Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 94.396/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 2.144, de 13 de abril de 2016, do Município de cachoeira Paulista, que fixa o percentual mínimo de 2% dos cargos em comissão e/ou funções de confiança na estrutura da Câmara Municipal de Cachoeira Paulista a serem preenchidos por servidores de carreira, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual diminuto para preenchimento de cargos em comissão na estrutura da Câmara Municipal, no caso 2% (dois por cento), vez que ao estabelecer em lei um percentual desse jaez o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 2.144, de 13 de abril de 2016, do Município de Cachoeira
Paulista, que fixa o percentual mínimo de 2% (dois por cento) dos cargos em
comissão e/ou funções de confiança na estrutura administrativa da Câmara
Municipal, para preenchimento por servidores de carreira, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 2.144, de 13 de abril de 2016, do Município de Cachoeira Paulista, que “estabelece o
percentual mínimo de funções de confiança e/ou cargos em comissão a serem preenchidos
por servidores efetivos, na forma do inciso V, do art. 37, da Constituição
Federal e dá outras providências”, possui a seguinte redação, verbis:
“Art. 1º O percentual mínimo de funções de confiança e/ou cargos em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos da Câmara Municipal de Cachoeira Paulista – SP, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal, é fixado em 2% (dois por cento) dos cargos criados por lei.
Parágrafo único. Quando da aplicação do percentual fixado neste artigo resultar em número superior a 0,5% (cinco décimos), será considerado como uma unidade superior, quando igual ou menor do que 0,5% (cinco décimos), não será levado em consideração para efeitos desta LEI.
Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação oficial.”
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, ao prever
percentual diminuto na questão apontada, no caso 2% (dois por cento), o
Município torna a exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica, por
evidente esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição
Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
A Lei nº 2.144, de 13 de abril de 2016, do Município de Cachoeira
Paulista, contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são
aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
A norma contestada é incompatível com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo
144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve-se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimento em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
Quando a legislação examinada estabelece percentual mínimo de 2% (dois
por cento) dos cargos de provimento em comissão e/ou funções de confiança a
serem preenchidos por servidores de carreira na Câmara Municipal, prima facie, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, no caso apenas 2% (dois
por cento), a Lei nº 2.144, de 13 de
abril de 2016, do Município de Cachoeira
Paulista, na verdade, tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar
evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos
arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à
proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à excepcionalidade do
provimento em comissão quando do preenchimento de postos na estrutura da
Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Órgão Especial, firmando em sua
jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado
pelo constituinte quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual, in verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão
reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das
providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser
preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.”
(TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres,
j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição
de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza,
j. em 10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto,
o percentual estabelecido na lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115,
V, da Constituição Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade
por este E. Tribunal de Justiça.
III – PEDIDO
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 2.144, de
13 de abril de 2016, do Município de Cachoeira Paulista, que fixa percentual mínimo de 2% (dois por
cento) das funções de confiança e/ou cargos em comissão na estrutura da Câmara
Municipal a serem preenchidos por servidores de carreira.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara
Municipal de Cachoeira Paulista, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 11 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam
Protocolado nº
94.396/16
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe
mencionado, em face da Lei nº 2.144, de
13 de abril de 2016, do Município de Cachoeira Paulista, que fixa o percentual mínimo de 2% (dois por
cento) dos cargos em comissão e/ou funções de confiança na estrutura da Câmara
Municipal a serem preenchidos por servidores de carreira.
2. Ciência ao interessado, remetendo-lhe
cópia da petição inicial e deste despacho.
São Paulo, 11 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam