EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 42.110/2016
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.
Criação abusiva de cargos em comissão pela Lei Complementar n° 04, de 20 de
março de 2013, do Município de Salto de Pirapora. 1. Inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão de “Chefe de Divisão de Administração da
Maternidade”, “Chefe de Seção do CRAS” e “Chefe de Seção de Publicidade
Institucional”, criados pelo
artigo 2º, b, da Lei Complementar nº 04, de 20 de março de 2013, do Município
de Salto de Pirapora. 2. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em
comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção senão
funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem exercidas
por servidor público investido em cargo de provimento efetivo. Descrição
genérica, imprecisa e indeterminada de atribuições. 3. Violação dos artigos 111, 115, II e V, da
Constituição Estadual.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993,
e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV,
da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 42.110/2016, que segue anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face dos cargos de “Chefe de Divisão de
Administração da Maternidade”, “Chefe de Seção do CRAS” e “Chefe de Seção de
Publicidade Institucional”, criados pelo artigo 2º, b,
e cujas atribuições encontram-se descritas no Anexo, da Lei Complementar nº 04,
de 20 de março de 2013, do Município de Salto de Pirapora, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei Complementar nº 04, de 20 de março
de 2013, do Município de Salto de Pirapora, tem no que interessa para o
desfecho da presente ação, com o nosso destaque, a seguinte redação:
“(...)
Art. 2°- Ficam criados e, por conseguinte, acrescentados
no Quadro Permanente de Pessoal, Anexo I da Lei Complementar n° 003/2009, de 31
de março de 2009, alterado pela Lei Complementar n° 004/2009, de 23 de abril de
2009, os seguintes cargos de provimento efetivo e de provimento em comissão,
nas quantidades, referências, jornadas e requisitos que especifica:
(...)
b) cargo de provimento em comissão:
Chefe de Divisão de Administração da Maternidade – 1 – referência 134, jornada 40 horas semanais, conhecimento específico na área.
Chefe de Seção do CRAS – Centro de Referência em Assistência Social – 1 – referência 128, jornada 40 horas semanais, conhecimento específico na área.
Chefe de Seção de Publicidade Institucional – 1 – referência 128 – jornada 40 horas semanais, formação superior em jornalismo.
(...)
ANEXO DA LEI COMPLEMENTAR N° 004/2013
De 20 de março de 2013.
SÚMULA DE ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS
(...)
CHEFE DE DIVISÃO DE ADMINISTRAÇÃO DA MATERNIDADE:
Todas as atribuições comuns as Chefias de Divisão da Prefeitura, e as específicas de administrar a maternidade municipal, no tocante às instalações físicas, pessoal técnico, pessoal administrativo, pessoal de serviços gerais, pessoal de apoio, materiais permanentes, materiais de consumo; organizar o atendimento do público que se dirige à unidade de saúde; organizar o fluxo de pessoas; cumprir determinações emanadas da Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal de Salto de Pirapora.
(...)
CHEFE DE SEÇÃO DO CRAS – CENTRO DE REFERÊNCIA EM ASSISTÊNCIA SOCIAL:
Todas as atribuições constantes da Lei Complementar n° 003/2009, de 31 de março de 2009 e as específicas inerentes às atividades e atribuições próprias do CRAS – Centro de Referência em Assistência Social; cumprir com as determinações da chefia superior, no sentido da implantação e execução de programas de assistência social; coordenar as ações do CRAS; orientar os servidores municipais lotados na subunidade administrativa da Secretaria da Promoção Social e Habitação; cumprir outras determinações correlatas emanadas da chefia superior.
CHEFE DE SEÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL:
Todas as atribuições inerentes à chefia de Seção estabelecidas na Lei Complementar n° 003/2009 de 31 de março de 2009 e mais as específicas de cuidar das publicações institucionais da Prefeitura Municipal de Salto de Pirapora, na forma do estatuído na Constituição Federal e as demais de interesse público.
(...)” (fls. 06/32) - grifo
nosso.
2.
DO
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição
do Estado de São Paulo.
Com
efeito, as normas contestadas
são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
3.
DOS CARGOS DE “CHEFE DE DIVISÃO DE ADMINISTRAÇÃO DA
MATERNIDADE”, “CHEFE DE SEÇÃO DO CRAS” E “CHEFE DE SEÇÃO DE PUBLICIDADE
INSTITUCIONAL”
As
atribuições descritas no Anexo da Lei Complementar Municipal n° 04/2013, de Salto
de Pirapora, dos cargos de provimento em comissão de “Chefe de Divisão de Administração da Maternidade”, “Chefe de Seção do
CRAS” e “Chefe de Seção de Publicidade Institucional”, criados pelo artigo 2º,
b, do referido diploma legal, não expressam atribuições de chefia, direção ou
assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas,
profissionais e ordinárias. Bastante sintomática, aliás, a generalidade das
funções descritas.
No
que tange ao cargo público em comissão de “Chefe
de Divisão de Administração da Maternidade”, figuram dentre as suas funções
as de administrar a maternidade municipal, no tocante às instalações
físicas, pessoal técnico, pessoal administrativo, pessoal de serviços gerais,
pessoal de apoio, materiais permanentes, materiais de consumo; organizar o
atendimento do público que se dirige à unidade de saúde; organizar o fluxo de
pessoas, atribuições estas nitidamente operacionais e burocráticas (Anexo
da Lei em comento).
Por
seu turno, o cargo de “Chefe de Seção do
CRAS” possui como atribuições cumprir com as determinações da chefia
superior, no sentido da implantação e execução de programas de assistência
social e orientar os servidores municipais lotados na subunidade administrativa
da Secretaria da Promoção Social e Habitação, funções estas evidentemente subalternas,
ordinárias e operacionais (Anexo da Lei em comento).
No
que pertine às atribuições do cargo de “Chefe
de Seção de Publicidade Institucional”, figura dentre as suas atribuições a
de cuidar das publicações institucionais da Prefeitura Municipal de Salto de
Pirapora, atribuição esta nitidamente ordinária e operacional (Anexo da Lei
em comento).
Como
bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:
“A criação de tais cargos é exceção a
esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de
execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta
fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos
casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o
servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de
atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem
vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a
autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por
servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e
títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI
173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
Não
há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o
controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem
desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115
da Constituição Estadual.
Nesse
sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em
comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica,
operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e
direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de
provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.
A
criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada,
artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V,
da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição
Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as
quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções
técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido
de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Não
é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego
público, mas somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições
de natureza política de assessoramento, chefia e direção. Assim, é vedada a
criação de cargos de provimento em comissão com funções meramente burocráticas,
operacionais, técnicas, de natureza profissional e permanente.
Como
é cediço, os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às
atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais
esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos
para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle
de diretrizes político-governamentais.
A jurisprudência
proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em
comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao
exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de
assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes,
v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE
680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012;
STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE
693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012;
STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u.,
DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot
Akel, v.u., 30-01-2008).
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
Há,
com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse,
estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para
acesso ao serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal
Federal, que “a criação de cargo em
comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites
à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com
a permissão para tal criação, “propiciar
ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício
de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”
(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Cumpre observar que os cargos mencionados não refletem
a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
4.
DOS
PEDIDOS
a. Do pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Salto de Pirapora apontados como violadores de princípios e regras
da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta
ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil
reparação.
À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, dos cargos de “Chefe de Divisão de Administração da Maternidade”, “Chefe de Seção do
CRAS” e “Chefe de Seção de Publicidade Institucional”, criados pelo artigo 2º, b,
e cujas atribuições encontram-se descritas no Anexo, da Lei Complementar nº 04,
de 20 de março de 2013, do Município de Salto de Pirapora.
b. Do pedido principal
Posto
isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao
final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos cargos
de “Chefe de Divisão de Administração da
Maternidade”, “Chefe de Seção do CRAS” e “Chefe de Seção de Publicidade
Institucional”, criados pelo artigo 2º, b, e cujas atribuições encontram-se descritas no
Anexo, da Lei Complementar nº 04, de 20 de março de 2013, do Município de Salto
de Pirapora.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Salto de Pirapora, bem como citado o Procurador-Geral do Estado
para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova
vista, posteriormente, para manifestação final.
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 10 de agosto de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/ts
Protocolado nº 42.110/2016
Assunto: Inconstitucionalidade dos cargos de “Chefe de Divisão de Administração da Maternidade”, “Chefe de Seção do CRAS” e “Chefe de Seção de Publicidade Institucional”, criados pelo artigo 2º, b, e cujas atribuições encontram-se descritas no Anexo, da Lei Complementar nº 04, de 20 de março de 2013, do Município de Salto de Pirapora.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 10 de agosto de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca