EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 95.763/2016

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão previstos nas Lei nº 2.827/02 e nº 4.133/13, do Município de Capivari.

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão de “Procurador Geral do Município” e de “Assessor Jurídico”, previstos, respectivamente, no art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, e no art. 2º da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, do Município de Capivari.

2)      Falta de descrição das atribuições do cargo de provimento em comissão de “Procurador Geral do Município”, instituído pelo art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, de Capivari. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio da reserva legal.

3)      Cargo público de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”, regulamentado no art. 2º, “caput” e parágrafo único, e no Anexo I, da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, de Capivari, que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

4)      Cargos de provimento de comissão de “Procurador Geral do Município” e de “Assessor Jurídico”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 95.763/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, e do art. 2º, “caput” e parágrafo único, e Anexo I da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, do Município de Capivari, pelos fundamentos expostos a seguir.

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade, e a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado em razão da representação da DD. 2ª Promotora de Justiça de Capivari (fls. 02/10).

A Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, do Município de Capivari, foi responsável por alterar a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal, estabelecendo, no que interessa, o seguinte:

Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002

Fica alterada a Estrutura Administrativa da Prefeitura Municipal de Capivari, como especifica.

(...)

Art. 5º - Fica criado 01 (um) cargo de Procurador Geral do Município, referência 18-B da tabela, de provimento em comissão, e extinto o cargo de Secretário dos Negócios Jurídicos.

(...).” (sic)

Por sua vez, a Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, do Município de Capivari, que “Revoga o art. 2º, da Lei Municipal nº 3.218/2006, de 14 de novembro de 2006, e dá outras providências”, assim dispôs:

Lei nº 1.133, de 12 de março de 2013

(...)

Art. 2º - Cria-se o cargo de Assessor Jurídico, junto à Procuradoria Jurídica Municipal, de provimento em comissão, na quantidade de 1 (uma) vaga, sendo sua referência 21-A, tendo suas atribuições constantes no anexo I, desta Lei Municipal.

§ único – Cria-se desta forma, a referência 21-A, na tabela de referências salariais no Departamento Municipal de Recursos Humanos, no montante de 2.699,15 (dois mil, seiscentos e noventa e nove reais e quinze centavos).

                                      (...)”. (sic)

O Anexo I da Lei nº 4.133/2013, de Capivari, que traz as atribuições referentes ao cargo de “Assessor Jurídico” então instituído, tem a seguinte redação:

ANEXO I

- ATRIBUIÇÕES: prestar consultoria e assessoramento jurídico aos órgãos da Administração Direta e Indireta junto à Procuradoria Geral do Município; elaborar pareceres jurídicos fundamentados; sugerir ao Procurador Geral alterações na legislação pertinente aos servidores públicos municipais, de modo a ajustá-la ao interesse público do Município; opinar, previamente, sobre a legalidade e a forma dos editais e outros atos convocatórios de licitações, bem como dos contratos, consórcios e convênios; elaborar pareceres em processos administrativos sobre servidores públicos que contenham indagação jurídica; opinar previamente às decisões do Prefeito nos processos que tratem de direitos, deveres, disciplina, vantagens e prerrogativas dos servidores públicos municipais; assistir o Município nas transações imobiliárias e em qualquer ato jurídico administrativo; elaborar, redigir, estudar e examinar anteprojetos de lei, decretos e regulamentos, assim como elaborar minutas de contratos, escrituras, convênios e de quaisquer outros atos jurídicos; executar toda e qualquer delegação de atribuição recebida do Procurador Geral Municipal, respeitadas as atribuições do cargo; executar as atividades de administração geral, controle de material e patrimônio; elaborar, anualmente, relatório das atividades realizadas pela Procuradoria Geral, encaminhando-o ao Procurador Geral Municipal; atender o público em geral; realizar outras tarefas afins.

Como depreende-se dos atos normativos transcritos, o cargo de provimento em comissão de “Procurador Geral do Município” foi criado pela Lei nº 2.827/2002, do Município de Capivari, sem a descrição de suas atribuições.

Já o cargo de Assessor Jurídico foi instituído pela Lei nº 4.133/2013, de Capivari, com a descrição das atribuições em seu Anexo I. Notadamente, contudo, tal unidade desempenha funções essencialmente técnicas, devendo ser preenchida por servidores efetivos, de carreira, com indispensável a realização de concurso público.

Não é só. As unidades de “Procurador Geral do Município” e de “Assessor Jurídico”, por desenvolverem atividades de advocacia pública, são reservados a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

2.     DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “ASSESSOR JURÍDICO”.

Para a unidade comissionada de “Assessor Jurídico”, encontramos o Anexo I da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, que “Revoga o art. 2º, da Lei Municipal nº 3.218/2006, e outras providências”, e assim descreve suas correlatas atribuições:

 

“ANEXO I

- ATRIBUIÇÕES: prestar consultoria e assessoramento jurídico aos órgãos da Administração Direta e Indireta junto à Procuradoria Geral do Município; elaborar pareceres jurídicos fundamentados; sugerir ao Procurador Geral alterações na legislação pertinente aos servidores públicos municipais, de modo a ajustá-la ao interesse público do Município; opinar, previamente, sobre a legalidade e a forma dos editais e outros atos convocatórios de licitações, bem como dos contratos, consórcios e convênios; elaborar pareceres em processos administrativos sobre servidores públicos que contenham indagação jurídica; opinar previamente às decisões do Prefeito nos processos que tratem de direitos, deveres, disciplina, vantagens e prerrogativas dos servidores públicos municipais; assistir o Município nas transações imobiliárias e em qualquer ato jurídico administrativo; elaborar, redigir, estudar e examinar anteprojetos de lei, decretos e regulamentos, assim como elaborar minutas de contratos, escrituras, convênios e de quaisquer outros atos jurídicos; executar toda e qualquer delegação de atribuição recebida do Procurador Geral Municipal, respeitadas as atribuições do cargo; executar as atividades de administração geral, controle de material e patrimônio; elaborar, anualmente, relatório das atividades realizadas pela Procuradoria Geral, encaminhando-o ao Procurador Geral Municipal; atender o público em geral; realizar outras tarefas afins.”

3.     DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO”.

Não há na Lei nº 2.827/2002, do Município de Capivari, descrição das atribuições do cargo de provimento em comissão de “Procurador Geral do Município”.

Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento.

A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão, a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo, a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM n. 113/07 do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

Assim, é impositiva a declaração da inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, do Município de Capivari, que criou o cargo em comissão de “Procurador Geral do Município”, de provimento em comissão, sem a respectiva descrição de suas atribuições.

4.     DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DO CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “ASSESSOR JURÍDICO”.

As incumbências relacionadas ao cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico” têm, notadamente, natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional.

Em linhas gerais, são relacionadas a suporte técnico, interlocução, acompanhamento, informações, administração, elaboração de peças processuais, projetos de atos normativos, minutas de contratos e convênios, e outras atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução.

Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo. Senão vejamos.

O Anexo I da Lei nº 4.133/2013, de Capivari, em especial, elencou as seguintes funções ao “Assessor Jurídico”: prestar consultoria aos órgãos da administração junto à Procuradoria-Geral do Município; elaborar pareceres jurídicos; sugerir ao Procurador-Geral do Município alterações na legislação; opinar sobre a legalidade de editais e atos convocatórios de licitações, contratos, consórcios e convênios; manifestar-se previamente às decisões do Prefeito nos processos que tratem de servidores públicos municipais; preparar projetos de lei, decretos e regulamentos e atos jurídicos; executar delegação de tarefas recebidas pelo Procurador Geral Municipal; praticar atividades de administração geral, controle de material e patrimônio; confeccionar relatórios de atividade; realizar o atendimento ao público em geral, entre outras tarefas similares.

Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior onde se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Embora na descrição das atribuições do cargo mencionado haja referência genérica a atividade de prestar assessoramento jurídico aos órgãos da administração Direta e Indireta, a análise das características indica que são destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a decisões e execução.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115, incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I da Constituição Federal; bem como no art. 115, I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou empregos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições do cargo impugnado não é possível identificar os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que o cargo de provimento em comissão, ante referido, destina-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Cabe também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência ao art. 115, incisos I, II e V, da Constituição Estadual, bem como ao art. 37, incisos I, II e V, da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

5.     DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA.

Não bastasse a ausência de descrição das atribuições do cargo de “Procurador Geral do Município”, em violação à reserva legal, bem como a enumeração de funções técnicas e burocráticas à unidade de “Assessor Jurídico”, contrariando o art. 115, I, II e V, da Constituição Federal, a atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.

É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.

Este modelo deve ser observado pelos municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

Assim, não bastasse a natureza técnica profissional do cargo de “Assessor Jurídico” e da ausência de atribuições correlacionadas ao de “Procurador Geral do Município”, por força dos art. 98 a 100 da Constituição Estadual, não há possibilidade de serem unidades de natureza puramente comissionada. 

6.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Capivari apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrado que não existem atribuições previstas em lei para o cargo de provimento comissionado de “Procurador Geral do Município”.

Por outro lado, a unidade de “Assessor Jurídico” não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.

Além do que, como acima mencionado, tais cargos desempenham atividades de advocacia pública, contrariando, também por tal razão, a ordem constitucional vigente.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais postos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão da vigência e eficácia do art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, e do art. 2º, “caput” e parágrafo único, e do Anexo I, da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, do Município de Capivari.

7. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 2.827, de 24 de abril de 2002, e do art. 2º, “caput” e parágrafo único, e do Anexo I, da Lei nº 4.133, de 12 de março de 2013, do Município de Capivari.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Capivari, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 20 de setembro de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mjap

 

 

 


 Protocolado nº 95.763/2016

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão previstos nas Lei nº 2.827/02 e nº 4.133/13, do Município de Capivari.

 

 

 

 

1.     Distribua-se eletronicamente a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 20 de setembro de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

aca