EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 90.482/2016

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Criação abusiva de cargo em comissão pela Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga. 1. Declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto do cargo de provimento em comissão de “Ouvidor Geral”, criado pelo Anexo II, e cujas atribuições se encontram descritas no Anexo V, da Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambos do Município de Taquaritinga. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem exercidas por servidor público investido em cargo de provimento efetivo. Descrição genérica, imprecisa e indeterminada de atribuições; 2. Violação dos artigos 111, 115, II e V, da Constituição Estadual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 90.482/2016, que segue anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do cargo de “Ouvidor Geral”, criado pelo Anexo II, e cujas atribuições se encontram descritas no Anexo III, da Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambos do Município de Taquaritinga, pelos fundamentos expostos a seguir:

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambas do Município de Taquaritinga, tem no que interessa para o desfecho da presente ação, com o nosso destaque, a seguinte redação:

“(...)

ANEXO II

CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES GRATIFICADAS POR ÓRGÃO

ÓRGÃO

CARGO

CÓDIGO

QUANTIDADE

Gabinete do Prefeito

Secretário Adjunto

DAS 3

1

Ouvidor Geral

DAS 1

1

Diretor de Expediente e Publicações

DAS 2

1

Coordenador de Redação Oficial e Registros de Atos

FG 3

1

Diretor de Comunicação Social

DAS 2

1

Assessor

DAS 1

10

Secretaria Executiva

FG 2

1

 

Subprefeito

DAS 2

3

 

Chefe de Central de Apoio Administrativo

DAS 4

1

 

(...)

ANEXO V

ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES GRATIFICADAS POR ÓRGÃO

1.      Gabinete do Prefeito

CARGO

Atribuições

(...)

Ouvidor Geral

Auxiliar no atendimento de pessoas que buscam o Poder Executivo Municipal, encaminhando-as aos setores competentes, orientando-as ou marcando audiência, quando for o caso; receber reclamações, denúncias e queixas de servidores municipais e cidadãos quanto às atividades e serviços desenvolvidos pela Administração Municipal; apurar as reclamações, denúncias e queixas recebidas; encaminhar as reclamações, denúncias e queixas recebidas aos órgãos competentes, solicitando que os resolvam dentro de prazo estabelecido em comum acordo com o reclamante, denunciante ou queixoso; registrar as reclamações, denúncias ou queixas apresentadas e acompanhar as providências para sua solução, bem como informar aos interessados; produzir relatórios periódicos com informações e estatísticas sobre reclamações, denúncias ou queixas e seus encaminhamentos bem como sobre as providências tomadas ou eventuais pendências; informar à Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos sobre reclamações, denúncias ou queixas que possam dar origem a sindicâncias e processos administrativos; recomendar medidas que visem aprimorar a Administração Pública; desempenhar outras atribuições afins.

 

 (...)” (fls. 02/13) - grifo nosso.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo.

Com efeito, as normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

III - DO CARGO DE “OUVIDOR GERAL”

As atribuições descritas no Anexo V da Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambos do Município de Taquaritinga, do cargo de provimento em comissão de “Ouvidor Geral”, não expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias.

Como bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Não há, evidentemente, nenhum componente no posto acima transcrito a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivo aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

Nesse sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, mas somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção. Assim, é vedada a criação de cargos de provimento em comissão com funções meramente burocráticas, operacionais, técnicas, de natureza profissional e permanente.

Como é cediço, os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais.

A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Há, com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Prelecionando na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Cumpre observar que o cargo mencionado não reflete a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

Outrossim, é regra imperativa da Constituição Federal (art. 37, inciso V) que as funções de confiança sejam exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e que percentual de cargos de provimento em comissão seja reservado a servidores de carreira.

Cargos em comissão devem ser preenchidos para desempenho de atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Do art. 37, V, da Constituição Federal, e do art. 115, V, da Constituição Estadual, deriva que há cargos de provimento em comissão: a) não exclusivos; b) exclusivos de servidores de carreira. Aqueles são livremente providos por qualquer pessoa que satisfaça os requisitos legais; estes somente por servidores de carreira, porque, embora o provimento seja precário, a natureza não-técnica de chefia, direção ou assessoramento aponta com maior grau para o caráter profissional respectivo.

A função de Ouvidor Geral deve ser exercida por servidor de carreira, integrante do Poder Executivo Municipal, pois pressupõe o conhecimento específico das funções e da estrutura administrativa do Município, a fim de bem processar as reclamações, denúncias e queixas recebidas da população, encaminhando-as ao órgão competente para apurá-las, quando necessário.

É incompatível com as atribuições de Ouvidor Geral a livre escolha e a nomeação de qualquer pessoa.

Afinal, trata-se de relevante função de direção e de chefia que só pode ser atribuída a servidor ocupante de cargo efetivo, em função da adição de atribuições que se impõe ao Ouvidor.

Trata-se, em última análise, de atribuição que requer conhecimento técnico, de tal forma que deve haver uma adição ou um acoplamento de atribuições ao servidor efetivo, de carreira, que pertence à mesma unidade administrativa cujas competências incluam as atividades próprias do cargo efetivo.

Trata-se de situação que impõe um acréscimo de responsabilidades de natureza gerencial ou de supervisão que só pode ser atribuído a servidor ocupante de cargo efetivo.

Deste modo, requer-se que se declare a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do cargo de “ouvidor”, fixando que tal cargo em comissão deve ser ocupado por servidor de carreira.

 

 

IV – Pedido

Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para que se declare a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do cargo de provimento em comissão de “Ouvidor Geral”, criado pelo Anexo II, e cujas atribuições se encontram descritas no Anexo V, da Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambos do Município de Taquaritinga, fixando que tal cargo em comissão deve ser provido por servidores de carreira.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Taquaritinga, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 19 de agosto de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/ts

 


Protocolado nº 90.482/2016

Assunto: Inconstitucionalidade parcial sem redução do texto do cargo de provimento em comissão de “Ouvidor Geral”, criado pelo Anexo II, e cujas atribuições se encontram descritas no Anexo V, da Lei n° 4.295, de 09 de novembro de 2015, com a redação dada pela Lei n° 4.317, de 29 de fevereiro de 2016, ambos do Município de Taquaritinga, fixando que tal cargo em comissão deve ser provido por servidores de carreira.

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 19 de agosto de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef