EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado n. 68.687/2016

 

 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. Lei Complementar n. 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga, de iniciativa parlamentar, que alterou a Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, que “Reestrutura o Regime Próprio de Previdência Social do Município de Taquaritinga e dá outras providências”. 1) Vício formal de iniciativa. Iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre o provimento e a remuneração dos cargos públicos (art. 24, § 2º, 1, 2 e 4, da CE). Ofensa ao princípio da independência e da harmonia entre os Poderes. 2) Violação aos arts. 5º; 24, § 2º, 1, 2 e 4, e 144, da Constituição Estadual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda no art. 74, inciso VI e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (n. 68.687-2016), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face da Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga, de iniciativa parlamentar, pelos fundamentos a seguir expostos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga, oriunda de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre alterações na Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, que Reestrutura o Regime Próprio de Previdência Social do Município de Taquaritinga e dá outras providências”, possui a seguinte redação, verbis:

“Art. 1°. O artigo 5° da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5°. O Conselho de Administração será integrado por nove membros eleitos e três membros indicados nos termos do § 9° do artigo 6° desta Lei Complementar, devendo ser respeitada a proporção de 50% dos membros com nível superior e 50% dos membros com formação de nível médio de ensino.”

Art. 2°. O inciso II, § 4° do artigo 6° da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6° ...

§ 4° ...

I - ...

II – ter idoneidade e não possuir condenação, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, comprovada através de certidão judicial expedida anualmente e entregue na sede do IPREMT.”

Art. 3°. O § 1° do artigo 9° da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 9° ...

§ 1°. Os membros do Conselho Fiscal devem ter idoneidade e não possuir condenação, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, comprovada através de certidão judicial expedida anualmente e entregue na sede do IPREMT.”

Art. 4°. Fica inserido o § 3° ao artigo 9° da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, com a seguinte redação:

“Art. 9° ...

§ 1° ...

§ 2° ...

§ 3 °. Os membros do Conselho em exercício que tiverem sido condenados na forma do § 1° deste artigo deverão ser automaticamente destituídos.

Art. 5°. O artigo 12 da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, passará a ter parágrafo único com a seguinte redação:

“Art. 12. (...)

Parágrafo único. O Superintendente deverá possuir especialização nas áreas Jurídica ou Administrativa ou Financeira ou Previdenciária, ou se de outra área de formação, possuir a certificação CPA- 10.”

Art. 6°. O caput do artigo 14 e o § 5° da Lei Complementar n° 4.029, de 18 de junho de 2013, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 14. O Superintendente será nomeado pelo Prefeito Municipal para um mandato de quatro anos, com direito a apenas uma recondução, dentre servidores municipais componentes da lista tríplice formada nos termos do § 1° deste artigo.

§ 5° O subsídio do Superintendente será equivalente ao de Secretário Municipal, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, conforme disposto no artigo 39, § 4°, da Constituição Federal.

Art. 7°. Esta Lei Complementar entre em vigor na data de sua publicação.”

Em síntese, a lei impugnada acaba por, efetivamente, alterar a forma de composição dos Conselhos de Administração e Fiscal do Instituto de Previdência do Servidor Público Municipal de Taquaritinga - IPREMT, dispondo sobre seus membros e requisitos para investidura. E, ainda, dispõe sobre limites à recondução no mandato e sobre o sistema remuneratório do cargo de Superintendente.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal e do art. 144 da Constituição Paulista, verbis:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto- organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“Artigo 5° – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1° – É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2° – O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

(...)

Artigo 24 – (...)

§ 2° - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1-     Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

2-     Criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no artigo 47, XIX;

(...)

4- Servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(...)”.

3. DO VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA

O Poder Legislativo Municipal não tem legitimidade para deflagrar processo legislativo que altere a forma de composição dos Conselhos de Administração e Fiscal do instituto gestor do Regime Próprio de Previdência Social do Município e que disponha sobre mandato e sistema remuneratório do cargo de Superintendente.

Trata-se, no caso, de atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo, de tal forma que o Poder Legislativo invadiu a sua esfera de competência, a quem cabe a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre tais matérias.

Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende declarar inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do princípio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos.

Nos termos do art. 24, § 2º, ns. 1, 2 e 4, da Constituição do Estado de São Paulo, compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre a criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração, sobre a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da Administração Pública, observado o disposto o art. 47, XIX, assim como sobre servidores públicos do Estado e provimento de cargos.

Como se sabe, a regra da iniciativa reservada deriva do processo legislativo federal e, por sua implicação com o princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, é de observância obrigatória pelos Municípios.

Nesse sentido, verbis:

"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.”

"Lei 9.162/1995 do Estado de São Paulo. Criação e organização do Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo – CONSIP. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.751, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

Ao examinar propositura análoga, esse Egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL QUE ALTERA A COMPOSIÇÃO E INVESTIDURA DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E FISCAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO - VÍCIO DE INICIATIVA - SEPARAÇÃO DE PODERES - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 5o, 24, § 2°, I e 2, e 144 DA CE - JULGA-SE PROCEDENTE O PEDIDO, COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS NOS TERMOS DO ART. 27 DA LEI N. 9868/99, PARA QUE A EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO TENHA INÍCIO NA DATA DA CONCESSÃO DA LIMINAR.” (TJ/SP; Órgão Especial; Des. Rel. Antonio Vilenilson; D.J. 11/12/2013).

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de Ubatuba – Lei Municipal n.º 3.295/2010 que autoriza o Executivo Municipal a criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Ubatuba – Liminar concedida – Ato e gestão, competência privativa do Poder Executivo – Vício de iniciativa – Princípio de separação dos poderes – Violação aos arts. 5.º, 25, 47, II, todos da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade decretada.” (TJ/SP, ADI 0157579-65.2010.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Júnior, j. em 9/2/2011).

Conclui-se, assim, à vista dos precedentes jurisprudenciais ora colacionados, que a Câmara Municipal de Taquaritinga não poderia deflagrar o processo legislativo sobre a modificação de Conselhos Municipais e sobre o sistema remuneratório e forma de provimento do cargo de Superintendente, porquanto essas matérias – a criação, alteração ou extinção de órgão municipal, a fixação da remuneração dos cargos públicos, servidores públicos, seu regime jurídico e provimento de cargos – são de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).

4. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece integralmente de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a ilegitimidade da composição dos órgãos competentes para produção de atos importantes.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos artigos 1° a 5° da Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga.

5. DO PEDIDO

Face ao exposto, requer-se:

a) o recebimento da inicial e o regular processamento da presente ação direta até final julgamento;

b) a colheita das informações necessárias do Presidente da Câmara Municipal e do Prefeito Municipal de Taquaritinga, sobre as quais protesta por manifestação oportuna;

c) a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;

d) ao final, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga.

 

São Paulo, 13 de setembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj/ts

 


 

 

Protocolado n. 68.687/2016

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga.

Interessados: Procurador-Geral do Ministério Público de Contas e 3ª Promotoria de Justiça de Taquaritinga

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar n° 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se aos interessados, inclusive ao Douto Procurador-Geral do Ministério Público de Contas, informando-lhes a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 13 de setembro de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça