretrizes políticas elencadas nos mecanismos de controle da ação governamental estabelecida pelo Governo Municipal;

III - coordenar e supervisionar a perfeita realização dos trabalhos realizados dentro do gabinete do Prefeito, da Secretaria ou Diretoria, impedindo que o serviço burocrático ou outro empecilho possa causar qualquer tipo de desvio de objetivos ou retardamento na execução das propostas políticas que visem o desenvolvimento do Município de Bertioga;

IV - manter sigilo no tocante aos programas políticos propostos referentes às ações governamentais em estudo e desenvolvimento;

V - zelar pela guarda de informações fundamentais das quais tome conhecimento em decorrência do exercício de seu cargo.

(...)

Art. 35. Passa a ser o constante do Anexo XVIII o quadro dos cargos em Comissão, regidos pelo Estatuto dos Servidores Públicos do Município, nas quantidades, denominações, e requisitos ali previstos, com os vencimentos mensais especificados, para lotação nas unidades indicadas e remunerados segundo o Anexo XV.” (“sic”)[1]

 

A distribuição dos cargos de provimento em comissão nos diversos órgãos da administração municipal foi fixada no Anexo XIII da mesma lei. Eis seu teor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por sua vez, o art. 4º da Lei Complementar n. 93/2012 dispõe:

“Art. 4º. A Secretaria de Administração - SA, constante do Anexo II, conta com as seguintes unidades subordinadas:

(...)

V - Setor da Dívida Ativa - DIVAT;

(...)”

Por fim, a Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda nº 13/98, contém a seguinte disposição:

 

“Art. 79. A Direção Superior da Procuradoria Geral do Município competirá ao Procurador Geral de livre designação, pelo Prefeito, recaindo a escolha em cidadão de ilibada reputação e de reconhecido saber jurídico.”

 

         A redação original do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga estabelecia:

 

“Art. 79. A Direção Superior da Procuradoria Geral do Município competirá ao Procurador Geral de livre designação, pelo Prefeito, dentre os membros da Procuradoria com reconhecimento de saber jurídico, reputação ilibada e com experiência em áreas diversas da administração municipal”.

 

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos acima transcritos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Artigo 99 – São funções institucionais da Procuradoria-Geral do Estado:

(...)

VI – promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

(...)

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   São as seguintes as teses que inspiram a promoção desta ação: (a) inconstitucionalidade na criação de cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção; (b) inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão para atribuições inerentes à advocacia pública, cujo provimento deve ser efetivo mediante aprovação em concurso público; (c) a chefia da Advocacia Pública Municipal admite o provimento comissionado, restrito aos integrantes da carreira, titulares do cargo de provimento efetivo de Procurador Jurídico do Município, não se permitindo a investidura de pessoa estranha à carreira ocupante exclusivamente do cargo do Procurador-Geral do Município; (d) o cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou ao agente político que o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira.    

 

1 – CRIAÇÃO ARTIFICIAL DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

                   É inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

                   No particular, os arts. 29, 30, 31, 35 e o Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores), da Lei Complementar n. 93/2012, do Município de Bertioga, afrontam os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual.

                   A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

                   Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

No que se refere aos cargos de provimento em comissão de Chefe de Seção, Chefe de Setor e Assessores de Gabinete do Prefeito, Secretarias e Diretorias, conquanto a Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, tenha descrito suas atribuições, o fez com elevado grau de generalidade, imprecisão e indeterminação e, ao mesmo tempo, expressou atribuições que, em realidade, são técnicas, profissionais e ordinárias e que, portanto, não revestem a excepcionalidade exigível no nível superior de assessoramento, chefia e direção como funções inerentes aos respectivos cargos de provimento em comissão. Frise-se que somados, tais cargos comissionados totalizam o número de 204 (duzentos e quatro).

Os cargos de Chefe de Seção e Chefe de Setor, possuem atribuições demasiadamente genéricas e burocráticas, que não indicam nem ao menos a área de atuação de tais cargos, ademais observa-se que referidos cargos possuem funções idênticas descritas nos incisos I a III dos artigos 29 e 30 da Lei Complementar n. 93/2012: “I - supervisionar, controlar, coordenar e orientar a execução dos projetos e das atividades afetos à seção e responder pelos encargos atribuídos; II - orientar a execução das atividades da seção de acordo com os padrões de qualidade, produtividade e custos ditados pelas normas, princípios e critérios estabelecidos; III - acelerar a eficiência e reduzir os custos operacionais dos projetos e atividades sob sua responsabilidade.”

Além das atribuições descritas acima, o cargo comissionado de Chefe de Seção exerce funções eminentemente técnicas e burocráticas, tais como: prestar contas, a qualquer tempo, das atividades em execução ou executadas pela seção; emitir pareceres nos processos que lhe tenham sido distribuídos por autoridade superior e nos processos cujos assuntos se relacionem com as atribuições de sua seção; comunicar ao superior imediato quaisquer deficiências ou ocorrências relativas aos serviços sob sua responsabilidade, bem como propor alternativas para solucioná-las; submeter à aprovação do superior imediato a escala de seus subordinados. A simples leitura do art. 29 permite constatar que as funções descritas não se coadunam àquelas próprias dos cargos de chefia, direção e assessoramento, visto que os Chefes de Seção estão sujeitos à subordinação hierárquica dos ocupantes dos cargos de Diretor, ocupantes de cargos comissionados.

Os Assessores de Gabinete do Prefeito, Secretarias e Diretorias têm atribuições genéricas e vagas (incisos I, II e III do artigo 31 do ato normativo supra). O inciso IV e V elenca dentre as atribuições o dever de sigilo e de guarda de informações, inerentes a todo e qualquer cargo público, de modo que não há a necessidade do elemento fiduciário para o seu provimento.

                   A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553; STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

                   Ora, a análise das atribuições dos cargos referidos dispositivos supramencionados revela cuidar-se de atribuições profissionais, técnicas, burocráticas, para as quais não se legitima o provimento em comissão.

 

2 – PROVIMENTO EM COMISSÃO DO CARGO DE PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO

                   Incompatível com os arts. 98 e 100 e parágrafo único da Constituição Estadual a forma de provimento em comissão livre destinada ao cargo de Procurador-Geral do Município prevista no art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, bem como de Assessor Jurídico previsto no Anexo XIII da Lei Complementar n. 93/2012.

                   Pois, não bastassem as ponderações anteriores, atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública centralizada ou descentralizada, são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público - como revela a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual além dos próprios arts. 98 e 100 e parágrafo único da Constituição Estadual - e inclusive sua chefia.

                   Com efeito, se a chefia da Advocacia Pública Municipal é posto de direção (o que, em linha de princípio, viabiliza o provimento comissionado), os parâmetros constitucionais invocados demonstram que seu provimento ainda que comissionado é adstrito e cingido a profissionais da respectiva carreira, não tolerando a investidura de pessoa exclusivamente ocupante desse cargo comissionado, estranha aos quadros da carreira. Neste sentido, a jurisprudência assim enuncia:

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo de Procurador Geral do Município de Batatais. Cargo em comissão. Hipótese que não configura função de chefia, assessoramento e direção. Função técnica. Atividade de advocacia pública. Inobservância aos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Ação procedente. Modulação dos efeitos da declaração” (TJSP, ADI 2022500-07.2015.8.26.0000, Rel. Des. Marcio Bártoli, v.u., 29-07-2015).

                   Ora, a norma local objurgada admite que se invista no cargo de Procurador-Geral do Município de maneira comissionada a pessoa estranha aos quadros da Advocacia Pública Municipal, hipótese incompatível com a Constituição.

                   Assim sendo, se à Corte não aprouver a declaração de inconstitucionalidade da norma, o caso inculca a adoção de técnica de julgamento como a interpretação conforme a Constituição ou a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

                   Enquanto a interpretação conforme a Constituição pressupõe norma constitucional com locuções ambíguas ou polissêmicas geratrizes de mais de uma interpretação e impõe a adoção daquela que mais se ajuste à Constituição, a técnica de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto exclui determinada hipótese de aplicação da norma por considerá-la inconstitucional, consoante discorre Dirley da Cunha Júnior (Controle de constitucionalidade: teoria e prática, Salvador: Editora JusPodivm, 2014, 7ª ed., pp. 223-225). Conforme explica:

“na interpretação conforme, o Tribunal exclui um ou mais sentidos da norma legal, com a atribuição de um outro sentido com o qual se possa compatibilizar a norma à Constituição; na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, a Corte considera inválida a aplicação ou incidência da norma legal sobre determinada situação, sem impedir a sua incidência legítima relativamente a outras situações” (ob. cit., p. 224).

                   Em ambas as hipóteses, alvitro como resultado a nomeação para o cargo de provimento em comissão de Procurador-Geral do Município dentre os Procuradores Jurídicos do Município na linha de entendimento do colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça captada do seguinte acórdão:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pleito para ser declarada inconstitucionalidade do §1º do artigo 76 da Lei Orgânica do Município de Penápolis, além das expressões ‘demais’, constante no § 2º do mesmo artigo, e ‘em regime da C.L.T.’ e ‘Procurador Geral do Município’, estas contidas no Anexo I da Lei 1.104, de 19 de fevereiro de 2003 (e, por arrastamento, das mesmas expressões constantes na redação original do Anexo I da Lei 111, de 10 de dezembro de 1991), também daquela Municipalidade. Inexistência de vício quando à descrição das atribuições. Cargo de ‘Procurador Geral do Município’. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, para possibilitar livre nomeação do cargo pelo Prefeito, limitada, no entanto, a Procuradores admitidos na carreira, pelo sistema de mérito, por concurso público. Precedentes. Incompatibilidade, ademais, do regime celetista para cargos de provimento em comissão. Ação procedente em parte, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento” (ADI 2210910-49.2015.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, 04-05-2016, v.u.).

 

3 – EXERCÍCIO DE ATRIBUIÇÕES RESERVADAS À ADVOCACIA PÚBLICA PELA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO

                   O inciso V do art. 4º da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, que comete à Secretaria de Administração - SA a inscrição da dívida ativa e a sua gestão, é incompatível com a reserva instituída nos arts. 98 e 99, VI, da Constituição Estadual à Advocacia Pública, que estabelece dentre as funções institucionais da Procuradoria-Geral do Estado a promoção da inscrição, controle e cobrança da dívida ativa estadual, modelo ao qual os Municípios estão subordinados.

                   O cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou ao agente político que o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira.

                   Com efeito, o inciso V do art. 4º da Lei Complementar n. 93/2012, é incompatível com os arts. 98 e 99, inciso VI, da Constituição Estadual.

 

III – PEDIDO LIMINAR

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação, especificamente no que se relaciona à legitimidade de investidura em cargos públicos, ao impedimento do bom funcionamento administrativo, e a gastos com pessoal, onerando o erário.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do inciso V do art. 4º, dos arts. 29, 30, 31, 35 e Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores) da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga; e do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda n. 13/1998.

 

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do art. 4º, dos arts. 29, 30, 31, 35 e Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores) da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga; e do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda n. 13/1998, e, alternativamente, com relação ao art. 79, declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ou interpretação conforme a Constituição restringindo a nomeação para o cargo de provimento em comissão de Procurador-Geral do Município dentre os Procuradores Jurídicos do Município.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Bertioga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 12 de julho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj/crms

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 30.364/2016

Interessado: Promotoria de Justiça de Bertioga

Objeto: representação para controle de constitucionalidade do inciso V do art. 4º, dos arts. 29, 30, 31, 35 e do Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores) da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga; e do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda n. 13/1998

 

 

 

                   Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face do inciso V do art. 4º, dos arts. 29, 30, 31, 35 e Anexo XIII (com exceção dos cargos de Secretário e Diretores) da Lei Complementar n. 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga; e do art. 79 da Lei Orgânica do Município de Bertioga, na redação dada pela Emenda n. 13/1998.

                   Ciência ao representante e ao douto Promotor de Justiça de Bertioga, remetendo-lhes cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 12 de julho de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/crms



[1]  Há um erro material na redação do art.35, visto que é o Anexo XIII que elenca os cargos comissionados.