Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado nº 59.592/2016

 

 

 

 

Ementa:

 

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais, que dispõe sobre a revisão dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretário Municipais.

2.      A revisão geral anual da remuneração é direito exclusivo dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

3.      Violação do princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual) que alberga a inalterabilidade do subsídio durante a legislatura municipal.

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais, pelos fundamentos a seguir expostos:

1.     DO Ato Normativo Impugnado

A Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - O subsídio do Prefeito e do Vice-Prefeito, fixado pela Lei nº 3.149, de 14 de agosto de 2012, fica da seguinte forma:

I. reajuste de 4% sobre o subsídio do mês de março de 2016, a partir de 1º de abril de 2016, a ser pago no mês de maio de 2016;

II. reajuste de 4% sobre o subsídio do mês de março de 2016, a partir de 1º de maio de 2016, a ser pago no mês de junho de 2016;

III. reajuste de 4% sobre o subsídio do mês de março de 2016, a partir de 1º de junho de 2016, a ser pago no mês  de julho de 2016;

Art. 2º - Fica concedido também o percentual e datas de reajuste estipulado no artigo anterior, aos subsídios dos Secretários Municipais, fixados pela Lei nº 2.429, de 29 de julho de 1999.

Art. 3º - As despesas decorrentes das disposições desta Lei, correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.” (sic)

O ato normativo transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, pois viola a “regra da legislatura”, prevista no art. 29, VI, c.c. o art. 37, ambos da CF e os princípios da moralidade (CE, art. 111) e da anterioridade (CF, art. 29 c.c. o art. 144 da CE), como adiante será demonstrado.

 

2.     dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

          Os arts. 2º e 3º da Lei Municipal nº 3.446, de 1º de abril de 2016, de Batatais, estabelecem reajustes aos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, a serem pagos nos meses de maio, junho e julho do mesmo ano de 2016.

           Desta forma, a lei mencionada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. O ato normativo contestado viola os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

 

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

a.           Da inexistência de revisão geral anual aos agentes políticos

A lei ora impugnada, ao fixar mencionados reajustes, na prática estipulou aumento de subsídios, o que não é previsto nas Constituições Estadual e Federal. Reajuste não coincide com a revisão geral anual, todavia, aplica-se o mesmo raciocínio que conclui pela impossibilidade de sua aplicação aos agentes políticos, conforme será esclarecido a seguir.

O Prefeito, o Vice-Prefeito e os Secretários Municipais são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos, porquanto têm o status de agentes não profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política por eleição.

A Constituição Estadual não autoriza a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) – é restrito e exclusivo dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo (art. 115, XI), vulnerando, além disso, a legalidade e a moralidade (art. 111, Constituição Estadual).

Os agentes políticos não têm as garantias da revisão geral anual que, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, igualmente violado (e que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, como magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional do seu vínculo à função pública.

Neste sentido, já se decidiu neste Órgão Especial em relação a Prefeitos, Vice Prefeitos e Secretários Municipais:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Tupã - Expressões contidas na Lei n° 177/2010 e Lei Complementar n° 198/2011 que concederam revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal (Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários) - Nova Lei Complementar n° 228/2012 que fixou subsídio a partir de 01/01/2013, após a propositura da ação, e manteve a forma de reajuste anual - Preliminar de perda de objeto rejeitada - Possibilidade de apreciação nestes autos da alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta, artigo 2º da Lei Complementar n° 228, de 30 de novembro de 2012 e, por arrastamento, dos diplomas legais inicialmente impugnados - Inconstitucionalidade da revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal - Revisão conferida exclusivamente aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo - Violação aos artigos 111, 115, XI e XV, e 144, todos da Constituição do Estado São Paulo, correlatos ao artigo 37, "caput", X e XIII, e 39, §3°, ambos da Constituição Federal - Inconstitucionalidade decretada” (ADIN nº 0275889-59.2012.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Junior, j. 14/08/2013 – g.n.).

No mesmo sentido, é a manifestação doutrinária:

A garantia da irredutibilidade não se estende aos agentes políticos investidos em mandatos e que não integram carreiras. Com efeito, diferentemente dos servidores públicos, esses agentes políticos não gozam da garantia, uma vez que a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas. Tampouco há legitimidade na vinculação da revisão geral do funcionalismo público para fins da concessão de reajuste dos agentes políticos. A fixação dos subsídios dessa espécie de agentes políticos atende ao seu específico regime jurídico, incomparável com os demais, denotando-se limites e parâmetros diferenciados, razão pela qual não se inserem na revisão geral prevista no art. 37, X, da Constituição.

(...)

É importante ressaltar que a evolução histórico-constitucional brasileira da irredutibilidade ressalta aspectos subjetivos (de exceção passou a regra) e objetivos (enumeração taxativa da limitação de seu alcance e de sua extensão, ainda que, atualmente, pela adoção da técnica normativa da remissão a preceitos constitucionais). Se ela não é absoluta, como revelam as remissões normativas daquilo que pode decrescer a remuneração (arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I), constata-se que, a par da irredutibilidade em favor dos vencimentos dos servidores públicos estar ligada indissociavelmente ao direito de revisão geral anual (art. 37, X e XV) - porque esta poderia implicar aumento ou diminuição conforme a valorização ou não da moeda, e tendo a remuneração natureza de dívida de valor, se impede a redução - quando a Constituição Federal quis estabelecer irredutibilidade de subsídio e direito à revisão geral anual a outras espécies de agentes públicos políticos o fez expressamente, como se percebe dos citados arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c.

Poder-se-ia afirmar que essa impressão é falsa porque nos art. 37, X e XV, há remissão explícita ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, mormente porque se referem ao art. 39, § 4º, cuja redação daria a impressão de abranger os agentes políticos no raio de ação do direito à revisão geral anual contido no art. 37, X. Entretanto, tal argumento despreza a obviedade: o regime remuneratório (por subsídio) de agentes políticos temporariamente investidos em mandato eletivo ou na administração superior (Ministros de Estado e Secretários de Estados e Municípios) é diferenciado do regime daqueles vitalícios em cargos isolados ou de carreira técnico-científica, e que possuem com explícita referência à irredutibilidade e a revisão geral anual (arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c). Além disso, se essa fosse a concepção constituinte, haveria previsão expressa, nesse sentido, nos arts. 27, § 1º, 28, § 2º, 29, V e VI, 49, VII e VIII, e que, se houvesse, seria absolutamente contraditória à regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI), pela qual durante esse período os subsídios são inalteráveis” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 166-167, 222-224).

         Assim, a lei combatida ofende o inciso XI do art. 115 da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal, e que deve ser analisado em conjunto ao art. 39, § 3º, da Carta Magna, pois os agentes políticos não foram contemplados com o direito à revisão geral anual de sua remuneração que é adstrito aos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.

 

b.    Da violação ao princípio da moralidade administrativa

         A Lei Municipal nº 3.446/2016, de Batatais, ofende o princípio da moralidade administrativa, inscrito no art. 111 da Constituição Federal, em razão de esse princípio inibir a fixação ou alteração da remuneração dos agentes políticos durante a legislatura, consoante doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1983, 3ª ed., pp. 203, 252; Pedro Calmon. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, 3ª ed., p. 125; Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 211-212) e jurisprudência (STF, RE 206.889-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 25-03-1997, v.u., DJ 13-06-1997, p. 26.718; STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008; STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

         A esse propósito, convém obtemperar que a Emenda Constitucional n. 19/98 não obliterou a sua eficácia com a omissão de regra explícita (STF, AI-AgR 417.936-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, 22-04-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 38; STF, RE 484.307-PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 17-06-2008, DJe 30-06-2008), que foi restaurada com a Emenda Constitucional n. 25/00. Com efeito, em se tratando de princípio jurídico, a omissão de regra específica a densificá-lo não subtrai sua eficácia (notadamente, a negativa). O Supremo Tribunal Federal definiu, nos arestos mencionados, que não houve proibição à regra da anterioridade e asseverou que ela decorre do princípio da moralidade administrativa.

         A regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI) encontrava-se em vigor.

         E ela se aplicava aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual, que determina a incidência dos princípios da Constituição Federal – norma remissiva que constitui parâmetro no controle abstrato de constitucionalidade de lei local em face da Constituição Estadual por sua incorporação nesta, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010) – não bastasse a eficácia do princípio da moralidade para sublimar a inalterabilidade do subsídio durante a legislatura municipal.

         Neste sentido, proclama-se que “o subsídio do prefeito é fixado pela Câmara Municipal até o final da legislatura para vigorar na subseqüente” (STF, RE 204.889-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, 26-02-2008, m.v., DJe 16-05-2008), pois “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269).

4.     DOS PEDIDOS

 a. Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Batatais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais.

b. Do Pedido Principal

Face ao exposto, requere-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Batatais, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

                            São Paulo, 03 de agosto de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mam


 

Protocolado nº 59.592/16

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 3.446, de 1º de abril de 2016, do Município de Batatais, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 05 de agosto de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smânio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/mam