EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 38.661/16

 

Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, do Município de Penápolis. Criação de cargo de Secretário de Negócios Jurídicos. Desvio de Poder de ato legislativo.  Dotação de competências próprias da Advocacia Pública.

1. Legislação local acoimada de inconstitucionalidade material, por desvio de poder de ato legislativo, posto que motivada em virtude de decisão judicial colegiada, que declara inconstitucionalidade parcial sem redução de texto para que o provimento do cargo de Procurador-Geral do Município recaía exclusivamente sobre procuradores municipais integrantes da carreira e recrutados pelo sistema de mérito.

2. Sendo a advocacia pública instituição estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial do poder público, o cometimento de competências a ela inerentes a agente político auxiliar do Poder Executivo não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira.

3. Incidência dos arts. 98, 99, 100 e 111 da Constituição Estadual aos Municípios por força de seu art. 144.

 

 

           

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 3º e art. 5º Lei n. 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, do Município de Penápolis, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

                   Em 25 de fevereiro de 2016 foi editada a Lei n. 2.114, cuja ementa “dispõe sobre as atribuições dos cargos de provimento em comissão de Presidente do DEAP, Presidente da EMURPE e cria a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos” no âmbito da estrutura administrativa de Penápolis.

Porém, não obstante enuncie a criação de Secretaria de Negócios Jurídicos, em verdade os arts. 3º e 5º da lei em questão criaram e dispuseram somente sobre o cargo de Secretário de Negócios Jurídicos, nos seguintes termos:

“Art. 3º. Fica criado o cargo de provimento em comissão junto ao Anexo I, Tabela 1ª da Lei nº 1.104, de 19 /02/2003, o cargo de Secretário Municipal de Negócios Jurídicos com as seguintes atribuições:

I – assessorar o Prefeito Municipal e os demais órgãos em assuntos de natureza jurídica e política, emitindo pareceres;

II – examinas as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, convênios, acordos e ajustes nos quais o Município seja parte;

III – instaurar sindicância e processo administrativo quando assim determinado pelo Prefeito, e

IV – redigir projetos de leis, acompanhando a sua tramitação na Câmara Municipal.

Parágrafo único. É vedada a representação, defesa judicial e extrajudicial dos interesses do Município, em qualquer foro ou instância pelo Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos, pois tais atribuições são da Procuradoria Jurídica do Município.

(...)

Art. 5º. A nomeação para o cargo de Secretário Municipal de Negócios Jurídicos deve recair sobre advogado de reconhecido saber jurídico com atuação na Comarca de Penápolis.

(...)”

Apesar de a lei enunciar como escopo “criar a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos”, em verdade, seu objetivo foi nitidamente burlar a decisão liminar concedida na ação direta de inconstitucionalidade nº 2206463-18.2015.8.26.0000, julgada parcialmente procedente por esse E. Tribunal de Justiça.

Com efeito, na ação judicial mencionada, proposta por essa Procuradoria-Geral de Justiça, foi arguida a inconstitucionalidade do cargo comissionado de “Procurador Geral do Município”, constante da Tabela 1A do Anexo I da Lei nº 1.104, de 19 de fevereiro de 2003, porquanto ser entendimento consolidado nessa E. Corte, que as atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito, nos termos dos arts. 98, 99, 111 e 115, II e V da Constituição Estadual.

A ação direta de inconstitucionalidade nº 2206463-18.2015.8.26.0000, de Relatoria do DD. Des. Borelli Thomaz, foi julgada parcialmente procedente, “declarando-se a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, para possibilitar livre nomeação do Procurador Geral pelo Prefeito, mas, afirmando ser constitucional apenas para que essa nomeação recaia sobre um dos Procuradores Municipais integrantes da carreira e recrutados pelo sistema de mérito, por concurso público”.

Destaque-se que o mesmo ocorreu no julgamento da ADIN nº 2210910-49.2015.8.26.000, que também impugnava a forma de provimento comissionada do cargo de Procurador-Geral do Município assim prevista na Lei Orgânica do Município de Penápolis.

Porém, visando manter na estrutura administrativa municipal cargo comissionado dotado de funções próprias de advocacia pública, o Chefe do Poder Executivo houve por bem apresentar projeto de lei para a criação do cargo de Secretário de Negócios Jurídicos, logo após a concessão da liminar por esse E. Órgão Especial, que suspendia os efeitos da expressão impugnada.

