EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 94.601/2016

 

 

                                               Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, do Município de Santa Bárbara D´Oeste, que “Dispõe sobre a Proibição de implante em seres humanos de identificação em forma de chips e outros dispositivos eletrônicos, no Município de Santa Bárbara d’Oeste”.

2)      Lei Municipal que, ao dispor sobre registros públicos e sanções de natureza civil e penal, invadiu a esfera de competência legislativa da União, na forma do artigo 22, I e XXV, da CF, e legislou sobre tema que extrapola o interesse local, nos termos do artigo 30, I e II, da CF.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 94.601/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, do Município de Santa Bárbara D’Oeste, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado para apurar eventual inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, do Município de Santa Bárbara D’Oeste que “Dispõe sobre Proibição de implante em seres humanos de identificação em forma de  chips e outros dispositivos eletrônicos”, e tem a seguinte redação:

Art. 1º Fica proibido o implante em seres humanos, independentemente da idade, de identificação a título de RG, CPF ou código de barras em forma de chips, fios ópticos e outros produtos similares na camada subcutânea ou superficial da pele, derme e epiderme, cartilagem, órgãos internos, músculos, ossos, cabelos ou tatuagem. Parágrafo único O disposto no caput abrange qualquer dispositivo eletrônico ou eletromagnético que permita rastreamento via satélite ou GPS (Global Positioning System), telefonia, rádio ou antenas.

Art. 2º O descumprimento do disposto nesta Lei acarretará responsabilização administrativa, cível e penal, nos termos da legislação vigente.

Art. 3º Esta entra em vigor na data de sua publicação.

 

O referido ato normativo, ao invadir a esfera de competência legislativa da União (artigo 22, I e XXV, da CF), ofendeu o artigo 144 da Constituição do Estado.

 

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

A Lei Municipal n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, ao dispor sobre identificação civil e sanções civil e criminal, revelou-se frontalmente contrária à Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

O preceito da Constituição do Estado violado é:

 

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO - DA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO

O ato normativo impugnado, ao dispor sobre registros públicos e responsabilização civil e penal, extrapolou a competência legislativa municipal, com a violação do art. 144, da Constituição Paulista.

Aludido dispositivo da Constituição Paulista condiciona a autonomia municipal, ao prescrever que os Municípios exercem suas competências com a observância dos princípios estabelecidos em sua Carta e no Texto Constitucional Federal de 1988, dentre eles o princípio federativo.

Trata-se, assim, de norma constitucional remissiva à Constituição Federal, e que incorpora- não bastasse a observância obrigatória da própria norma constitucional central- a repartição de competências administrativas e legislativas delineada pela Constituição Federal de 1988, de tal sorte a admitir o contencioso estadual ou municipal pelo confronto direto e frontal com a norma remissiva adotada pela Constituição Estadual, conforme decidido pelo E. STF, in verbis:

“1. Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação, como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-Rcl 10.406-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26-08-2014, v.u., DJe 16-09-2014).- g.n.

“RECLAMAÇÃO. A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO, NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

- Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo, que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro.

Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se a própria norma constitucional estadual, de conteúdo remissivo, à condição de parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República. Doutrina. Precedentes” (STF, Rcl 2.462-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 30-04-2015, DJe 06-05-2014). – g.n.

A identificação por meio de Registro de Identidade ou outros documentos é de competência legislativa da União, na forma do artigo 22, XXV, da Constituição Federal, sendo certo que o ato normativo impugnado não evidencia tema que pudesse justificar a existência de interesse local, na forma do artigo 30, I e II, da CF.

A Lei n. 9.454/97 dispõe:

“Art. 1o  É instituído o número único de Registro de Identidade Civil, pelo qual cada cidadão brasileiro, nato ou naturalizado, será identificado em suas relações com a sociedade e com os organismos governamentais e privados.

 Parágrafo único. (VETADO)

I - (VETADO)

II - (VETADO)

III - (VETADO)

Art. 2o  É instituído o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, destinado a conter o número único de Registro de Identidade Civil, acompanhado dos dados de identificação de cada cidadão. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

Art. 3º O Poder Executivo definirá a entidade que centralizará as atividades de implementação, coordenação e controle do Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, que se constituirá em órgão central do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil.

§ 1o  Fica a União autorizada a firmar convênio com os Estados e o Distrito Federal para a implementação do número único de registro de identificação civil. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

§ 2o  Os Estados e o Distrito Federal,  signatários do convênio, participarão do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil e ficarão responsáveis pela operacionalização e atualização, nos respectivos territórios, do Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, em regime de compartilhamento com o órgão central, a quem caberá disciplinar a forma de compartilhamento a que se refere este parágrafo. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

§ 3º Os órgãos locais incumbir-se-ão de operacionalizar as normas definidas pelo órgão central repassadas pelo órgão regional. (Revogado pela Lei nº 12.058, de 2009)

Art. 4º Será incluída, na proposta orçamentária do órgão central do sistema, a provisão de meios necessários, acompanhada do cronograma de implementação e manutenção do sistema.

Art. 5º O Poder Executivo providenciará, no prazo de cento e oitenta dias, a regulamentação desta Lei e, no prazo de trezentos e sessenta dias, o início de sua implementação.”

Não compete ao Município, invadindo a esfera de competência da União, editar normas sobre aspectos que merecem tratamento jurídico uniforme e homogêneo em todo o território nacional, como o fez o dispositivo municipal impugnado.

Na lição do prof. José Afonso da Silva, in verbis:

“O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local (...)”. (Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed.. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011- pp. 478)

         No que pertine à competência legislativa suplementar, pertencente tanto aos Estados, quanto aos Municípios, deve-se ressaltar que “não se suplementa uma regra jurídica simplesmente pela vontade de os Estados inovarem diante da legislação federal. A capacidade suplementária está condicionada à necessidade de aperfeiçoar a legislação federal ou diante da constatação de lacunas ou de imperfeições da norma geral federal”. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011- pp. 123)

Ao apreciar a matéria assim pontuou o Colendo STF:

“Nessa ótica, a exigência de conformação legislativa uniforme da matéria no território nacional emerge da própria finalidade social da manutenção de registros públicos – conferir autenticidade, publicidade, segurança e, consequentemente, eficácia a situações e fatos reconhecidos como juridicamente relevantes. E, revestindo-se o documento pessoal de identificação – cédula de identidade – da natureza jurídica de registro público, a sua disciplina legislativa sem dúvida compete privativamente à União, forte no art. 22, XXV, da Constituição da República . Ao fixar a competência privativa da União no tocante à natureza, à forma, à validade e aos efeitos dos registros públicos em geral e, logo, da Carteira de Identidade em particular, a Constituição da República constrange os Estados, o Distrito Federal e os Municípios à observância do quanto disciplinado pela União sobre a matéria.”

Ademais, o artigo 2º da lei impugnada, ao dispor sobre responsabilização cível e penal em razão de seu descumprimento, invade a competência legislativa da União para legislar sobre direito civil e direito penal (artigo 22, I, da CF).

Ante as considerações supramencionadas, padece de inconstitucionalidade a Lei Municipal n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, do Município de Santa Bárbara D’Oeste, por ofensa ao art. 144  da Constituição Estadual (artigo 22, I e XXV, da Constituição Federal).

3.     DOS PEDIDOS

a.    DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição Federal e da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

Está claramente demonstrado que o ato normativo impugnado é inconstitucional por violação ao pacto federativo. O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão, até o final e definitivo julgamento desta ação da Lei 3.791/2015.

b.     DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade Lei Municipal n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015, do Município de Santa Bárbara D’Oeste.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal de Santa Bárbara D’Oeste, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 05 de setembro de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Protocolado nº 94.601/2016

Interessado: Eduardo Banks dos Santos Pinheiro

Assunto: inconstitucionalidade da Lei n. 3.791, de 17 de dezembro de 2015

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 05 de setembro de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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