EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 36.394/16

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de empregos públicos de provimento em comissão criados pelas Leis Complementares Estaduais nº 1.044, de 13 de maio de 2008; nº 1.148, de 15 de setembro de 2011, e nº 1.240, de 22 de abril de 2014, do Estado de São Paulo.

2)      Criação de empregos públicos de provimento em comissão sem descrição das respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio da reserva legal.

3)      É inconstitucional a delegação da fixação de atribuições dos empregos de confiança a ato de natureza infralegal.

4)      Interpretação conforme. Incompatibilidade da sujeição ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da Constituição Estadual).

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 36.394/16, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 40 da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008; dos empregos públicos de provimento em comissão de Diretor Superintendente, Vice-Diretor Superintendente, Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Diretor de Escola Técnica - ETEC, Assistente Administrativo, Assistente Administrativo de Gabinete, Assistente Técnico, Assistente Técnico Administrativo I, Assistente Técnico Administrativo II, Assistente Técnico Administrativo III, Assistente Técnico da Superintendência, Assistente de Planejamento Estratégico, Assessor Técnico da Superintendência, Coordenador Técnico, Diretor de Departamento, Diretor de Divisão, Diretor de Serviço, Diretor Pedagógico, Supervisor de Gestão Rural, Assessor Técnico Chefe, Chefe de Gabinete da Superintendência, Chefe de Seção Administrativa, Chefe de Seção Técnica Administrativa, Encarregado de Setor Administrativo, Encarregado de Setor Técnico Administrativo, Secretário Geral e Assistente de Supervisão Educacional, constantes no art. 6º, III (na redação dada pelo art. 1º, II da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014), no art. 39, III e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, no Anexo XIII da Lei Complementar nº 1.148, de 15 de setembro de 2011, no art. 9º, II e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014, todas do Estado de São Paulo; bem como que seja dada interpretação conforme à Constituição Paulista ao art. 4º da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo Promotor de Justiça de Lins (fls. 02/09).

A Lei Complementar Estadual nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, que “Institui o Plano de Carreiras, de Empregos Públicos e Sistema Retribuitório dos servidores do Centro Estadual de Educação Tecnológica ‘Paula Souza’ – CEETEPS”, assim dispõe no que interessa:

“Artigo 4º - O regime jurídico dos servidores do CEETEPS, de que trata esta lei complementar, é o da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

(...)

Artigo 39Ficam criados, no Quadro de Pessoal do CEETEPS, os seguintes empregos públicos:

III - no Subquadro de Empregos Públicos em Confiança (SQEP-C), a que se refere o inciso II do artigo 3º desta lei complementar, enquadrados na Escala de Salários - Empregos Públicos em Confiança:

a) 1 (um) de Diretor Superintendente, referência XVIII;

b) 1 (um) de Vice-Diretor Superintendente, referência XVII;

c) 60 (sessenta) de Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, referência XIII;

d) 60 (sessenta) de Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, referência XII;

e) 200 (duzentos) de Diretor de Escola Técnica - ETEC, referência IX;

f) 309 (trezentos e nove) de Assistente Administrativo, referência I;

g) 3 (três) de Assistente Administrativo de Gabinete, referência II;

h) 6 (seis) de Assistente Técnico, referência III;

i) 33 (trinta e três) de Assistente Técnico Administrativo I, referência IV;

j) 9 (nove) de Assistente Técnico Administrativo II, referência VI;

l) 16 (dezesseis) de Assistente Técnico Administrativo III, referência VIII;

m) 5 (cinco) de Assistente Técnico da Superintendência, referência VI;

n) 19 (dezenove) de Assistente de Planejamento Estratégico, referência X;

o) 10 (dez) de Assessor Técnico da Superintendência, referência XIV;

p) 3 (três) de Coordenador Técnico, referência XV;

q) 15 (quinze) de Diretor de Departamento, referência XI;

r) 18 (dezoito) de Diretor de Divisão, referência VIII;

s) 387 (trezentos e oitenta e sete) de Diretor de Serviço, referência VII;

t) 186 (cento e oitenta e seis) de Diretor Pedagógico, referência VII;

u) 35 (trinta e cinco) de Supervisor de Gestão Rural, referência II.

Parágrafo único - Os empregos públicos de que trata este artigo serão preenchidos gradativamente, de acordo com as necessidades da estrutura organizacional vigente e da implantação da expansão de unidades escolares.”

Editada posteriormente, a Lei Complementar Estadual nº 1.148, de 15 de setembro de 2011, ao alterar a LC nº 1.044/2008, trouxe em seu Anexo XIII novo enquadramento aos empregos de confiança anteriormente mencionados, senão vejamos:

“Disposição Transitória

Artigo único - As classes constantes dos Anexos IX, X, XI, XII e XIII desta lei complementar ficam enquadradas, a partir de 1º de julho de 2011, na forma neles prevista.”

Também a Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014, alterou a LC nº 1.044/2008, assim regulamentando os empregos de confiança:

“Artigo 1º - Passam a vigorar com a seguinte redação os dispositivos adiante enumerados da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008.

II - a Seção II, do Capítulo II e o artigo 6º, alterado pela Lei Complementar 1.148, de 15 de setembro de 2011:

‘Seção II

 Das Classes

 Artigo 6º - As classes de que trata esta lei complementar são as seguintes:

(...)

 III - as classes em confiança:

 a) Assessor Técnico Chefe;

 b) Assessor Técnico da Superintendência;

 c) Assistente Administrativo;

 d) Assistente Administrativo de Gabinete;

 e) Assistente de Planejamento Estratégico;

 f) Assistente de Supervisão Educacional;

 g) Assistente Técnico;

 h) Assistente Técnico Administrativo I;

 i) Assistente Técnico Administrativo II;

 j) Assistente Técnico Administrativo III;

 k) Assistente Técnico da Superintendência ;

 l) Chefe de Gabinete da Superintendência;

 m) Chefe de Seção Administrativa;

 n) Chefe de Seção Técnica Administrativa;

 o) Coordenador Técnico;

 p) Diretor de Departamento;

 q) Diretor de Divisão;

 r) Diretor de Escola Técnica - ETEC;

 s) Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC;

 t) Diretor de Serviço;

 u) Diretor Superintendente;

 v) Encarregado de Setor Administrativo;

 w) Encarregado de Setor Técnico Administrativo;

 x) Secretario Geral;

 y) Supervisor de Gestão Rural;

 z) Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC;

 z.1) Vice-Diretor Superintendente.

(...)

Artigo 9º - Ficam criados, no Quadro de Pessoal do Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” - CEETEPS, os seguintes empregos públicos:

(...)

II - no Subquadro de Empregos Públicos em Confiança (SQEP-C), a que se refere o inciso II do artigo 3º da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, com as modificações introduzidas pelo inciso II do artigo 6º desta lei complementar:

a) 1 (um) de Secretário Geral, referência 10;

b) 20 (vinte) de Assistente de Supervisão Educacional, referência 11;

(...)

Disposições Transitórias

(...)

Artigo 3º - Os atuais servidores ocupantes de empregos públicos em confiança serão enquadrados na forma indicada no Anexo XII desta lei complementar.”

Os atos normativos transcritos, na parte em que criam os empregos públicos de Diretor Superintendente, Vice-Diretor Superintendente, Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Diretor de Escola Técnica - ETEC, Assistente Administrativo, Assistente Administrativo de Gabinete, Assistente Técnico, Assistente Técnico Administrativo I, Assistente Técnico Administrativo II, Assistente Técnico Administrativo III, Assistente Técnico da Superintendência, Assistente de Planejamento Estratégico, Assessor Técnico da Superintendência, Coordenador Técnico, Diretor de Departamento, Diretor de Divisão, Diretor de Serviço, Diretor Pedagógico, Supervisor de Gestão Rural, Assessor Técnico Chefe, Chefe de Gabinete da Superintendência, Chefe de Seção Administrativa, Chefe de Seção Técnica Administrativa, Encarregado de Setor Administrativo, Encarregado de Setor Técnico Administrativo, Secretário Geral, Assistente de Supervisão Educacional, bem como na parte em que lhes institui a sujeição ao regime celetista, são inconstitucionais por violação dos arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2.     DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS EMPREGOS DE CONFIANÇA

Não há nas Leis Complementares nº 1.044, de 13 de maio de 2008; nº 1.148, de 15 de setembro de 2011; e nº 1.240, de 22 de abril de 2014, do Estado de São Paulo, descrição das atribuições dos empregos de provimento em comissão de Diretor Superintendente, Vice-Diretor Superintendente, Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Diretor de Escola Técnica - ETEC, Assistente Administrativo, Assistente Administrativo de Gabinete, Assistente Técnico, Assistente Técnico Administrativo I, Assistente Técnico Administrativo II, Assistente Técnico Administrativo III, Assistente Técnico da Superintendência, Assistente de Planejamento Estratégico, Assessor Técnico da Superintendência, Coordenador Técnico, Diretor de Departamento, Diretor de Divisão, Diretor de Serviço, Diretor Pedagógico, Supervisor de Gestão Rural, Assessor Técnico Chefe, Chefe de Gabinete da Superintendência, Chefe de Seção Administrativa, Chefe de Seção Técnica Administrativa, Encarregado de Setor Administrativo, Encarregado de Setor Técnico Administrativo, Secretário Geral e Assistente de Supervisão Educacional.

Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos de provimento em comissão ou funções de confiança, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo, a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema, esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)


3.     INADMISSIBILIDADE DA ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA PARA EMPREGOS DE CONFIANÇA

O art. 4º da Lei Complementar Estadual nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, assim dispõe:

“Artigo 4º - O regime jurídico dos servidores do CEETEPS, de que trata esta lei complementar, é o da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.”

Ocorre que os cargos de provimento em comissão, são incompatíveis com o regime celetista na Administração Pública porque configura limite à liberdade de provimento e exoneração do cargo a dispensa imotivada onerosa (art. 115, II e V, Constituição Estadual).

A inserção do emprego comissionado no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

Consigne-se, inicialmente, que, ao submeter determinada atividade ao regime estatutário, e não ao celetista, devido às garantias constitucionais a ele relacionadas, assegura-se de forma mais efetiva a atuação impessoal do servidor, que almejará sempre o interesse público, não ficando adstrito a interesses unicamente empregatícios, sendo, com isso, uma segurança para os próprios administrados.

Referidas garantias encontram-se previstas nos artigos 39 e 41 da Carta da República, cite-se, dentre outras, a estabilidade, a reintegração e a disponibilidade remunerada.

         A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

A subordinação dos ocupantes de emprego de confiança ao regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, a lei complementar estadual infringe ambos os princípios. Como os cargos comissionados constituem exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma, a sujeição do emprego comissionado ou da função de confiança ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza do provimento em comissão cuja marca eloquente é a instabilidade ditada pela relação de confiança.

Feitas essas considerações, o art. 4º da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, prevê que os servidores da fundação serão admitidos sob regime celetista, no entanto, não faz qualquer ressalva em relação aos cargos de provimento em comissão e às funções de confiança.

Por esta razão, é fundamental que se dê interpretação conforme no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Anote-se que a interpretação conforme tem o condão de destacar qual a única interpretação válida a ser conferida a determinado texto legislativo, compatibilizando-o com a Constituição (na doutrina, por todos, v. Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, Controle concentrado de constitucionalidade – comentários à Lei 9868, de 10-11-1999, 2ªed., 2ª tir., São Paulo, Saraiva, 2007, p.407/419; e ainda Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ªed., São Paulo, RT, 2001, p.188/191).

Não sendo dada a interpretação conforme ao dispositivo em questão, é inegável a violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade (art. 111, Constituição Estadual) e à regra da liberdade de exoneração que domina o provimento em comissão (art. 115, II e V, Constituição Estadual).

4. DA DELEGAÇÃO DA FIXAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES

O art. 40 da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, apresenta a seguinte redação:

“Art. 20 -   As atribuições dos empregos públicos abrangidos pelo Plano de Carreira, de Empregos Públicos e Sistema Retributório, de que trata esta lei complementar, serão estabelecidas pelo Conselho Deliberativo do CEEETEPS, no prazo de 180 (cento e oitenta dias) contados da publicação desta lei complementar.”

Em atenção ao princípio da legalidade que preside a Administração Pública, a criação de cargos públicos de qualquer natureza, seus quantitativos e os requisitos, exigências e condições para o seu provimento de qualquer natureza devem estar contidos em lei formal, não sendo admissível sua delegação ao Conselho Deliberativo do CEEETEPS (constante nas fls. 47/82 do protocolado anexado)

Neste sentido admoesta lúcida doutrina (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581) acompanhada por cediça jurisprudência (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Minº Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Minº Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.). Vejamos:

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais as leis que autorizem o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Minº Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 03-10-2008). (g.nº)

         Inserida a criação do cargo público com descrição de suas atribuições na reserva legal absoluta ou formal, é inválida a criação de cargos de provimento em comissão tanto pela omissão da lei em relação à descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção, quanto pela delegação da fixação dessas atribuições a ato de natureza infralegal, por que conforme explica a doutrina:

“somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Este também é o entendimento deste Tribunal de Justiça Estadual:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento.

Esta delegação legislativa ao Poder Executivo decorrente do art. 40 da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, é vedada pelo art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e pelo art. 24, § 2º, 1, que exigem lei em sentido formal para a criação e descrição das atribuições dos cargos público.

Dessa forma, a Deliberação nº 008, de 10 de julho de 2014, do Conselho Deliberativo do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS não é suficiente para suprir a mencionada exigência legal.

5.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 40 da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008; dos empregos públicos de provimento em comissão de Diretor Superintendente, Vice-Diretor Superintendente, Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Diretor de Escola Técnica - ETEC, Assistente Administrativo, Assistente Administrativo de Gabinete, Assistente Técnico, Assistente Técnico Administrativo I, Assistente Técnico Administrativo II, Assistente Técnico Administrativo III, Assistente Técnico da Superintendência, Assistente de Planejamento Estratégico, Assessor Técnico da Superintendência, Coordenador Técnico, Diretor de Departamento, Diretor de Divisão, Diretor de Serviço, Diretor Pedagógico, Supervisor de Gestão Rural, Assessor Técnico Chefe, Chefe de Gabinete da Superintendência, Chefe de Seção Administrativa, Chefe de Seção Técnica Administrativa, Encarregado de Setor Administrativo, Encarregado de Setor Técnico Administrativo, Secretário Geral e Assistente de Supervisão Educacional, constantes no art. 6º, III (na redação dada pelo art. 1º, II da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014), no art. 39, III e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008; no Anexo XIII da Lei Complementar nº 1.148, de 15 de setembro de 2011; no art. 9º, II e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014, todas do Estado de São Paulo; bem como que seja dada interpretação conforme à Constituição Paulista ao art. 4º da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Assembleia Legislativa e ao Governador do Estado de São Paulo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 28 de setembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mam

 

 

 


Protocolado nº 36.394/16

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em facedo art. 40 da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008; dos empregos públicos de provimento em comissão de Diretor Superintendente, Vice-Diretor Superintendente, Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Vice-Diretor de Faculdade de Tecnologia - FATEC, Diretor de Escola Técnica - ETEC, Assistente Administrativo, Assistente Administrativo de Gabinete, Assistente Técnico, Assistente Técnico Administrativo I, Assistente Técnico Administrativo II, Assistente Técnico Administrativo III, Assistente Técnico da Superintendência, Assistente de Planejamento Estratégico, Assessor Técnico da Superintendência, Coordenador Técnico, Diretor de Departamento, Diretor de Divisão, Diretor de Serviço, Diretor Pedagógico, Supervisor de Gestão Rural, Assessor Técnico Chefe, Chefe de Gabinete da Superintendência, Chefe de Seção Administrativa, Chefe de Seção Técnica Administrativa, Encarregado de Setor Administrativo, Encarregado de Setor Técnico Administrativo, Secretário Geral e Assistente de Supervisão Educacional, constantes no art. 6º, III (na redação dada pelo art. 1º, II da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014), no art. 39, III e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008; no Anexo XIII da Lei Complementar nº 1.148, de 15 de setembro de 2011; no art. 9º, II e no Anexo XII da Lei Complementar nº 1.240, de 22 de abril de 2014, todas do Estado de São Paulo; bem como que seja dada interpretação conforme à Constituição Paulista ao art. 4º da Lei Complementar nº 1.044, de 13 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 28 de setembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mam