Portanto, essa é a verdadeira motivação da criação do cargo de Secretário Municipal de Negócios Jurídicos, que pode ser em parte extraída da Mensagem nº 65, de 02 de dezembro de 2015, do Prefeito Municipal.

Na referida mensagem, o chefe do Poder Executivo afirma que a “Administração Pública necessita de um jurídico para assuntos político-administrativos”, e embora consigne que as atribuições desse cargo não se confundiriam “com as funções do procurador estampadas na Lei Orgânica do Município”, fato é a lei municipal criou cargo de Secretario, atribuindo-lhe funções próprias de advocacia pública, mantendo inalterada, portanto, a situação fática anterior.

Constata-se, portanto, manifesto desvio de poder na criação do cargo político, em violação aos princípios da moralidade e interesse público, bem como flagrante inconstitucionalidade na fixação de atribuições próprias da advocacia pública a órgão estranho a seus quadros, conforme razões a seguir expostas.

 

II – OS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS

Os arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, do Município de Penápolis, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Esse preceito que reproduz o quanto disposto no caput do art. 29 da Constituição Federal limita e condiciona a autonomia municipal.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal (José Afonso da Silva. Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

A Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.

Ademais, eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

(...)

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

(...)

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

A –  DESVIO DE PODER NA CRIAÇÃO DO CARGO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE NEGÓCIOS JURÍDICOS

Conforme acima relatado, a criação do cargo de Secretário Municipal de Negócios Jurídicos na estrutura organizacional do Poder Executivo de Penápolis se deu em razão da reconhecida inconstitucionalidade da forma de provimento comissionado do cargo de Procurador Geral do Município.

O expediente serviu a um único (e declarado) propósito: o de burla à liminar proferida na ação direta de inconstitucionalidade nº 2206463-18.2015.8.26.0000, conforme constou da Mensagem nº 65/15.

Destaque-se que não se retira do Município a possibilidade de organização de sua estrutura administrativa.

Todavia, a opção legislativa está comprometida porque foi editada com aquela intenção e não com o escopo de melhoria da organização administrativa local.

No caso, a lei local, visando manter a forma de provimento comissionado do cargo anterior de Procurador-Geral, que não era qualificável como agente político, criou outro, de Secretário, a título artificial e o estimou como tal.

Destaque-se que a dotação de atribuições de advocacia pública a Secretario Municipal era absolutamente desnecessária, uma vez que o Município de Penápolis já conta com órgão próprio de Advocacia Pública, chefiado por Procurador Geral do Município.

Com efeito, a Lei nº 384, de 18 de fevereiro de 1964 criou a Procuradoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Penápolis, estabelecendo-lhe as funções próprias da advocacia pública, verbis:

“Art. 1º. Fica criada a Procuradoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Penápolis.

Art. 2º. À Procuradoria cabe:

I – Representar o Município em qualquer instância judiciária ou órgão policial, ou perante pessoa jurídica de direito interno, dependendo, na última hipótese, de expressa outorga do Prefeito;

II – Atuar em nome da Prefeitura nos feitos em que esta seja autora ou ré, assistente ou opoente, bem como nas habilitações de inventários, falências e concursos de credores, ou quaisquer outros processos e incidentes;

III – Assessorar o Prefeito na prática de atos administrativos de qualquer natureza, sempre que convocada para tal fim;

IV – Emitir pareceres e minutar atos administrativos  e jurídicos, mediante solicitação do Prefeito;

V – Executar a cobrança judicial ou amigável da dívida ativa;

VI – Desempenhar outras funções peculiares, quando solicitada pelo Prefeito.

(...)”

Posteriormente, a Lei Orgânica do Município cuidou da Procuradoria Geral do Município, estabelecendo:

Art. 74 - A Procuradoria Geral do Município é instituição de natureza permanente, essencial à Administração Pública Municipal, responsável pela advocacia do Município, da administração direta e autarquias e pela assessoria e consultaria jurídica do Executivo, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

Art. 75 - A Procuradoria Geral do Município tem como funções institucionais:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Município;

II - exercer as funções de consultoria e assessoria jurídica do Executivo e da administração em geral;

III - prestar assessoramento técnico-legislativo ao Prefeito Municipal;

IV - promover a inscrição, manter o controle e efetuar a cobrança judicial da dívida ativa do município;

V - propor ação civil pública representando o Município;

VI - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Art. 76 - A direção superior da Procuradoria Geral do Município compete ao Procurador Geral, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição.

§ 1 - O Procurador Geral será de livre nomeação pelo Prefeito, devendo recair a escolha em advogado de reconhecido saber jurídico, com atuação na Comarca de Penápolis. (declarado parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, para possibilitar livre nomeação do Procurador Geral pelo Prefeito, devendo a nomeação recair sobre um dos Procuradores Municipais integrantes da carreira e recrutados pelo sistema de mérito, por concurso público – ADIN nº 2210910-49.2015.8.26.0000).

§ 2 o - O ingresso na classe inicial de carreira dos demais Procuradores Municipais farse-á mediante concurso público de provas e títulos (a expressão “demais” foi declara inconstitucional na ADIN nº 2210910-49.2015.8.26.0000).

(...)

É nítido, pois, o desvio de poder radicado nesse ato legislativo que o contamina de maneira a expô-lo ao controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade por vício material de inconstitucionalidade na medida em que ele encerra, de per si e atento às circunstâncias, ofensa aos princípios de moralidade e impessoalidade porque a competência para legislar em matéria de organização administrativa foi utilizada para fim distanciado de sua finalidade, visando tão somente a criação de cargo dotado de atribuições inconstitucionais.

Não é novidade alguma o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse respeito, concessa venia, reporta-se a elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:

“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.

Temos, contudo, sustentando a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.

Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.

Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.

O primeiro acórdão, proferido no MS 7.243, em sessão de 20.1.69, manteve a anulação de leis do Estado do Ceará com as quais, no apagar das luzes de uma situação política derrotada, em apenas 56 dias, mediante 25 atos legislativos foram instituídos, sob a forma de criação ou transformação, 3.784 novos cargos públicos, o que equivalia a um-terço do total do funcionalismo estadual então existente, estimado em 12.000 servidores, elevando o custo mensal do pessoal a 94,24% das rendas do Estado.

Por essa forma, violava-se norma expressa da Constituição estadual, que fixava o teto de 50% para a vinculação da receita ao custeio do funcionalismo público, e se objetivava impedir o funcionamento regular do Poder Executivo, no período do novo mandato que se ia inaugurar.

Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:

‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias.

‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).

A mesma situação se renovou, no Estado do Rio Grande do Norte, perante outro testamento político de um governo vencido no pleito eleitoral sucessório, em que se comprometia desmedidamente o erário, elevando a mais de 80% a despesa com o funcionalismo público.

Em decisão proferida na Repr. 512, julgada, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno, em sessão de 7.12.62, o STF reputou legítima a anulação, pela Assembléia Legislativa, de leis inconstitucionais que compunham o testamento político em causa.

Em memorial oferecido como advogado do novo governo estadual, ponderávamos que ‘o desvio de poder legislativo, caracterizado no inventário político, ofende o princípio da independência e harmonia dos Poderes, além de violar a Constituição estadual’.

Em acórdãos posteriores os RE 48.655 e 50.219 (RDA 78/269 e 281), aplicando a orientação firmada, a Corte Suprema reafirmou a tese da anulação, pelo Poder Legislativo, de seus próprios atos inconstitucionais.

A acolhida do cabimento do desvio de finalidade como vício de inconstitucionalidade fora anteriormente abonada em outro julgado do STF em voto do Min. Orozimbo Nonato, relator do RE 18.331, que, nos termos da respectiva ementa, após recordar o conhecido axioma de que o poder de taxar não se pode extremar como poder destruir, destaca: ‘É um poder cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda que, a doutrina fecunda do détournement de pouvoir’ (RF 145/146).

O excesso do poder de taxar foi igualmente repelido com respeito à lei do Estado do Rio de Janeiro que exigia taxa judiciária em termos excessivos, sem correspondência com o serviço prestado (Repr. 1.077, RTJ 11/55).

Comentando o sentido inovador da jurisprudência do Pretório Excelso, registra Seabra Fagundes, entre as fecundas criações pretorianas, ‘a extensão da teoria do desvio de poder originária e essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do poder legiferante, de maior importância num sistema de Constituição rígida, em que se comete ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos mais variados setores da vida social, econômica e financeira’ (RF 151/549).

Em decisão de 31.8.67, no RMS 16.912, o tema do desvio de poder como vício especial do ato legislativo foi expressamente invocado.

Apreciando lei de organização judiciária na qual se inseria emenda em benefício de determinado serventuário, advertiu o Min. Prado Kelly: ‘tratava-se de reforma judiciária e a emenda representou um desvio de poder na própria legislatura’. Sendo o mesmo Ministro as seguintes expressões: ‘Tenho por demonstrado que a emenda não obedeceu ao presumido escopo de interesse público e sim a uma inspiração que nem por ser equânime ou reparadora (como pareceu ao interveniente) deixa de ser particularista ou de favorecimento pessoal’.

Nessa decisão plenária, o Min. Victor Nunes Leal, após aderir à posição ‘de que podemos exercer controle sobre os desvios de poder da própria legislatura’, convocado por interpelação do Min. Aliomar Baleeiro a declarar ‘se admitia um desvio de poder do Poder Legislativo fora do caso de inconstitucionalidade’, não vacilou em afirmar categoricamente: ‘Admito’ (acórdão no RMS 16.912, RTJ 45/530-545, especialmente pp. 536 e 537).

Em questão relativa à permissão para explorar linhas de ônibus, o STF apreciou a incidência do desvio de poder legislativo, admitindo, em tese, a aplicação do princípio (RTJ 47/650 e 48/165).

Em três situações o STF repeliu, por inconstitucionalidade, a aplicação de sanções administrativas com a finalidade real de constranger o contribuinte à regularidade fiscal.

Decidiu a Corte Suprema que ‘é inadmissível a interdição de estabelecimento ou apreensão de mercadorias como meio coercitivo para a cobrança de tributo’ (Súmulas 70 e 323).

E, dilatando o princípio à inconstitucionalidade dos Decs.- leis 5 e 42, de 1937 – que restringiam indiretamente a atividade comercial de empresas em débito, impedindo-as de comprar selos ou despachar mercadoria – implicitamente configurou o abuso de poder legislativo (Súmula 547 e acórdão no RE 63.026, RDA 10/209).

O excesso legislativo foi invocado em acordao do STF no RE 62.731, do qual foi Relator o Min. Aliomar Baleeiro. Afirmou-se a inconstitucionalidade de decreto-lei que vedava a purgação de mora em locações. Destacou a ementa da decisão a impertinência do fundamento por se tratar de ‘assunto miúdo de Direito Privado’ que não se incluía no conceito de segurança nacional, necessário àquela forma de processo legislativo (RDA 94/169).

O poder de polícia nas profissões somente pode ser exercido com observância do princípio da razoabilidade, afirmou o acórdão na Repr. 930 (apud Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 451).

E porque o impedimento do exercício profissional da advocacia há juizes aposentados até dois anos após a inatividade ofendia o princípio da razoabilidade, foi declarada a inconstitucionalidade da lei que estabelecia tal interdição temporária, por violação àquele princípio (Repr. 1.054, RTJ 112/7).

Em parecer no qual analisamos a inconstitucionalidade de deliberação do Banco Central do Brasil determinante da indisponibilidade de contas bancárias do Estado – membro a suas empresas, enfatizávamos que ‘importa desvio do Poder Legislativo decreto lei que se utilize do bloqueio de contas bancárias como meio de cobrança regressiva de aval a empréstimos externos’ (RDA 172/239).

Em outro parecer relativo à validade da lei municipal que subordinava a permissão de funcionamento de estabelecimentos comerciais aos sábados e domingos à prévia aprovação pelos órgãos sindicais, entendíamos ocorrer violação da competência legal, a ser exercida pelo Município, como emanação do poder de polícia.

Ressaltamos que, obrigando à intervenção dos sindicatos para a obtenção de licença especial de funcionamento, o legislador teve em mira o fortalecimento do sistema sindical, invadindo órbita de competência privativa da União.

Concluímos, assim, que, ‘a toda evidencia, a lei municipal, visando, a beneficiar o movimento sindical está maculada pelo vício de abuso do poder normativo, caracterizado como desvio de finalidade’ (RDA 164/460).

O tema do desvio de poder legislativo foi amplamente estudado, no Direito italiano, por Lívio Paladin, em ensaio sob o título ‘Osservazioni sulla discrezionalità e sull’eccesso di potere del legislatore ordinario’ (Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, ano VI, 4/993-1.046, outubro – dezembro/56).

Pondera o autor que: ‘L’illegitimità di ogni fine, diverso da quello costituzionalmente previsto, consente logicametne di configurare, sul piano legisltaivo, qual vizio della causa degli atti amministrativi, ch è l’ecesso di potere’ (‘A ilegitimidade de todo fim, diverso daquele constitucionalmente previsto, conduz logicamente afigurar-se, no plano legislativo, aquele vício de causa dos atos administrativos, que é o excesso de poder’) (Rivista cit. p. 1.031).

A figura do desvio de poder legislativo foi, pioneiramente, sustentada por Santi Romano, que, reconhecendo o poder discricionário do legislador, destaca, porém, o limite que se impõe em face da finalidade da competência legislativa: ‘ma la figura dele potere discrezionale richiede per l’appunto che di esse si faccia uso conforme alle finalità da cui il potere medismo deriva; si há altrimenti uno sviamento di potere, che costituisse uma violazione di direitto, nel senso più próprio della parola. Son concetti questi di commune applicazione riguado alle compentenza degli oragnia amministrativi e non si saprebbe indicarei l pechè non possono riferirsi, nella loro generalità, al Parlamento. In certi campoi della sua funzione legislativa, questo non há poteri sconfinati, ma poteri discricionali, il che vuol dire litate, e non altro, dall’obbligo di fare uso per dati motivi’ (‘mas a figura do poder discricionário reclama precisamente que dele se faça uso conforme à finalidade, da qual o próprio poder deriva: há de outra forma um desvio de poder que constitui uma violação de direito no sentido próprio da palavra. São conceitos estes de aplicação comum no que se refere à competência dos órgãos administrativos, e não se saberá indicar por que não parecem se referir em sua generalidade, ao Parlamento. Em certos campos de sua competência legislativa, este não possui poderes sem fronteiras, mas poderes discricionários, importa dizer, limitados pelo menos da obrigação de fazer uso por motivos determinados’) (‘Osservazioni preliminari per uma teoria sui limite della funzione legislativa nel Diritto Pubblico’, 1902, e incluído na coletânea Scriti Minori – Diritto Costituzionale, v. I/199, 1950).

Não é outro o pensamento de Costantino Mortati quando adverte que ‘a lei poderá estar viciada de inconstitucionalidade não somente quando o interesse perseguido contrasta com aquele imposto pela Constituição, mas também nos casos em que o próprio teor da lei está em absoluta incongruência com a norma editada e o fim do interesse público a ser perseguido e o próprio legislador afirma pretender perseguir. Verifica-se, nessa ultima hipótese, uma modalidade de vício de legitimidade assimilável ao excesso de poder administrativo’ (‘la legge può risultare viziata per incostituzionalità non solo quando l’interesse perseguito contrasta com quelllo imposto dalla Costituzione, ma anche nei casi in cui dallo stesso tenore della legge risulti un’assouta incongruenza fra la norma dettata ed il fine di pubblico interesse che si doveva perseguire e che lo stesso legislatore assume di volere perseguire. Si verificherebbe in quest’ultima ipotese un’ipotesi di vizio della legittimità assimilabile a quello dell’eccesso di potere amministrativo’) (verbete ‘Discricionalità’, Novissimo Digesto Italiano, v. V/1.09).

Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.

O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legitima destinação.

Gilmar Ferreira Mendes dedicou capítulo especial de sua monografia sobre controle de constitucionalidade à avaliação do excesso de poder legislativo como vício substancial de inconstitucionalidade. Com apoio na doutrina alemã e na lição de Canotilho, evidencia a prevalência da vinculação do ato legislativo a uma finalidade e à aplicação do princípio da proporcionalidade como elemento da legitimidade constitucional das leis. Oferece, como exemplos, precedentes colhidos na jurisprudência do STF (Controle de Constitucionalidade, Saraiva, 1990, pp. 38-54).

Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).

E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)’. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).

Enfim, a edição dos arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, criando o cargo de Secretário de Negócios Jurídicos com o único fim de manter “jurídico” não admitido pelo sistema de mérito, dotando-o de atribuições própria da advocacia pública, caracteriza nítida incompatibilidade vertical com os princípios de moralidade, razoabilidade e interesse público, constantes do art. 111 da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.

 

B - VINCULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS AO MODELO CONSTITUCIONAL QUE CUIDA DA ADVOCACIA PÚBLICA

Não obstante já exista a Procuradoria Jurídica no Município de Penápolis, é importante destacar que os preceitos previstos nos arts. 98 e 99 da Carta Política bandeirante, referentes à Procuradoria-Geral do Estado, balizam a atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do órgão local de Advocacia Pública, na mesma medida em que os arts. 131 e 132 da Constituição da República.

Trata-se de modelo de observância obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).

                   Ora, se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública como função essencial à Justiça essa prescrição é vinculante para os Municípios na medida em que também eles carecem de organismo de representação, consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública na defesa de seus direitos e interesses.

                   É importante gizar que a latere do Ministério Público e da Defensoria Pública a Advocacia Pública é um dos atores que compõem as funções essenciais à Justiça.

                   Trata-se de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).

                   É o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de 1988 “um bloco de funções públicas autônomas, independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são aquelas denominadas, funções essenciais à justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:

“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).

                   Discorrendo a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a “institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos Estados” adicionando que:

“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 625).

                   Ou seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os Municípios não só a criarem mas a organizarem tais organismos para o exercício de suas funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo, impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham essas missões, pois, lhes foram expressamente reservadas em favor de maior profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria, como sujeito de direitos e obrigações.

                   Bem por isso a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes arestos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

Entretanto, mesmo existindo órgão próprio da Advocacia Pública no Município de Penápolis, chefiado por Procurador Geral que deve ser escolhido dentre os procuradores de carreira, conforme decidido em ação direta de inconstitucionalidade, o chefe do Poder Executivo fez criar cargo de Secretário de Negócios Jurídicos, de provimento em comissão, dotando-o de atribuições exclusivas da Advocacia Pública, em detrimento da profissionalidade, da objetividade e da imparcialidade no exercício das missões institucionais.

 

C – EXERCÍCIO DE ATRIBUIÇÕES RESERVADAS À ADVOCACIA PÚBLICA PELO SECRETÁRIO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Os incisos I, II e III do art. 3º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, do Município de Penápolis são incompatíveis com os arts. 98 e 99, I, II, IV, V, VI e IX, e 100 da Constituição Estadual.

Tais dispositivos conferem, em síntese, atribuições próprias da Advocacia Pública ao Secretário dos Negócios Jurídicos, que é agente político investido em cargo de provimento em comissão de natureza imediatamente auxiliar ao Prefeito.

Os incisos I e II do art. 3º da Lei nº 2114, de 25 de fevereiro de 2016, declaram ser de atribuição do Secretário de Negócios Jurídicos “assessorar o Prefeito Municipal e os demais órgãos em assuntos de natureza jurídica e política, emitindo pareceres”, bem como “examinar mintas de editais de licitação, bem como as dos contratos, convênios, acordos e ajustes nos quais o Município seja parte”, o que consubstancia assessoramento jurídico, isto é, atividade própria da Advocacia Pública nos termos dos arts. 98 e 99, II da Constituição Estadual.

Da mesma maneira, o inciso III do art. 3º enfocado, comete-lhe a atribuição de “instaurar sindicância e processo administrativo quando assim determinado pelo Prefeito”, desafiando as tarefas reservadas à advocacia pública nos arts. 98 e 99, I e IX, da Constituição Estadual.

Por sua vez, o inciso IV do art. 3º ora impugnado, ao atribuir ao Secretário de Negócios Jurídicos a função de “redigir projetos de leis, acompanhando a sua tramitação na Câmara Municipal”, viola os arts. 98 e 99, V da Constituição Estadual, porquanto também consistir atividade reservada ao órgão da Advocacia Pública.

 

III – PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora.

A atual tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação no tocante à boa organização dos serviços públicos locais de advocacia pública.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016.

 

IV - PEDIDO

                   Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, do Município de Penápolis.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Penápolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 13 de setembro de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 38.661/16

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade  em relação aos arts. 3º e 5º da Lei nº 2.114, de 25 de fevereiro de 2016, Município de Penápolis.

2.     Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe aos interessados e à douta Promotoria de Justiça de Estrela D'Oeste.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 13 de setembro de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

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