EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 46.856/2016

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, que Disciplina a contratação de pessoal por tempo determinado, segundo o disposto no artigo 37, IX, da Constituição Federal e dá outras providências.

2)     A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento e inscrever a determinação do prazo.

3)     Lei local que genericamente autoriza a Prefeitura Municipal a contratar empregados para atender as necessidades temporárias de excepcional interesse público é incompatível com os arts. 5º, I, 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

4)     A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, compatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

1.                DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas esta petição se reportará, foi instaurado a partir de representação elaborada pela Promotoria de Justiça da Comarca de São Vicente, a fim de apurar a constitucionalidade da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente.

 

A Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, que Disciplina a contratação de pessoal por tempo determinado, segundo o disposto no artigo 37, IX, da Constituição Federal e dá outras providências, tem a seguinte redação (fl. 54):

“(...)

Art. 1º - Esta Lei disciplina os casos de contratação de pessoal por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, segundo o disposto no artigo 37, IX, da Constituição Federal.

Art. 2º - Entende-se como necessidade de excepcional interesse público aquele que, dizendo respeito à finalidade ou dever da Administração Municipal:

I – decorra de fato imprevisível ou inevitável;

II – não possa ser satisfeita segundo os meios ordinários disponíveis;

Art. 3º - No caso do inciso I, a temporariedade do fato determina o prazo de contratação.

Art. 4º - A contratação faz-se por escrito, devendo o respectivo instrumento, sob pena de nulidade, mencionar:

I – sua causa, finalidade e fundamento jurídico;

II – a qualificação técnica do contratado;

III – a duração do vínculo;

IV – A dotação orçamentária pela qual devam correr as despesas.

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

 

2. O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A lei municipal impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.

A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

A lei municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

(...)”

3.   FUNDAMENTAÇÃO

         Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

A lei local impugnada genericamente é instituída para disciplinar as contratações por tempo determinado que decorra de fato imprevisível ou inevitável e que não possa ser satisfeita segundo os meios ordinários disponíveis, à míngua de qualquer característica excepcional.

Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

         A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

Com efeito, as situações ventiladas no art. 2º não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

Observa-se também que a Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, não dispôs de prazo de duração das hipóteses genéricas que dão ensejo à contratação temporária.

Houve apenas menção no art. 3º, do ato normativo citado, de que a hipótese do inciso I do art. 2º - decorra de fato imprevisível ou inevitável – durará enquanto a temporariedade do fato persistir, o que demonstra abusividade e demonstra que não se trata de situação de urgência.

A ausência de determinação do prazo da contratação investe, à margem de concurso público, servidores públicos para desempenho de suas funções por tempo indeterminado, destoando da regra do exercício de função pública profissional por vínculo permanente mediante provimento definitivo em cargo público (art. 115, II, Constituição Estadual; art. 37, II, Constituição Federal).

O ato normativo impugnado, além de não se prestar a regular, conforme comando constitucional, as hipóteses de contratação para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, acaba por estabelecer delegação inversa de competências em violação ao art. 5º, § 1º da Constituição Estadual.

À mingua de regulamentação da contratação para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, ficou investido o Poder Executivo do poder de discricionariamente estabelecer o prazo, hipótese, condições e limites da contratação, atribuições conferida ao Poder Legislativo via regular processo legislativo.

A lei que deveria disciplinar o preceito constitucional estadual, adequando sua normatização às peculiariedades locais, absteve-se de tal propósito, delegando desta forma, ao Executivo, a mais ampla e irrestrita liberdade na valoração e caracterização do que seja o excepcional interesse público e das situações de emergência que invoquem sua aplicação.

A Constituição Estadual com o desiderato de opor óbice a eventuais fraudes à regra do concurso público, prescreve que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 115, X), impondo ao Poder Legislativo, que se crie rol exaustivo, sem embargo de que se possa, como é natural ao processo político, adensá-lo ou diminuí-lo, sempre, contudo, por alteração formal, na via do devido processo legislativo.

O fato é que o constituinte preferiu, ao contrário do assegurado pelo ato normativo impugnado, não deixar o tema à exclusiva discricionariedade do administrador público, que poderia exorbitar unilateralmente nesta modalidade de ingresso no serviço público que foge à regra dos concursos de provas ou de provas e títulos.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Dispositivos da Lei nº 3.581, de 20 de novembro de 2013, que disciplina as contratações por tempo determinado no Município de Adamantina. Ausência do requisito de necessidade temporária de excepcional interesse público, reportando-se a norma a atividades regulares e corriqueiras. Repercussão geral reconhecida no STF (Tema nº 612). Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2069047-08.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Tristão Ribeiro, julgado em 26 de agosto de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Dispositivos da Lei nº 214/2000 do Município de Itajobi, que instituiu o Programa de Saúde da Família, e alterações posteriores – Contratações por tempo determinado – Necessidade de observância da regra de prestação de concurso público, com interpretação restritiva às hipóteses que a excepcionam – Para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável – Requisitos não preenchidos no caso – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade configurada – Ação julgada procedente, com modulação dos efeitos”.  (TJSP, ADI nº 2225484-77.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 16 de março de 2016, v.u)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários.

Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF.

Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE).

Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99).

Procedente, em parte, a ação, com modulação. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

O tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo STF, o qual assim sem se manifestou:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)

                   Portanto, a Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, é incompatível com os arts. 5º, §1º, 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

4.  DOS PEDIDOS

a. Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências, lesivas ao erário.

Está claramente demonstrado não haver preenchido o requisito do interesse público excepcional à justificar a contratação temporária, nos termos do art. 115, X, da CE.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos contratados temporários nomeados, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente.

b. Do pedido principal

Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente.

Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Vicente, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

         São Paulo, 16 de agosto de 2016.

     Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

aca/mi

Protocolado n. 46.856/2016

Interessado:  Promotoria de Justiça de São Vicente

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 2.286, de 14 de novembro de 1989, do Município de São Vicente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 16 de agosto de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/mi