EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 67.311/16
Ementa: Constitucional. Tributário. Ação
Direta Inconstitucionalidade. Art. 214, inciso I e Tabela V-1 do Anexo nº 05,
todos do anexo Único da Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003. Taxa
de expediente e de serviços burocráticos. Ofensa ao direito constitucional de
petição. Ofensa ao direito de obter certidões junto à administração. Ofensa ao
direito de acesso à informação. Inexistência de especificidade e divisibilidade
para instituição. Vício de competência. 1. A apresentação de petição
ou documento a ser apreciado pela Administração (direito de petição), não pode
estar sujeita à cobrança de exação (art. 164, I, CE/89). 2. Impossibilidade de
cobrança de tributo para a obtenção de certidões em repartições públicas para defesa
de direitos ou esclarecimentos de interesse pessoal (art. 164, II, CE/89). 3. Não
é cabível a cobrança de tributo para o acesso a informações junto aos órgãos da
Administração Pública (arts. 5º, XXXIII CF/88 e 144 da CE/89). 4. Não é
admissível a cobrança de taxa para assinatura de contratos, pois inexiste na
hipótese serviço público prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, por
ser do interesse da própria Administração contratar com entidades ou
particulares, via procedimento licitatório, bens e serviços voltados à
consecução de suas necessidades hodiernas (160, II, CE/89). 5. É inadmissível a
disciplina normativa, pelo município, de normas gerais de licitação e
contratação por se tratar de matéria de competência privativa da União.
Dispositivo que restringe o caráter competitivo da licitação e viola o
princípio da isonomia (arts. 22, XXVII CF/88 e arts. 177 e 144, CE/89). 6.
Procedência da ação.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista
no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro
de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com
o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e
ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 048.973/14),
vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “celebração de contratos” e
“certidões” contidas no art. 214, inciso I; dos itens 1, 2, 6, 7, 8 e 9 e respectivos
subitens da Tabela V-1 do Anexo nº 05 e das expressões “do ingresso da petição
no protocolo, da assinatura do contrato” contidas no art. 217, todos do Anexo
Único da Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003, do Município de
Caraguatatuba, pelos seguintes fundamentos:
I - DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
Editada
em 12 de dezembro de 1997, no Município de Caraguatatuba, a Lei Complementar nº
01 trouxe a lume o Código Tributário Municipal, destinado a concretizar em seus
limites territoriais a competência tributária conferida aos Municípios pelo
Constituinte Originário de 1988.
Posteriormente,
a Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003, consolidou o Código
Tributário Municipal, por meio de seu Anexo Único, passando a prever no artigo
214, inciso I, a “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos”, cujas hipóteses
de incidência foram descriminadas na Tabela V-1 do Anexo nº 05 e o lançamento
disciplinado no art. 217, nos seguintes termos:
(...)
VI.
b – São mantidas as seguintes taxas:
(...)
-
TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS BUROCRÁTICOS E TAXA DE
OUTROS SERVIÇOS PÚBLICOS ESPECÍFICOS (atualmente disciplinada na SEÇÃO X, que
será alterada para SEÇÃO VI, e nos artigos 249 a 254, que serão mantidos, com
suas numerações alteradas para 214
a 219).
(...)
Artigo 214 – A taxa tem como fato gerador:
I - A de expediente e serviços burocráticos, a realização,
pela Prefeitura, seus órgãos e servidores, de serviços burocráticos da
administração, constantes de celebração de contratos ou expedição de atos,
documentos, papéis, certidões, segundas vias, ou cópias de responsabilidade das
pessoas físicas ou jurídicas interessadas na obtenção dos mesmos;
(...)
Artigo 217 – O lançamento é feito em nome da pessoa física
ou jurídica interessada, no ato do ingresso da petição no protocolo, da
assinatura do contrato, ou da expedição do documento, ou da solicitação do
serviço à repartição competente, por meio de guia própria ou processo mecânico.
(...)
ANEXO Nº 05 DA L.C. Nº 01, DE
12/12/97
TABELA V-1
TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS
ITENS |
ESPECIFICAÇÕES
E DISCRIMINAÇÕES |
VALOR EM VRM |
1. |
petição entrada no protocolo: |
4 |
2. |
busca de dados constantes de arquivos: |
|
2.1. |
com indicação do ano, por busca: |
4 |
2.2. |
sem indicação do ano, por busca: |
6 |
3. |
autenticação de documentos, por
documento: |
2 |
4. |
cópias autenticadas ou 2ª vias de
documentos: |
2 |
4.1. |
1ª cópia: |
2 |
4.2. |
demais cópias do mesmo documento ou de
outro documento, por cópia: |
2 |
5. |
cópias de exemplares de leis, decretos,
editais, demais publicações, por página: |
1 |
6. |
assinatura de contrato ou seus
aditamentos, exceto de servidores: |
4 |
7. |
inscrição para concorrência pública,
exceto fornecimento de editais, pastas, projetos e demais instruções para
concorrência (cadastro de fornecedores): |
20 |
8. |
certidões: |
|
8.1. |
negativas ou positivas de débitos, por
inscrição: |
10 |
8.2. |
por tempo de serviço: |
10 |
8.3. |
sobre o uso do solo: |
20 |
8.4. |
outras certidões: |
20 |
9. |
relatório de atividades através do
sistema de informática: |
|
9.1. |
(a) por folha: |
1 |
9.2. |
(b) com uma cópia a mais: |
1 |
10. |
cópia de mapa/heliografia, por metro
quadrado: |
10 |
NOTA: A taxa é arrecadada no ato do
protocolo do pedido ou da prática do ato, como dispõe este Código
(...)”
Pois
bem.
Conforme
será explanado no curso desta exordial, algumas hipóteses de incidência da taxa
em epígrafe não se coadunam com diversos preceitos insertos na Carta
Bandeirante, sendo imperiosa a declaração de inconstitucionalidade de tal exação
por este Colendo Órgão Especial, ante os seguintes argumentos.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
Os dispositivos
indicados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º,
18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos ora vergastados são incompatíveis
com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 117 - Ressalvados os casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos
na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 160 - Compete ao
Estado instituir:
(...)
II - taxas em razão do exercício
do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte
ou postos a sua disposição;
(...)
SEÇÃO II
Das Limitações do Poder de Tributar
Artigo 163 - Sem prejuízo
de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:
I - exigir ou aumentar tributo
sem lei que o estabeleça;
(...)
Artigo 164 - É vedada a
cobrança de taxas:
I - pelo exercício do direito de
petição ao Poder Público em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder;
II - para a obtenção de
certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de
interesse pessoal.
(...)”.
III – Da inconstitucionalidade dA TAXA DE EXPEDIENTE e
SERVIÇOS BUROCRÁTICOS prevista na lei complementar nº 14/03
a.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM
01 DA TABELA V-1 DO ANEXO Nº 05, RELATIVA À “TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS” PREVISTA NO ART. 214, INCISO I, TODOS DO ANEXO ÚNICO DA LC Nº
14/03, POR OFENSA AO DIREITO CONSTITUCIONAL DE PETIÇÃO
De início, cumpre mencionar ser inconstitucional a instituição de exação
tributária que cria óbice ao direito fundamental de petição, cuja previsão
encontra-se plasmada na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXXIV, alínea
“a”) e resta protegida na Carta Bandeirante, especificamente em seu art. 164,
inciso I.
No presente caso, a Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003, consolidando
em seu Anexo Único o Código Tributário do Município, instituiu, no art. 214,
inciso I, a “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos”, cujo fato gerador se
manifesta quando da “realização, pela Prefeitura, seus órgãos e servidores, de serviços
burocráticos da administração, constantes de celebração de contratos ou
expedição de atos, documentos, papéis, certidões, segundas vias, ou cópias de
responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas interessadas na obtenção dos
mesmos.”
Entretanto, a lei em epígrafe, em obediência ao art. 163, I da Carta
Bandeirante, previu em seu texto a Tabela V-1 do Anexo nº 05, descriminando os
serviços passíveis de incidência da taxa supramencionada no âmbito municipal.
Conforme se verifica do ITEM 01 da tabela mencionada, no uso de sua competência tributária para
a instituição do tributo em comento, entendeu o legislador municipal ser
cabível a taxação de atividade estatal desempenhada quando do recebimento de “PETIÇÃO ENTRADA NO PROTOCOLO”, isto é,
de documento da lavra de particular, independente da natureza do peticionamento
ou do animus de seu autor.
Ocorre que a instituição de taxa voltada ao custeio de tal peticionamento
resta eivada de patente inconstitucionalidade material, porquanto o art. 164,
inciso I, da Carta Bandeirante é expresso ao vedar qualquer tributação
incidente sobre o exercício do consagrado direito de petição, destinado à
defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Vejamos:
“Artigo 164 -
É vedada a cobrança de taxas:
I - pelo
exercício do direito de petição ao Poder Público em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder;”
E nem poderia ser diferente, vez que o direito de petição aduzido no
texto magno de 1988 configura mecanismo assaz relevante ao controle
administrativo, não podendo o legislador infraconstitucional, muito menos o
Constituinte Derivado Reformador ou Decorrente, tolher tal instrumento dos
detentores do poder constituinte, sob pena de afronta a diversos preceitos
constitucionais, em especial à cidadania, prevista como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil (art. 1º, II, CF/88).
Acerca dos contornos do direito de petição, confira-se o entendimento sedimentado
no seio da jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal. In verbis:
“O direito de
petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como
importante prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento
jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado – mesmo
daqueles destituídos de personalidade jurídica –, com a explícita finalidade de
viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores
revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva. (...).” (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ de 8-9-1995.)
Portanto, dada a envergadura constitucional do instrumento em apreço,
haja vista ser espécie de direito subjetivo do administrado voltado não somente
a sua defesa em face de atuações abusivas e/ou ilegais do Poder Público, mas
também à higidez da atuação administrativa, que apenas é legitimamente desenvolvida
quando esteja sob a égide de preceitos constitucionais impostos pela Carta
Maior, em especial a legalidade, é defeso qualquer ato estatal destinado a
impedir seu exercício.
Desse modo, outro entendimento não pode ser patrocinado senão o da flagrante
inconstitucionalidade do ITEM 01 da Tabela V-1, Anexo nº 05 da Lei Complementar
nº 14/03, atinente à “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos”, prevista no
art. 214, inciso I, todos do Anexo Único do referido diploma legal.
Inconstitucional ainda, por dependência, a expressão “ingresso na petição
do protocolo” aposta no art. 217 do mesmo diploma legal, porquanto referente ao
lançamento do tributo em questão.
b.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 8
DA TABELA V-1 DO ANEXO Nº 05, RELATIVA À “TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS” PREVISTA NO ART. 214, INCISO I, TODOS DO ANEXO ÚNICO DA LC Nº
14/03, POR IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE TRIBUTO PARA A OBTENÇÃO DE
CERTIDÕES e INFORMAÇÕES DESTINADAS A ESCLARECIMENTOS PESSOAIS
A
Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003, como visto, em seu art. 214,
inciso I, disciplinou a “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos”.
Como
a locução “serviços burocráticos” encontra certa elasticidade semântica, haja
vista sua vagueza conceitual que abriria ao ente a possibilidade de tributar
uma enorme gama de serviços, a lei em epígrafe, em obediência ao art. 163, I da
Carta Bandeirante, disciplinou na Tabela V-1 do Anexo nº 05 os serviços
passíveis de incidência da taxa supramencionada no âmbito municipal, conforme
mencionado no item anterior.
Porém, observa-se que o ITEM 08 prevê a exação para o fornecimento de “CERTIDÕES NEGATIVAS OU POSITIVAS DE DÉBITOS (8.1), POR TEMPO DE SERVIÇO (8.2), SOBRE USO DO SOLO (8.3) E PARA OUTRAS CERTIDÕES (8.4)”, o que não se coaduna com o art. 164, II da Constituição estadual, pelos motivos que se passa a expor.
Conforme estabelece o Constituinte Derivado na Carta Bandeirante de 1989, é defeso ao ente político tributante instituir taxa sobre a obtenção de certidões em repartições públicas, ex vi do disposto no art. 164, II da Lei Fundamental Paulista, lembrando que tal preceito normativo apenas reproduz garantia individual anteriormente estabelecida na Constituição Federal (art. 5º, XXXIV, alínea “b”):
“Artigo 164 –
É vedada a cobrança de taxas:
(...)
II - para a obtenção de certidões em repartições públicas,
para defesa de direitos e esclarecimentos de interesse pessoal.”
“Artigo 5º
(...)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do
pagamento de taxas:
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;”
Ou seja, no dispositivo supramencionado a Carta Bandeirante, em estrita simetria com o enunciado inserto na Lei Fundamental de 1988, estabeleceu uma limitação ao poder de tributar, via imunidade tributária, sobre as taxas de obtenção de certidões em repartições públicas à defesa de direitos e esclarecimentos pessoais, visando garantir aos administrados a efetivação de certos direitos fundamentais, como ampla defesa e devido processo legal, posto que ao retirar do âmbito da competência tributária dos entes a edição de exação desse jaez o legislador constitucional preserva o acesso do cidadão a documentos públicos que lhe permitem a sua defesa em face de ilegalidades e abusos cometidos tanto pelos poderes públicos como por particulares em colaboração, construindo, assim, a tão almejada sociedade justa, objetivada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 3º, inciso I.
Sobre o tema das imunidades tributárias, relevante colacionar o entendimento arquitetado no seio do E. Supremo Tribunal Federal acerca da importância do aludido instituto, que se reveste de verdadeira garantia constitucional em defesa de liberdades públicas consagradas na Lex Fundamentalis de 1988, tais como a liberdade de culto, liberdade sindical, liberdade de organização partidária, dentre outros. Ante a precisão do voto proferido na ADI 939, pede-se vênia à transcrição de excerto da r. decisão:
“A imunidade
tributária não constitui um fim em si mesma. Antes, representa um poderoso fato
de contensão do arbítrio do estado na medida que esse postulado da
constituição, inibindo o exercício da competência impositiva pelo Poder
Público, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquela
liberdades públicas. (...)” (ADI
939/DF. Min. Sydney Sanches. Tribunal Pleno. Julgamento: 15/12/1993).
Aliás, na esteira das considerações apresentadas, invoca-se novamente o entendimento da Corte Suprema para demonstrar a envergadura constitucional do presente direito resguardado pela imunidade prevista nas Cartas Federal e Estadual, cujo desígnio releva, de per si, a importância em se afastar da tributação a exação em comento:
“O direito à
certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a
viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a
dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou
coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. (...).” (RE 472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-2008, 2ª Turma, DJE de 29/08/2008).
Assim, no esteio das considerações tecidas
no decorrer deste tópico, resta clara a incompatibilidade do enunciando ora
impugnado com o art. 164, II da CE/89, sendo imperiosa, portanto, a declaração
de inconstitucionalidade da expressão “certidões” contida no art. 214, inciso I e do ITEM 08 e respectivos
subitens da Tabela
V-1, Anexo nº 05 da Lei Complementar nº 14/03, todos constantes do Anexo Único do citado diploma
legal.
c.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ITENS
2 E 9 DA TABELA V-1 DO ANEXO Nº 05, RELATIVA À “TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS” PREVISTA NO ART. 214, INCISO I, TODOS DO ANEXO ÚNICO DA LC Nº
14/03, POR OFENSA AO DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
A “Taxa de Expediente e Serviços
Burocráticos”, prevista no art. 214, inciso I, da Lei Complementar nº 14/03, tem
como fato gerador a “realização, pela Prefeitura, seus órgãos e servidores, de serviços
burocráticos da administração, constantes de celebração de contratos ou
expedição de atos, documentos, papéis, certidões, segundas vias, ou cópias de
responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas interessadas na obtenção dos
mesmos”.
A Tabela V-1 do Anexo nº 05 do Anexo Único do diploma impugnado, traz o rol dos serviços passíveis de incidência da taxa supramencionada no âmbito municipal, conforme anteriormente mencionado.
Porém, a leitura dos ITENS 2 e 9, demonstra que a cobrança do tributo tem incidência para a “BUSCA DE DADOS CONSTANTES DE ARQUIVOS” e para o fornecimento de “RELATÓRIOS DE ATIVIDADES ATRAVÉS DO SISTEMA DE INFORMÁTICA”, o que afronta o direito constitucional de acesso à informação, previsto no artigo 37, inciso XXXIII da Constituição Federal, norma de observância obrigatória na esfera municipal, em virtude do disposto no art. 144 da Constituição Bandeirante.
Com efeito, o art. 37, inciso XXXIII da Constituição Federal
dispõe, verbis:
“Todos têm
direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.”
O acesso à informação pública consiste em direito fundamental que visa instrumentalizar o exercício da cidadania, razão pela qual o serviço de busca e fornecimento da informação pelos órgãos públicos não pode ser objeto de exação, salvo nos casos que envolvam a reprodução de documentos pelo órgão ou entidade consultada, situação em que poderá ser obrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados.
Conforme se verifica do ato normativo impugnado, a cobrança
da “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos” incide sobre a própria busca de
dados e de atividades por meio do sistema de informática, o que não se coaduna
como o sistema constitucional vigente.
Desse modo, resta patente a inconstitucionalidade dos itens
02 e 09 e subitens da Tabela V-1, Anexo nº 05 da Lei Complementar nº 14/03, atinente à “Taxa de
Expediente e Serviços Burocráticos” prevista no art. 214, inciso I, todos
constantes do Anexo Único do referido diploma legal.
d.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 6
DA TABELA V-1 DO ANEXO Nº 05, RELATIVA À “TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS” PREVISTA NO ART. 214, INCISO I, TODOS DO ANEXO ÚNICO DA LC Nº
14/03, POR OFENSA AO ART. 160, II DA CE/89, ANTE A INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO
FRUÍDO OU POSTO À DISPOSIÇÃO DO CONTRIBUINTE
Conforme anteriormente consignado,
o Município de Caraguatatuba estabeleceu em seu código tributário a “Taxa de
Expediente e Serviços Burocráticos”, prevista no art. 214, I, da Lei
Complementar nº 14/03, cujo fato gerador se evidencia quando da “realização, pela
Prefeitura, seus órgãos e servidores, de serviços burocráticos da
administração, constantes de celebração
de contratos ou expedição de atos, documentos, papéis, certidões, segundas
vias, ou cópias de responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas interessadas
na obtenção dos mesmos”.
Dentre os serviços passíveis de incidência da taxa supramencionada no âmbito municipal, elencados na Tabela V-1 do Anexo nº 05 do Anexo Único, verifica-se que o ITEM 06 permite a exação por ocasião da “ASSINATURA DE CONTRATO OU SEUS ADITAMENTOS, EXCETO SERVIDORES PÚBLICOS”.
Em que pese a tortuosa redação do dispositivo em comento, haja vista a impossibilidade de se precisar qual seria a atividade ensejadora da espécie tributária examinada, ou seja, se a “Taxa” estaria sendo cobrada em razão de atividade notarial desempenhada pelo próprio Município ou se a aludida espécie decorreria do simples fato do particular contratar junto à Administração, de qualquer forma a imposição da exação trazida a lume em quaisquer das hipóteses ventiladas seria flagrantemente inconstitucional, ante os argumentos a seguir expostos.
Preliminarmente, necessário pontuar que não cabe ao ente federativo desempenhar diretamente as atividades de natureza notarial, ante previsão expressa na Constituição Federal de 1988, em seu art. 236:
“Art. 236. Os
serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a
responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de
seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas
gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços
notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique
vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis
meses.”
Da leitura do dispositivo supra percebe-se que a atividade em epígrafe deverá ser desempenhada em regime privado por particulares aprovados em concurso público, embora sofra o influxo de regras de direito público em face do interesse estatal na sua consecução.
Tanto que o diploma regulamentador da atividade em questão, no caso a Lei Federal nº 8.935/94, é clara ao estabelecer em vários de seus dispositivos a citada natureza quando do exercício da função notarial, conforme se abstrai dos enunciados infra:
“Art. 3º
Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais
do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade
notarial e de registro.
(...)
Art. 14. A
delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos
seguintes requisitos:
I -
habilitação em concurso público de provas e títulos;
II -
nacionalidade brasileira;
III -
capacidade civil;
IV - quitação
com as obrigações eleitorais e militares;
V - diploma
de bacharel em direito;
VI -
verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.
(...)
Art. 21. O
gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro
é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz
respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe
estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e
de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na
prestação dos serviços.
Art. 22. Os
notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus
prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia,
assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos
prepostos.”
Aliás, sobre o tema, confira-se o entendimento da E. Corte Suprema sobre a natureza e contornos da atividade notarial:
“(...) o STF
possui entendimento consolidado de que a atividade notarial e de registro é
essencialmente distinta da atividade exercida pelos poderes de Estado, de modo
que o titular da serventia extrajudicial não é servidor e com este não se
confunde (...). Os serviços notariais e de registro possuem regime jurídico de
caráter privado, enquanto as serventias do foro judiciais fazem parte do quadro
único de servidores do Poder Judiciário local. (...)”. (MS
28.440-ED-AgR, voto do rel. min. Teori
Zavascki, julgamento em 19-6-2013, Plenário, DJE de
7-2-2014.)
“Regime
jurídico dos servidores notariais e de registro. Trata-se de atividades
jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante
delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da
permissão, normadas pelo caput do
art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do
exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os
serviços públicos. A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz,
por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. A sua delegação somente pode
recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto
que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de
concessão ou permissão de serviço público. Para se tornar delegatária do Poder
Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de
provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este,
pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de
permissão para o desempenho de serviço público. (...)”. (ADI 2.415, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 10-11-2011, Plenário, DJE de
9-2-2012).
Desse modo, na esteira dos entendimentos apresentados, se não compete ao ente municipal o desempenho da função notarial, não poderia este, por conseguinte, cobrar tributo sobre as referidas funções desempenhadas por particulares em razão de mandamento constitucional, vez que, reitera-se, não há qualquer serviço prestado pelo Município no caso em tela, de sorte que a exigência da “Taxa de Expediente” na situação em apreço resta eivada de inconstitucionalidade ante sua ofensa ao art. 160, II da CE/89.
No entanto, como a redação do comando reveste-se de ambiguidade e imprecisão no tocante aos elementos essenciais da exação, atributos esses, frise-se, que não deveriam estar presentes quando da instituição de quaisquer diplomas normativos, ainda mais na seara fiscal, é possível que o legislador municipal estivesse almejando tributar a lavratura de termo ou contrato firmado pelo particular junto à Administração, o que, outrossim, evidencia situação incompatível com a Carta Bandeirante, pelos motivos que se seguem.
Conforme estabelece a Constituição Paulista, somente é conferida ao ente tributante a competência para instituir taxas em razão do poder de polícia ou pela oferta de serviços públicos. Vejamos:
“Artigo 160 - Compete ao Estado instituir:
(...)
II - taxas em razão do exercício do poder
de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos de
sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a
sua disposição;”
A despeito de mencionar apenas a competência do Estado-membro à edição da aludida espécie tributária, cumpre ressaltar que as disposições da Constituição Estadual se aplicam aos Municípios circunscritos em seus limites territoriais, vide o disposto no art. 144 da Carta Paulista:
“Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Pois bem.
Afastando a natureza de poder de polícia da “Taxa de Expediente” ora vergastada, ante a ausência desse atributo em seu fato gerador, compete perquirir se a taxa em comento poderia ser editada sob a alegação da existência de serviço público na situação, a fim de ser possível sua exigência.
À luz do comando constitucional disciplinador da matéria, as
taxas cobradas em razão de serviços públicos fruídos ou postos à disposição do
contribuinte devem respeitar três critérios essenciais e cumulativos para sua
legitimidade, sendo estes: (a) Existência
de serviço público; (b) Especificidade
do serviço; e (c) Divisibilidade do
serviço em relação a seus usuários.
Dentre os requisitos mencionados, perceba-se que o Constituinte Derivado, reproduzindo a mens legis da Carta Republicana Federal, impõe como critério primordial à edição desta espécie de taxa a existência de serviço público, de sorte que sua definição, portanto, é o ponto fulcral ao deslinde da questão.
Ante conceito perfilado por doutrina balizada, o instituto em comento possui os seguintes contornos:
“Toda atividade
prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito
público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da
coletividade” (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 350).
Do exame da definição supramencionada, é possível concluir que a existência de serviço público requer a prestação de atividade voltada à satisfação de necessidades individuais dos membros da coletividade, sejam de caráter essencial ou secundário.
Aliás, se analisada a fundo, a própria locução examinada evidencia uma carga semântica que de per si revela seu animus existencial, posto que outra interpretação não poderia ser extraída de “serviço público” senão a de que esta atividade é ofertada ao público no seu interesse individualizado, ou seja, disposta em prol da coletividade, embora seja fruída por cada um dos contribuintes.
Todavia, em flagrante oposição à ideia apresentada, não é o que se percebe no caso em apreço.
Quando o legislador municipal estabelece como fato gerador da “Taxa de Expediente” impugnada as ações de “assinatura de contrato e seus aditamentos”, é visível que as atividades em questão não possuem qualquer traço de serviço público, haja vista não estarem direcionadas à oferta de serviços à coletividade.
Em verdade, as ações descritas como hipótese de incidência da “Taxa de Expediente” prevista no artigo 214, inciso I da LC 14/03 (item 6 da Tabela V-1 do Anexo nº 05), nada mais são que atividades realizadas no interesse da Administração em descentralizar a execução de serviços públicos de sua titularidade, não havendo na hipótese qualquer serviço a ensejar a cobrança da aludida exação.
Quando o Poder Público lavra termo ou contrato com particulares o faz no seu próprio interesse imediato, buscando descentralizar a execução de serviços que prima facie deveriam ser por ele efetivados, mas que acabam sendo delegados a entidades da Administração indireta (delegação legal) ou a particulares (delegação negocial), após procedimento licitatório, a fim de potencializar a sua prestação e permitir ao Estado a racionalização de sua atuação, pois é notória a sua incapacidade para atuar em todos os espectros comunitários, de modo que a partir do fenômeno da “desestatização”, termo este cunhado na Lei Federal 9.491/97, restou clara a opção do Estado de se afastar da posição de executor de certas atividades e serviços, delegando-as a terceiros.
Destarte, resta clara a inexistência de serviço público na
hipótese, razão pela qual necessário o reconhecimento da inconstitucionalidade
da expressão “celebração de contratos” contida no art. 214, inciso I e do item
06 da Tabela V-1, Anexo nº 05,
todos constantes do Anexo Único da Lei Complementar nº 14/03, assim como da
expressão “da assinatura do contrato” contida no art. 217 do mesmo diploma
legal (lançamento).
Repise-se que a lavratura de termo ou contrato é de interesse imediato da Administração, não se podendo em hipótese alguma falar em serviço estatal na problemática trazida a lume, sendo patente a inconstitucionalidade da referida exação em razão de sua ofensa ao art. 160, II da CE/89, devendo este Colendo Órgão Especial, a bem do ordenamento municipal, afastá-la de seus limites.
e.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 7
DA TABELA V-1 DO ANEXO Nº 05, RELATIVA À “TAXA DE EXPEDIENTE E SERVIÇOS
BUROCRÁTICOS” PREVISTA NO ART. 214, INCISO I, TODOS DO ANEXO ÚNICO DA LC Nº
14/03, POR VÍCIO DE COMPETÊNCIA E VIOLAÇÃO AO CARÁTER COMPETITIVO DAS
LICITAÇÕES
O Código Tributário do Município de Caraguatatuba, consolidado pela Lei Complementar nº 14/03, disciplinou no art. 214, I, a “Taxa de Expediente e Serviços Burocráticos.
A Tabela V-1 do Anexo nº 05 incluiu dentre os serviços passíveis de incidência da taxa supramencionada o ITEM 07, ensejando a cobrança por ocasião da “INSCRIÇÃO PARA CONCORRÊNCIA PÚBLICA, EXCETO FORNECIMENTO DE EDITAIS, PASTAS, PROJETOS E DEMAIS INSTRUÇÕES PARA CONCORRÊNCIA (CADASTRO DE FORNECEDORES)”.
Entretanto, ao exigir a exação para a inscrição na referida modalidade de certame, o Município de Caraguatatuba usurpou competência legislativa alheia para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em afronta ao art. 144, da CE/89.
Com efeito, a ordem constitucional vigente adotou o princípio da predominância do interesse para definir a repartição de competências legislativas na federação brasileira.
Nessa toada, a competência legislativa para dispor sobre assuntos de interesse nacional ou predominantemente geral foi atribuída à União, ao passo que o tratamento das matérias de interesse predominantemente local ficou a cargo do Município, restando aos Estados a competência residual.
Pois bem.
Conforme o art. 22, XXVII, da
Constituição Federal, reservou-se a disciplina normativa de normas gerais de
licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações
públicas de todos os entes federativos, à competência privativa da União.
Diante desse quadro, ao Município caberia exercer a sua autonomia legislativa tão-somente se presente interesse local na matéria a ser regulada e, ainda, em conformidade com o arcabouço normativo nacional e estadual já existentes sobre o tema.
Tratando do assunto, voto
do Ilustre Min. Moreira Alves, relator do RE 227.384/SP, verbis:
“Ora, em se tratando de competência privativa da União, e
competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei
complementar – que não existe – que a autorize a legislar sobre questões
específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se
que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo
30, com base na expressa vaga aí constante “no que couber” se possa exercitar
para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União
(...)”.
Tampouco é
possível que o legislador municipal se ampare no inciso II, do art. 30, da
CF/88, vale dizer, em sua competência suplementar, a fim de justificar a
elaboração do preceito legal impugnado.
Primeiramente,
porque a competência legislativa suplementar só se realiza mediante a presença
de interesse local e, por óbvio, este interesse é avesso à restrição ao acesso
ao processo licitatório, sendo, portanto, diametralmente oposto à cobrança de
valor para participar de concorrência.
Ademais,
referida competência municipal não autoriza a edição de textos normativos em
contrariedade àqueles nacionais, sobre licitação e contratação públicas,
instituídos pela União (cf. art. 22, XXVII, CF).
Destarte,
conclui-se que o Município de Caraguatatuba exorbitou sua autonomia normativa,
ao se imiscuir na competência legislativa alheia para disciplina de normas
gerais de licitação e contratação e produzir legislação avessa ao interesse
local.
Tanto não
bastasse, o dispositivo combatido viola o art. 117 da Constituição Estadual, na
medida em que restringe o caráter competitivo da licitação, diminuindo o acesso
ao certame público, violando a isonomia que deve ser assegurada a todos os
concorrentes.
Dessa forma, imperativo
o reconhecimento
da inconstitucionalidade do item 07 da Tabela V-1, Anexo nº 05, referente ao
art. 214, inciso I, todos do Anexo Único da Lei Complementar nº 14/03, por violação aos arts. 117 e 144, da Constituição Estadual,
norma remissiva que, como explanado acima, incorpora as regras constitucionais
de repartição constitucional entre os três entes políticos.
Iv – Pedido
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade das expressões “celebração de contratos” e “certidões”
contidas no art. 214, inciso I; dos itens 1, 2, 6, 7, 8 e 9 e respectivos subitens
da Tabela V-1 do Anexo nº 05 e das expressões “do ingresso da petição no
protocolo, da assinatura do contrato” contidas no art. 217, todos do Anexo
Único da Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003, do Município de
Caraguatatuba.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
ao Prefeito e à Câmara Municipal de Caraguatatuba, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em
que, pede deferimento.
São Paulo, 29 de julho de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
blo
Protocolado n. 67.311/16
Interessado: Promotoria de Justiça de Caraguatatuba
Objeto: representação para controle de constitucionalidade
da Lei Complementar nº 14, de 19 de dezembro de 2003
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face das
expressões “celebração de contratos” e “certidões” contidas no art. 214, inciso
I; dos itens 1, 2, 6, 7, 8 e 9 e subitens da Tabela V-1 do Anexo nº 05 e das
expressões “do ingresso da petição no protocolo, da assinatura do contrato”
contidas no art. 217, todos do Anexo Único da Lei Complementar nº 14, de 19 de
dezembro de 2003, do Município de Caraguatatuba.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 29 de julho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
blo