Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado
n. 84.293/2016
Ementa:
1) Lei nº 2.352, de 18 de agosto de
2005, do Município de Itaquaquecetuba, que "DISPÕE SOBRE O PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO DESEMPREGO, QUE ESTA ESPECIFICA".
2) Programa social para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, destinada a absorver
mão de obra desempregada, com contratação de pessoal por tempo determinado.
Concessão de bolsa auxílio desemprego vinculada a contraprestação de serviços
para a municipalidade.
3) Inconstitucionalidade por excepcionar
a regra do concurso público. Previsões que não se ajustam à regra do artigo
115, inc. X, da Constituição do Estado.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição
Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com
pedido liminar, em face da Lei nº 2.352, de 18 de agosto de 2005, do Município
de Itaquaquecetuba, que "DISPÕE
SOBRE O PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO DESEMPREGO, QUE ESTA ESPECIFICA",
e por arrastamento das Leis nº 2.519, de 22 de junho de 2007, nº 2.599, de 27
de março de 2008, nº 2.664, de 26 de fevereiro de 2009, nº 2.775, de 22 de
janeiro de janeiro de 2010, nº 2.883, de 24 de fevereiro de 2011, nº 2.952, de
17 de janeiro de 2012, nº 3.013, de 27 de fevereiro de 2013, nº 3.111, de 26 de
fevereiro de 2014, nº 3.169, de 26 de março de 2015, nº 3.304, de 03 de março
de 2016, e do Decreto nº 7.035, de 11 de março de 2014, todos do Município de
Itaquaquecetuba, pelos fundamentos a seguir expostos:
I
– OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 2.352, de 18 de agosto de 2005, do Município
de Itaquaquecetuba, que "DISPÕE
SOBRE O PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO DESEMPREGO, QUE ESTA ESPECIFICA",
assim dispõe:
Art. 1º - Fica criado o Programa
Emergencial de Auxílio Desemprego, destinado a proporcionar capacitação
profissional, ocupação e renda para pessoas integrantes da população
desempregada, que sejam residentes e domiciliadas no Município de
Itaquaquecetuba. (Redação dada pela Lei nº 3111/2014)
§ 1º - O Programa Emergencial de Auxílio Desemprego será destinado a atender as
necessidades das Secretarias Municipais, especialmente a Secretaria Municipal
de Serviços Urbanos. (Redação dada pela Lei nº 3111/2014)
§ 2º - A coordenação geral do Programa Emergencial de Auxílio Desemprego será
da Secretaria Municipal de Administração e Modernização. (Redação acrescida
pela Lei nº 3111/2014)
Art. 2º - Fica o
Poder Executivo autorizado a celebrar convênio com instituições de qualificação
profissional, sem fins lucrativos visando dar cumprimento ao disposto nesta
Lei.
Art. 3º - O Programa Emergencial de Auxílio Desemprego
consiste:
I - na concessão de bolsa auxílio desemprego no valor de R$
350,00 (trezentos e cinqüenta reais) mensais; (Redação dada pela Lei nº 2418/2006)
II - no auxilio alimentação no valor de R$ 35,00 (trinta e cinco reais)
mensais; (Redação dada pela Lei nº 2418/2006)
III - no auxilio transporte no valor de R$ 35,00 (trinta e cinco reais) mensais. (Redação dada pela Lei nº 2418/2006)
IV - seguro de vida nos termos da Lei.
§ 1º - São condições para alistar no Programa, mediante seleção simples:
I - residência no Município e estar desempregado;
II - alistamento de apenas 01 (um) beneficiário por núcleo família;
§ 2º - A jornada de atividade no Programa será de 04 (quatro) dias por semana, não excedendo às 08 (oito) horas diárias, mais 01 (um) dia de curso de qualificação ou alfabetização.
§ 3º - O bolsista será excluído do Programa nas seguintes hipóteses:
I - não comparecimento ao início das atividades;
II - não comparecimento às aulas do curso de qualificação ou
alfabetização, e/ou às palestras;
III - não observar as normas estabelecidas pela Administração;
IV - quando adotar comportamento inadequado ao funcionamento do Programa;
V - conseguir recolocação profissional no mercado formal.
§ 4º - As vagas constantes do Programa Emergencial de Auxílio Desemprego não
representa, em hipótese alguma, vínculo empregatício, pois ele é de caráter
assistencial, não se revestindo das características que configuram tal vínculo.
§ 5º - Ficam impedidos de receber os benefícios do programa
emergencial de Auxílio Desemprego, as pessoas que estão recebendo auxílio
desemprego.
Art. 4º - A participação no Programa Emergencial de
Auxílio Desemprego não representa, em hipótese alguma, vínculo empregatício,
pois ele é de caráter assistencial, não se revestindo das características que
configuram tal vínculo.
Art. 5º - As despesas decorrentes com a execução da
presente Lei, correrão à conta das dotações próprias
do orçamento.
Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Por fim, o Decreto nº 7.035, de 11 de março de 2014,
do Município de Itaquaquecetuba, que “Regulamenta
a Lei Municipal nº 3111,
de 26 de fevereiro de 2014 e dá outras providências”, prevê:
Art. 1º - O Programa Emergencial de
Auxílio Desemprego, instituído pela Lei Municipal nº 2352, de 18 de agosto de
2005, com alteração da Lei Municipal nº 3111,
de 26 de fevereiro de 2014, passa a ser regulamentado pelo presente Decreto.
Art. 2º - Pode se inscrever no Programa a pessoa maior
de 18 (dezoito) anos de idade, com domicílio no Município de Itaquaquecetuba e
que comprove a condição de desempregado.
Parágrafo único. A comprovação da condição de desempregado pode ser feita
preferencialmente mediante a apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência
Social, ou ainda por meio de declaração assinada pelo interessado, na qual se
responsabilize pela veracidade das informações declaradas, sob as penas da Lei.
Art. 3º - O cadastro das pessoas interessadas em
participar do Programa é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Administração
e Modernização.
§ 1º - A pessoa interessada preencherá ficha apropriada, a qual conterá todas
as informações necessárias para o cadastramento, observadas as regras do
sistema geral de pessoal da Prefeitura Municipal, e desde então passará à condição
de "candidato" ao Programa.
§ 2º - A Administração manterá o cadastro em ordem cronológica de recebimento
das fichas, e os candidatos serão chamados de acordo com a necessidade, e
encaminhados diretamente à chefia imediata correspondente à vaga em aberto.
Art. 4º - A chefia imediata procederá à entrevista com
o candidato, concluindo por sua inscrição, ou não, no Programa.
Art. 5º - O inscrito no Programa passará a
denominar-se "bolsista", e terá direito.
I - Bolsa auxílio reajustável anualmente pelo IPCA do mês de outubro, com
alteração em fevereiro do ano seguinte;
II - Auxílio Transporte;
III - Auxílio Alimentação, e
IV - Seguro de vida.
Art. 6º - A jornada de trabalho do bolsista é de 40 (quarenta) horas semanais, não sendo admissível a hora extra, sendo que 8 (oito) horas desse total serão destinadas à capacitação e desenvolvimento, o que poderá ser realizado dentro da própria unidade de trabalho, desde que compatível com as atividades de bolsista.
Art. 7º - A participação no Programa tem o prazo inicial de 180 (cento e oitenta) dias, renováveis por iguais e sucessivos períodos, até o prazo máximo e improrrogável de 02 (dois) anos.
Parágrafo único. A Cada renovação o bolsista deverá
apresentar sua Carteira de Trabalho e Previdência Social para análise por parte
da Administração.
Art. 8º - O Bolsista poderá ser
excluído do Programa se:
I - Não comparecer para início das atividades;
II - Não cumprir as regras estabelecidas pela chefia e pela Administração
Geral;
III - Quando Adotar comportamento inadequado ao funcionalismo do Programa;
IV - Conseguir recolocação profissional no mercado formal, e
V - Em todas as outras hipóteses que a Administração entender cabível, cuja decisão caberá exclusivamente à Secretaria Municipal de Administração e Modernização.
Art. 9º
- Para atendimento do objetivo do Programa, fica fixado o numero de 1.350 (um
mil trezentos e cinquenta) vagas de bolsista no Município.
Art. 10 - O Programa a que se
refere a Lei Municipal nº 3111,
de 26 de fevereiro de 2014, não representa qualquer vínculo empregatício com o
Município.
Art. 11 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
II
– O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
A Lei nº 2.352, de 18 de
agosto de 2005, do Município de Itaquaquecetuba, é verticalmente incompatível com a
Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus artigos 111;
115, incisos II e X; e 144, verbis:
“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Regra constitucional é a
admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante
prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II,
da Constituição Federal.
Ressalvada a investidura
em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada
por essa regra.
De outra parte, a
Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37,
IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e
excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de
necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.
Destarte, não é qualquer
interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra
exceção à regra do concurso público –, mas, tão somente, aquela que veicula uma
necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo,
ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse
público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal.
Embora tenha motivos
nobres, por ser voltada ao amparo do trabalhador desempregado, a lei impugnada
é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com o seu art. 115, II e X.
A
admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais,
urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades
administrativas, não servindo ao combate ao desemprego. E, ademais, não se
admite dissimulação na investidura em cargo ou emprego públicos
à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais.
Neste sentido:
“A regra é a admissão de
servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à
regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a
contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese,
deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b)
tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse
público excepcional. Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza
o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos:
inconstitucionalidade” (STF, ADI 2.229, Rel. Min. Carlos Velloso, 09-06-2004,
DJ 25-06-2004).
“Ação direta de
inconstitucionalidade - Artigo 2º., inciso V, da Lei
n° 1.423, de 08 de outubro de 2002, que dispõe sobre a contratação temporária
de excepcional interesse público e considera como tal a contratação de pessoal
para ministrar cursos profissionalizantes, de natureza não permanente -
Dispositivo que institui hipótese de contratação de servidor que não se
enquadra em situação emergencial e de excepcional interesse público, de modo a
dispensar a regra geral que é a da contratação mediante concurso público
Inadmissibilidade - Violação dos artigos 111,115, Il e X e 144 da Constituição
do Estado de São Paulo – Ação procedente” (TJSP, ADI 161.768-0/0-00, Rel. Des.
Debatin Cardoso, 22-10-2008).
Aliás, o art. 3º da Lei nº 2.352/05
ao definir o conteúdo do programa de emergencial de Auxílio-Desemprego,
subordina o recebimento da bolsa
auxílio-desemprego, auxílio alimentação, auxílio transporte e seguro de vida (art.
3º) à prestação de serviços ao município de forma genérica, apenas prevendo que
“será destinado a atender as necessidades das Secretarias Municipais,
especialmente a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos” (art. 1º, §1º).
No caso em exame, revestido de auxílio-desemprego, a lei disciplinou verdadeira contratação de pessoas desempregadas para prestação de serviços para a municipalidade, prevendo jornada de trabalho (art. 3º, § 2º), e valor da bolsa auxílio-desemprego, do auxílio alimentação, do auxílio transporte e do seguro de vida (incisos do art. 3º). Não define a lei situação excepcional que poderia justificar a contratação, o que evidencia a inconstitucionalidade dos referidos preceitos legais.
Por todas essas razões,
inconstitucionais são as hipóteses de contratação temporária, uma vez que a absorção de mão de obra desempregada,
com contratação de pessoal por tempo determinado, para prestar serviços à Municipalidade de Itaquaquecetuba contraria a Constituição do
Estado de São Paulo por falta de excepcional interesse público. Note-se que o
objetivo da legislação questionada é a contratação temporária de pessoas para executar tarefas genéricas
que não revelam a excepcionalidade.
Destarte, é possível afirmar que a lei impugnada ofende frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 111; 115, incisos II e X, e 144.
III – DO Pedido
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 2.352, de 18 de agosto de 2005, do Município de
Itaquaquecetuba, que "DISPÕE SOBRE O
PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO DESEMPREGO, QUE ESTA ESPECIFICA", do
Município de Itaquaquecetuba.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Itaquaquecetuba, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 25 de agosto de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm
Protocolado
n. 84.293/2016
Assunto: Análise
de constitucionalidade da Lei nº 2352/05 do Município de Itaquaquecetuba
1. Distribua-se a petição inicial
da ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 2.352, de 18 de agosto de
2005, do Município de Itaquaquecetuba, que "DISPÕE SOBRE O PROGRAMA EMERGENCIAL DE
AUXÍLIO DESEMPREGO, QUE ESTA ESPECIFICA do Município de Itaquaquecetuba
junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 25 de agosto de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm