Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado n. 41.908/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade por omissão. Município de Monte
Azul Paulista. Criação de órgão de advocacia pública. Mora injustificada do
dever de legislar. Função essencial à atividade jurisdicional.
Inconstitucionalidade por ação. Lei nº 1.958, de 14 de agosto de 2014 (arts. 4º
e 5º), do Município de Monte Azul Paulista. Dotação de competências próprias da
Advocacia Pública à Secretaria e ao Secretário dos Negócios Jurídicos.
1. A advocacia pública é instituição estatal predicada
como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração
Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial
do poder público.
2. A ausência de lei específica criando o respectivo
órgão no Município caracteriza mora injustificada do dever de legislar.
3. O cometimento de competências inerentes à Advocacia
Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou ao agente político que
o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da
profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com
chefia própria escolhida ad nutum
dentre os integrantes da respectiva carreira.
4. Incidência dos arts. 98, 99 e 100 da Constituição
Estadual aos Municípios por força de seu art. 144.
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com
o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição da República,
e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado em epígrafe referido,
vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face dos arts. 4º e 5º da Lei nº 1.958,
de 14 de agosto de 2014 e, por arrastamento, dos arts. 4º e 5º da Lei nº 1.825,
de 20 de fevereiro de 2013, ambas do Município de Monte Azul Paulista, cumulada com AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito Municipal e da Câmara Municipal de Monte Azul Paulista,
pelos fundamentos a seguir expostos:
I – A OMISSÃO NORMATIVA INCONSTITUCIONAL E
OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
Segundo se coletou nos autos
do protocolado que instrui a presente ação, não existe no Município de Monte
Azul Paulista órgão específico da Advocacia Pública, embora haja no quadro de
pessoal da Prefeitura Municipal cargos de Procurador Municipal.
Com
efeito, na estrutura orgânica da Prefeitura Municipal de Monte Azul Paulista, a
Lei nº 1.428, de 24 de abril de 2014, estabeleceu o Departamento Jurídico como órgão da Secretaria de Governo (art. 73,
§ 1º, II, "b"):
“Art. 73. A Estrutura
Básica da Administração Municipal compõe-se das seguintes Secretarias:
§ 1º A Secretaria de Governo (SG) tem a seguinte
estrutura básica:
(...)
II - Organização Departamental:
(...)
b) Departamento Jurídico (SG- 2), compreendendo:
- Coordenação de Procuradoria Fiscal e Judicial (SG-
21);
- Coordenação de Assessoria Administrativa e Técnica
Legislativa (SG- 22).
(...)”
No Anexo I da Lei nº 1.428, de 24 de abril de 2004
foram previstos 04 cargos de Procurador Jurídico, de provimento efetivo.
Posteriormente, através da Lei nº 1.825, de 20 de
fevereiro de 2013, foi criada a Secretaria
de Negócios Jurídicos no âmbito da estrutura administrativa do Município, bem
como o cargo de Secretário Municipal de
Negócios Jurídicos, com a seguinte composição, extraída do art. 1º:
“Art. 1º Fica criada, na estrutura administrativa
da Prefeitura Municipal de Monte Azul Paulista, a Secretaria Municipal de
Negócios Jurídicos integrada por:
I - Gabinete do Secretário, com:
a) Secretário Municipal de Negócios Jurídicos;
b) Advogado;
c) Assessoria Jurídica.
Parágrafo único. A Seção de Protocolo e Arquivo
ficará subordinada ao Advogado”.
O art. 4º do referido diploma legal estabelecia as
competências da Secretaria de Negócios Jurídicos nos seguintes termos:
“Art. 4º. Compete à Secretaria de Negócios
Jurídicos:
a) representar judicial e extrajudicialmente o
Município;
b) propor ao Prefeito ou a outra autoridade
municipal competente as medidas que se afigurem convenientes à defesa dos
interesses do Município ou à melhoria do serviço público
municipal,especialmente nas áreas conexas à sua esfera de atribuições;
c) processar sindicâncias, inquéritos
administrativos e demais procedimentos disciplinares;
d) zelar pelo estrito cumprimento da legislação
concernente ao Município, oficiando ao Prefeito ou a outra autoridade municipal
competente nos casos que tal se fizer necessário;
e) propor a ação civil pública, atendendo
determinação do Prefeito;
f) desempenhar outras atribuições compatíveis com
a natureza de suas funções;
g) propor todas as ações cíveis de interesse do
Município;
h) oficiar em todos os processos judiciais em que
haja interesse do Município até final decisão irrecorrível;
i) promover, privativamente, a cobrança amigável e
judicial, da dívida ativa;
j) por meio de seu Secretário Municipal de Negócio
Jurídicos oficiar nos procedimentos licitatórios, emitindo, quando o caso,
pareceres conclusivos.
k) orientar, auxiliar e prestar esclarecimento aos
munícipes em relação às matérias de interesse local envolvendo o Município”.
O art. 5º da Lei nº 1.825, de 20
de fevereiro de 2013, por sua vez, previa que o Secretário Municipal de
Negócios Jurídicos possuía as seguintes atribuições:
“Art. 5º O Secretário Municipal de Negócios Jurídicos
tem as seguintes atriuições:
I - exercer as funções jurídico-consultivas em
relação ao Poder Executivo e à Administração em Geral;
II - determinar a instauração:
a) dos inquéritos administrativos;
b) dos procedimentos e processos sumários;
c) das sindicâncias em geral;
III - emitir parecer nos procedimentos
administrativos;
IV - decidir sobre a propositura de ação
rescisória, bem como sobre a não interposição de recurso, podendo delegar estas
atribuições;
V - decidir sobre a inclusão de débito no rol das
cobranças inviáveis, quando o prosseguimento das diligências se afigure
anti-econômico e de acordo com as decisões do Poder Executivo”.
O Anexo I da mencionada lei previa a existência de dois
cargos de advogado, de provimento efetivo.
Na sequência, foi editada a Lei nº 1.958, de 14 de
agosto de 2014, que também dispondo sobre a Secretaria
de Negócios Jurídicos, modificou sua estrutura, revogando a Lei nº 1.825,
de 20 de fevererio de 2013.
O art. 1º do novo diploma legal assim dispõe:
“Art. 1º Fica criado, na estrutura administrativa da Prefeitura
Municipal de Monte Azul Paulista, a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos
integrados por:
I - Gabinete do Secretário, com:
a) Secretário Municipal de Negócios Jurídicos;
b) Procurador;
c) assessoria jurídica.
Parágrafo único. A Seção de Protocolo e Arquivo ficará subordinada
ao Procurador”.
A Lei nº 1.958, de 14 de agosto de 2014 também estabeleceu
no art. 4º as competências da Secretaria de Negócios Jurídicos:
“Art. 4º Compete à Secretaria de Negócios Jurídicos:
a) representar judicial e extrajudicialmente o Município;
b) propor ao Prefeito ou a outra autoridade municipal competente as
medidas que se afigurem convenientes à defesa dos interesses do Município ou à
melhoria do serviço público municipal, especialmente nas áreas conexas à sua
esfera de atribuições;
c) processar sindicâncias, inquéritos administrativos e demais
procedimentos disciplinares;
d) zelar pelo estrito cumprimento da legislação concernente ao Município,
oficiando ao Prefeito ou a outra autoridade municipal competente nos casos que
tal se fizer necessário.
e) propor a ação civil pública, atendendo determinação do Prefeito;
f) desempenhar outras atribuições compatíveis com a natureza de
suas funções;
g) propor todas as ações cíveis de interesse do Município;
h) oficiar em todos os processos judiciais em que haja interesse do
Município até final decisão irrecorrível;
i) promover, privativamente, a cobrança amigável e judicial, da
dívida ativa;
j) por meio de seu Secretário Municipal de Negócio Jurídicos
oficiar nos procedimentos licitatórios, emitindo, quando o caso, pareceres
conclusivos;
k) orientar, auxiliar e prestar esclarecimento aos munícipes em
relação ás matérias de interesse local envolvendo o Município”.
O art. 5º do mencionado ato normativo, por sua vez,
disciplinou as atribuições do Secretário de Negócios Jurídicos:
“Art. 5º O Secretário Municipal de Negócios Jurídicos tem as
seguintes atribuições:
I - exercer as funções jurídico-consultivas em relação ao Poder
Executivo e à Administração em Geral;
II - determinar a instauração:
a) dos inquéritos administrativos;
b) dos procedimentos e processos sumários;
c) das sindicâncias em geral.
III - emitir parecer nos procedimentos administrativos;
IV - decidir sobre a propositura de ação rescisória, bem como sobre
a não interposição de recurso, podendo delegar estas atribuições;
V - decidir sobre a inclusão de débito no rol das cobranças
inviáveis, quando o prosseguimento das diligências se afigure anti-econômico e
de acordo com as decisões do Poder Executivo”.
Por fim, o Anexo I do ato normativo, criou dois cargos
de Procurador, de provimento efetivo.
II – OS PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS
A omissão do Município de Monte
Azul Paulista em criar e organizar seu órgão de Advocacia Pública e a dotação
de atribuições próprias desse organismo à Secretaria e ao próprio Secretário de
Negócios Jurídicos, constante dos arts. 4º e 5º da Lei n. 1.958, de 14 de
agosto de 2014 (como antes ocorria nos termos dos arts. 4º e 5º da Lei n. 1.825,
de 20 de fevereiro de 2013), contrastam com os arts. 98 e 99, I, II, IV, V, VI,
VII e IX, e 100 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra de
seu art. 144, cuja redação é a seguinte:
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
Esse preceito que reproduz o
quanto disposto no caput do art. 29
da Constituição Federal limita e condiciona a autonomia municipal.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema
federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem
caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal
(José Afonso da Silva. Direito
constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e
deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição
Federal e na Constituição Estadual.
A
Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.
Ademais,
eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só
teria, ad argumentandum tantum,
espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo
do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em
assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou
aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.
E
assim preceitua a Constituição do Estado de São Paulo ao inserir a Procuradoria
do Estado entre os órgãos que executam funções essenciais à Justiça:
“Artigo 98 - A
Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à
administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada
diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo
orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse
público.
§ 1º - Lei
orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos
órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da
carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135
da Constituição Federal.
§ 2º - Os
Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá
de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial
e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.
§ 3º - Aos
procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de
efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias.
Artigo 99 - São
funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar
judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de
regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer
as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das
entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
(...)
IV - exercer
as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do
Estado;
V - prestar
assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover
a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
VII – propor ação civil pública representando o
Estado;
(...)
IX - realizar
procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei
especial;
(...)
Artigo 100 - A
direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do
Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição,
ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado,
na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O
Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os
Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e
representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de
bens, no ato da posse e de sua exoneração.
Esse traçado, aliás, se amolda
ao que consta na Constituição Federal em relação à Advocacia Pública, também
qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não sendo ocioso
registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe expressivos
preceitos como as reservas de lei complementar para sua instituição (art. 23,
parágrafo único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo (art. 24, § 2º, 3).
A – VINCULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS AO MODELO
CONSTITUCIONAL
Embora os preceitos dos arts.
98, 99 e 100 da Carta Política bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do
Estado, eles balizam a atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da
Constituição da República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente
ao perfil do órgão local de Advocacia Pública, na mesma medida em que os arts.
131 e 132 da Constituição da República.
Trata-se
de modelo de observância obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como
julgado, “a autonomia conferida aos
Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar
as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).
Ora,
se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública
como função essencial à Justiça essa prescrição é vinculante para os Municípios
na medida em que também eles carecem de organismo de representação, consultoria
e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública na
defesa de seus direitos e interesses.
É
importante gizar que a latere do
Ministério Público e da Defensoria Pública a Advocacia Pública é um dos atores
que compõem as funções essenciais à Justiça.
Trata-se
de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular
funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais
amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando
ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel.
Curso Objetivo de Direito Constitucional,
São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).
É
o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções
estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de
1988 “um bloco de funções públicas
autônomas, independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do
Estado, que são aquelas denominadas, funções
essenciais à justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:
“Esta essencialidade
à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à
expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela
prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de
essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção
e de representação judicial necessárias à zeladoria,
provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo
ordenamento jurídico” (Curso de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).
Discorrendo
a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a
“institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos
Estados” adicionando que:
“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de
advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo,
evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas
unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)”
(Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p.
625).
Ou
seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os
Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas
funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo,
impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham essas
missões, pois, lhes foram expressamente reservadas em favor de maior
profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da
representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria,
como sujeito de direitos e obrigações.
Bem
por isso a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia
Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes
arestos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI
COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º;
ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
- FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES
PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O
desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder
Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos
Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu
art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade
funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo
de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE
CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR
JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS
JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA”
(STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v.,
DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE
RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO
PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE
ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração
de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com
dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe
do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o
tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL
DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a
Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do
Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI
2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe
15-08-2008).
Curiosamente,
como se relata da exposição acima empreendida acerca do ambiente normativo de
Monte Azul Paulista, embora não haja órgão de Advocacia Pública Municipal, há
cargos de Procuradores Municipais que, como visto, se subordinam à Secretaria
de Negócios Jurídicos e ao Secretário de Negócios Jurídicos em detrimento da
profissionalidade, da objetividade e da imparcialidade no exercício das missões
institucionais.
Diante
dessa anômala situação que demonstra inconstitucionalidade por ação e por
omissão decorrente de contexto homogêneo, justifica-se a cumulação de ambos os
pedidos nesta ação, o que já foi abonado pela Suprema Corte como se constata
dos seguintes precedentes:
“18. A cumulação simples de pedidos típicos de ADI e
de ADI por omissão é processualmente cabível em uma única demanda de controle
concentrado de constitucionalidade, desde que satisfeitos os requisitos
previstos na legislação processual civil (CPC, art. 292)” (STF, ADI 4.650-DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 17-09-2015, m.v., DJe
24-02-2016).
“2. Quando se alega uma omissão inconstitucional
parcial, discute-se a validade de um diploma que teria afrontado a Carta
Federal por não ser suficientemente abrangente. Essas hipóteses se situam em
uma zona de fronteira entre a ação e a omissão inconstitucional, evidenciando a
relativa fungibilidade entre o controle de constitucionalidade das condutas
omissivas e comissivas. Por isso, é possível a cumulação de pedidos alternativos
de saneamento da omissão e de afastamento do diploma editado” (STF, ADI 4.079-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, 26-02-2015, v.u., DJe
05-05-2015).
B –
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: AUSÊNCIA DE ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA
Como
acima exposto, não há no Município de Monte Azul Paulista órgão de Advocacia
Pública mercê da cogência dos arts. 98 e 99 da Constituição Estadual.
Há,
pois, o dever constitucional de legislar, consubstanciado na obrigação de criar
e organizar no Município órgão de Advocacia Pública, e a contextura apresentada
demonstra indevida mora e inaceitável omissão a respeito, que impedem a
efetividade da norma constitucional, que pode ser colmatada pela ação de
inconstitucionalidade por omissão à luz do contido no § 4º do art. 90 da
Constituição Estadual, in verbis:
“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de
medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada
ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato
que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão
administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade”.
Quando a falta de efetividade
da norma constitucional se instala, frustrando a supremacia da Constituição,
cabe ao Judiciário suprir o déficit de legitimidade democrática da atuação do
Legislativo.
Um dos atributos das normas
constitucionais é sua imperatividade. Descumpre-se a imperatividade de uma
norma constitucional quer quando se adota uma conduta por ela vedada – em
violação a uma norma proibitiva, quer quando se deixa de adotar uma conduta por
ela determinada – em violação de uma norma preceptiva. Porque assim é, a
Constituição é suscetível de violação tanto por ação como por omissão. (Luís
Roberto Barroso, O controle de
constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2012, p.
279).
A omissão normativa
municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo reclama intervenção
excepcional do Judiciário para a realização da vontade constitucional, pois, as
normas constitucionais em pauta não possuem eficácia imediata por se exigir lei
instituindo e organizado a Advocacia Pública, tendo em vista que se trata de
normas de eficácia limitada (not
self-executing) e que se expõem ao controle de constitucionalidade por
omissão (Carlos Henrique Maciel. Curso
Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 786), e
desde que haja específico dever de legislar e inércia normativa injustificável,
como há no caso em questão. Neste sentido:
“Como regra geral, o legislador tem a faculdade
discricionária de legislar, e não um dever jurídico de fazê-lo. Todavia, há
casos em que a Constituição impõe ao órgão legislativo uma atuação positiva,
mediante a edição de norma necessária à efetivação de um mandamento
constitucional. Nesta hipótese, sua inércia será ilegítima e configurará caso
de inconstitucionalidade por omissão. Adotando-se a tríplice divisão das normas
constitucionais quanto a seu conteúdo, a omissão, como regra, ocorrerá em
relação a uma norma de organização ou em relação a uma norma definidora de
direito. As normas programáticas, normalmente, não especificam a conduta a ser
adotada, ensejando margem mais ampla de discricionariedade aos poderes
públicos” (Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no Direito
Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2014, 6ª ed., p. 280).
A
Suprema Corte acentua a propósito desse instituto que:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer
mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público,
que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição,
ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham
consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos
preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e
exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a
Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Desse non facere ou non praestare, resultará a
inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a
providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo
Poder Público” (STF, ADI-MC 1.458, Rel. Min. Celso de Mello, 23-05-96, DJ de
29-09-1996).
A
doutrina especializada pondera do mesmo modo que:
“a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade
por omissão também não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um
interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Trata-se, ao
contrário, de mecanismo voltado, precipuamente, para a defesa da Constituição.
Aliás, para a defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento
apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente
desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de
suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata da
constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, pp.
339-340).
A
ação direta é instrumento adequado para o reconhecimento da mora legislativa.
Para tanto, soa indispensável a existência do dever de legislar e a mora
injustificada.
Oswaldo Luiz Palu ressalta que:
“quando houver o claro e inequívoco dever de agir bem
como a possibilidade de realização poderá caracterizar-se a omissão, a permitir
o provimento mandamental no controle omissivo (...) A omissão legislativa
somente pode significar que o legislador não fez algo que positivamente lhe era
imposto pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não
fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele
constitucionalmente obrigado. A omissão tem conexão com uma exigência de ação
advinda da Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras palavras,
há o dever de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato
legislativo obrigado; b) quando a lei editada favorece um grupo, olvidando-se
de outros. É dizer: quando não se concretiza, ou não o faz, completamente, uma
imposição constitucional” (Controle de
Constitucionalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 2ª ed., p.
286).
E
além da respectiva declaração desse estado de omissão inconstitucional, compete
a fixação de prazo razoável para colmatação da lacuna e que se não for atendido
impõe medidas destinadas à eficácia concreta ao controle abstrato da omissão do
legislador, como professa Dirley da Cunha Júnior ao salientar que:
“impõe-se defender
um plus àquele efeito literal
previsto no §2º do art.103 da Constituição, de tal modo que, para além da
ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é
necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas
não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência
seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de
medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da
norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será
provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for
realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso”(Controle judicial das omissões do poder
público, São Paulo, Saraiva, 2004, p.547).
Tendo
presente que o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem como
finalidade assentada na Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa,
a interpretação finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à
conclusão de que a mera determinação de suprimento da omissão legislativa não
será suficiente, no caso concreto aqui examinado, pois, seguramente haverá
manutenção da situação de omissão inconstitucional.
Daí
porque o suprimento da omissão normativa infraconstitucional deve ser realizado
pela própria decisão proferida no controle concentrado, de tal sorte que será pertinente a fixação de prazo para que a lacuna
legislativa seja eliminada, bem como a determinação de que, na hipótese de
persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da
decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, funcione a Advocacia Pública do Município
de Monte Azul Paulista segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição
Estadual e da legislação estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado
(Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015).
Para assegurar a efetividade
e a supremacia da Constituição, é compatível à ação de inconstitucionalidade
por omissão, além da ciência da mora legislativa, a fixação de prazo para seu
suprimento e a colmatação da lacuna, sob pena de inutilidade do instituto e
desprezo à evolução experimentada à superação da omissão constitucional no
mandado de injunção. Além de outras medidas, a fixação de prazo atende ao
alvitre da literatura especializada (Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros,
2010, 14ª ed., pp. 328-331; Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira
Mendes. Controle concentrado de
constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., pp. 497-498; Flávia
Piovesan. Proteção judicial contra
omissões legislativas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 2ª ed., pp.
121-128; José Afonso da Silva. Comentário
contextual à Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p.
558). Neste sentido assim foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE
SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA
EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda
Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição,
foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos,
não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual
poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação,
desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a
demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco
dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da
Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de
lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é
possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e
aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade
parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam
uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas,
conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas
Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por
omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º,
da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados
de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na
elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para
declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que,
em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências
legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo
art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações
imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.
Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso
Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em
vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316,
3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus
limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja
promulgada contemplando as realidades desses municípios” (STF, ADI 3.682-MT,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09-05-2007, m.v., DJe 05-09-2007, RTJ
202/583).
C – INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO:
EXERCÍCIO DE ATRIBUIÇÕES RESERVADAS À ADVOCACIA PÚBLICA PELA SECRETARIA DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS E PELO SECRETÁRIO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Os arts. 4º e 5º da Lei nº 1.958, de 14
de agosto de 2014, são incompatíveis com os arts. 98 e 99, I, II, V, VI, VII e
IX, e 100 da Constituição Estadual – como, aliás, já o eram os arts. 4º e 5º da
Lei nº 1.825, de 20 de fevereiro de 2013.
Tais
dispositivos das leis municipais acima mencionadas conferem, em síntese,
atribuições próprias desse organismo à Secretaria de Negócios Jurídicos e ao
Secretário de Negócios Jurídicos que constituem, respectivamente, órgão
auxiliar do Chefe do Poder Executivo e agente político investido em cargo de
provimento em comissão de natureza imediatamente auxiliar ao Prefeito.
As
letras "a", "g" e "h" do art. 4º da Lei 1.958, de
14 de agosto de 2014 declaram competir à Secretaria de Negócios Jurídicos
representar judicial e extrajudicialmente o Município; propor todas as ações
cíveis de interesse do Município; oficiar em todos os processos judiciais em
que haja interesse do Município até final decisão irrecorrível e por meio de
seu Secretário Municipal de Negócios Jurídicos, oficiar nos procedimentos
licitatórios, emitindo, quando caso, pareceres conclusivos, o que são
atividades próprias da Advocacia Pública nos termos dos arts. 98 e 99, I, II e
V, da Constituição Estadual.
Do mesmo vício padece a letra
"e" do citado art. 4º - propor ação civil pública, quando determinado
pelo Prefeito - na medida em que consiste atividade da Advocacia Pública, tal
como emerge dos arts. 98 e 99, VII, da Constituição Estadual.
Da
mesma maneira, a letra "c" do art. 4º enfocado, cometendo-lhe o
processamento de sindicâncias, inquéritos administrativos e demais
procedimentos disciplinares, o que desafia as tarefas reservadas à Advocacia Pública
nos arts. 98 e 99, IX, da Constituição Estadual.
Por
sua vez, a letra "i" do art. 4º em comento é incompatível com a
reserva instituída nos arts. 98 e 99, VI, da Constituição Estadual à Advocacia
Pública.
O mesmo
ocorre com o art. 5º da Lei nº 1.958, de 14 de agosto de 2016, quanto às atribuições
fixadas ao Secretário de Negócios Jurídicos. Os incisos I e III - exercer as
funções jurídico-consultivas em relação ao Poder Executivo e à Administração em
Geral e emitir parecer nos procedimentos administrativos, são próprias da
Advocia Pública, a teor do disposto nos arts. 98 e 99, II e V da Constituição
Bandeirante.
O inciso II
do art. 5º em foco também é incompatível com a reserva instituída em prol da
Advocacia Pública, nos arts. 98 e 99, IX da Carta Estadual.
Do mesmo
modo, o inciso IV do art. 5º estabelece ao Secretário de Negócios Jurídicos
decidir sobre a propositura de ação rescisória, bem como sobre a não
interposição de recurso, desafiando as funções previstas ao órgão de Advocacia
Pública nos arts. 98 e 99, I da Constituição Estadual.
Por fim, o
inciso V do art. 5º objurgado - decidir sobre a inclusão de débito no tol das
cobranças inviáveis, quando o prosseguimento das diligências se afigure
anti-econômico e de acordo com as decisões do Poder Executivo - viola as
funções reservadas à Advocacia Pública previstas nos arts. 98 e 99, VI da Carta
Paulista.
Destaque-se
que ao Procurador do Município, na previsão da Lei nº 1.958, de 14 de agosto de
2014, restaram as seguintes funções, relegadas em segundo plano:
“Art.
6º Ao Procurador do Município, compete:
I
- auxiliar o Secretário Municipal de Negócios Jurídicos do Município no
exercício das atribuições previstas no art. 5º, inciso I;
II
- orientar os serviços jurídicos e administrativos da Secretaria Municipal
de Negócios Jurídicos;
III
- propor ao Secretário de Negócios Jurídicos a declaração de nulidade de
atos administrativos da Administração centralizada, e a provocação, para
idênticos fins, de atos da Administração descentralizada;
IV
- executar serviços especiais por determinação do Prefeito ou do
Secretário de Negócios Jurídicos;
V
- exercer outras atribuições compatíveis com o cargo, que lhe venham a ser
ditadas pelo Prefeito ou solicitadas pelos Secretários Municipais, por meio do
Secretário de Negócios Jurídicos”.
D –
INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO
Não
obstante revogados pelo art. 17 da Lei n. 1.958, de 14 de agosto de 2014, os
arts. 4º e 5º da Lei nº 1.825, de 20 de fevereiro de 2013, do Município de Monte
Azul Paulista, também padeciam de inconstitucionalidade por incompatibilidade
com os arts. 98 e 99, I, II, V, VI, VII e IX, e 100 da Constituição Estadual,
na medida em que conferiam atribuições próprias de Advocacia Pública à
Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos e ao Secretário Municipal de Negócios
Jurídicos que constituem, respectivamente, órgão auxiliar do Chefe do Poder
Executivo e agente político investido em cargo de provimento em comissão de
natureza imediatamente auxiliar ao Prefeito, inclusive no âmbito administrativo
(posto não ser lícito lotar funções gratificadas da Advocacia Pública em órgão
alheio e com posição de superioridade hierárquica e encarregar esse organismo à
prática de atos de direção da Advocacia Pública como a nomeação para essas
funções de confiança).
Assim
sendo, é imperioso que além de declarar a inconstitucionalidade dos arts. 4º e
5º da Lei n. 1.958, de 14 de agosto de 2014, seja declarada por arrastamento a
inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei nº 1.825, de 20 de fevereiro de
2013, do Município de Monte Azul Paulista, para evitar que sejam repristinados
em razão da inconstitucionalidade da lei revogadora.
III – PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras
da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora
de lesão irreparável ou de difícil reparação no tocante à boa organização dos
serviços públicos locais de advocacia pública.
À luz desta contextura, requer
a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, dos arts. 4º e 5º da Lei n. 1.958, de 14 de
agosto de 2014, e por arrastamento, dos arts. 4º e 5º da Lei nº 1.825, de 20 de
fevereiro de 2013, do Município de Monte Azul Paulista.
IV - PEDIDO
Face ao exposto, requerer-se o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar:
(a) a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei n. 1.958, de
14 de agosto de 2014, e por arrastamento, dos arts. 4º e 5º da Lei nº 1.825, de
20 de fevereiro de 2013, do Município de Monte Azul Paulista;
(b) a existência de
mora legislativa para edição de lei criando e organizando a Advocacia Pública
no Município de Monte Azul Paulista, dando ciência ao Prefeito e à Câmara
Municipal, fixando-se prazo razoável sucessivo para o encaminhamento de
proposta legislativa (Prefeito Municipal) e para a edição de lei (Câmara
Municipal), imprescindíveis à concretização das diretrizes constitucionais já
consignadas, bem como seja estabelecido o funcionamento da Advocacia Pública do
Município de Monte Azul Paulista, segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da
Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a
Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de
agosto de 2015), a ser observado pelo Município, na hipótese de persistência da
omissão normativa além do prazo fixado.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da
Câmara Municipal de Monte Azul Paulista, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São
Paulo, 19 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo
Protocolado n. 41.908/16
1.
Distribua-se a
inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade cumulada com
Inconstitucionalidade por Omissão em relação ao Município de Monte Azul
Paulista.
2.
Providenciem-se
as anotações e comunicações de praxe aos interessados e à douta Promotoria de
Justiça de Monte Azul Paulista.
3.
Cumpra-se.
São Paulo, 19 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo