Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 14.902/16

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade por omissão. Município de Santa Rita do Passa Quatro. Criação de órgão de advocacia pública. Mora injustificada do dever de legislar. Função essencial à atividade jurisdicional. Inconstitucionalidade por ação. Lei Complementar nº 72, de 20 de agosto de 2015, do Município de Santa Rita do Passa Quatro. Dotação de competências próprias da Advocacia Pública ao cargo de provimento em comissão de “Diretor de Departamento”, bem como ao Departamento Jurídico Municipal (arts. 14, III, e 16). Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016 (Anexos I e II), do Município de Santa Rita do Passa Quatro. Criação de cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”. Descrição de atribuições que não representam funções de assessoramento, chefia e direção, mas de natureza meramente técnica e profissional.

1. A advocacia pública é instituição estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial do poder público.

2. A ausência de lei específica criando o respectivo órgão no Município caracteriza mora injustificada do dever de legislar, não sendo suprida pela mera existência de “Departamento Jurídico”, ainda mais quando o “Diretor de Departamento” responsável pelo setor é nomeado livremente pelo Chefe do Executivo, haja vista a natureza comissionada de seu cargo (art. 14, III, e 16 da LC nº 72/15).

3. O cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo, no caso ao Departamento Jurídico Municipal, ou ao agente político que o dirige, no caso ao “Diretor de Departamento”, previsto no Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, c/c arts. 14, III, e 16 da Lei Complementar nº 72/15, não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira. Incidência dos arts. 98, 99 e 100 da Constituição Estadual aos Municípios por força de seu art. 144.

4. Cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro. É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições, ainda que descritas, não evidenciam funções de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, cujo provimento deve se dar mediante aprovação em concurso público (arts. 111, 115, II e V, CE/89).

 

 

 

                  O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição da República, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado em epígrafe referido, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro; do desempenho de atribuições próprias de Advocacia Pública pelo Departamento Jurídico Municipal, bem como do cargo de provimento em comissão de “Diretor de Departamento”, previstos no Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, c/c arts. 14, III, e 16 da Lei Complementar nº 72/15, cumulada com AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito Municipal e da Câmara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – DA OMISSÃO NORMATIVA INCONSTITUCIONAL

                   Segundo informações acostadas aos autos do protocolado que instrui a presente inicial não existe no Município de Santa Rita do Passa Quatro órgão específico da Advocacia Pública, havendo apenas menção à existência de Departamento Jurídico no âmbito municipal (arts. 14, III, e 16 da LC nº 72/15), sobre o qual não há detalhamento pormenorizado de quais agentes públicos irão compô-lo, sua forma de provimento, muito menos a estrutura de carreira relativa a Procurador Jurídico Municipal (fls. 04/05). Vejamos:

“Art. 14 – A Administração direta do Poder executivo é estruturada com a finalidade de prestar apoio direto ao Prefeito Municipal no planejamento, coordenação e acompanhamento de programas, projetos e atividades para administração municipal, pelos respectivos órgãos:

(...)

III – Departamento Jurídico;

(...)

Art. 16 – Ao Departamento Jurídico compete representar o Município, em qualquer ação, processo judicial e extrajudicial, onde este seja autor ou réu, assistente, ou de qualquer forma interessado em todo e qualquer foro e grau de jurisdição. Centraliza o trato de toda matéria jurídica no âmbito do Município, competindo-lhe atender consultas sobre assuntos jurídicos; examinar matéria legal, emitir pareceres jurídicos às demais unidades organizacionais; estudar e redigir decretos, contratos, escrituras, convênios e outros instrumentos, como igualmente assistir ao Município em transações imobiliárias e efetuar a cobrança amigável, judicial da dívida ativa do Município.”

                   Nesse contexto, a omissão do Município de Santa Rita do Passa Quatro em criar e organizar seu órgão de Advocacia Pública, que não foi colmatada pela instituição genérica do “Departamento Jurídico”, órgão este que, aliás, não poderia desempenhar atribuições próprias de Procuradoria, contrasta com os arts. 98 e 99, I, II, IV, V, VI e IX, e 100 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144, cuja redação é a seguinte:

“Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

                   Esse preceito que reproduz o quanto disposto no caput do art. 29 da Constituição Federal limita e condiciona a autonomia municipal.

                   Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal (José Afonso da Silva. Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

                   A Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.

                   Ademais, eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

                   E assim preceitua a Constituição do Estado de São Paulo ao inserir a Procuradoria do Estado entre os órgãos que executam funções essenciais à Justiça:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

(...)

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

(...)

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

(...)

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.”

                   Esse traçado, aliás, se amolda ao que consta na Constituição Federal em relação à Advocacia Pública, também qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não sendo ocioso registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe expressivos preceitos como as reservas de Lei Complementar para sua instituição (art. 23, parágrafo único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 3).

A – VINCULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS AO MODELO CONSTITUCIONAL

                   Embora os preceitos dos arts. 98, 99 e 100 da Carta Política bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do Estado, eles balizam a atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do órgão local de Advocacia Pública, na mesma medida em que os arts. 131 e 132 da Constituição da República.

                   Trata-se de modelo de observância obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).

                   Ora, se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública como função essencial à Justiça essa prescrição é vinculante para os Municípios, na medida em que eles também carecem de organismo de representação, consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública na defesa de seus direitos e interesses.

                   É importante gizar que a latere do Ministério Público e da Defensoria Pública a Advocacia Pública é um dos atores que compõem as funções essenciais à Justiça.

                   Trata-se de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).

                   É o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de 1988 “um bloco de funções públicas autônomas, independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são aquelas denominadas, funções essenciais à justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:

“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).

                   Discorrendo a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a “institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos Estados” adicionando que:

“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 625).

                   Ou seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo, impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenhem essas missões, pois, lhes foram expressamente reservadas em favor de maior profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria, como sujeito de direitos e obrigações.

                   Bem por isso a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes arestos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

                   Curiosamente, como se relata da exposição acima empreendida acerca do ambiente normativo de Santa Rita do Passa Quatro, embora não haja órgão de Advocacia Pública na localidade há um Departamento Jurídico Municipal desempenhando indevidamente atribuições que seriam exclusivas de Procuradoria, cujo Diretor de Departamento fora instituído pela livre nomeação do Chefe do Executivo local, haja vista a natureza comissionada do referido posto, o que revela uma total falta de profissionalidade, objetividade e imparcialidade no exercício das missões institucionais.

                   Diante dessa anômala situação que demonstra inconstitucionalidade por ação e por omissão decorrente de contexto homogêneo justifica-se a cumulação de ambos os pedidos nesta ação, o que já foi abonado pela Suprema Corte como se constata dos seguintes precedentes:

“18. A cumulação simples de pedidos típicos de ADI e de ADI por omissão é processualmente cabível em uma única demanda de controle concentrado de constitucionalidade, desde que satisfeitos os requisitos previstos na legislação processual civil (CPC, art. 292)” (STF, ADI 4.650-DF, Tribunal Pleno, Rel.  Min. Luiz Fux, 17-09-2015, m.v., DJe 24-02-2016).

“2. Quando se alega uma omissão inconstitucional parcial, discute-se a validade de um diploma que teria afrontado a Carta Federal por não ser suficientemente abrangente. Essas hipóteses se situam em uma zona de fronteira entre a ação e a omissão inconstitucional, evidenciando a relativa fungibilidade entre o controle de constitucionalidade das condutas omissivas e comissivas. Por isso, é possível a cumulação de pedidos alternativos de saneamento da omissão e de afastamento do diploma editado” (STF, ADI 4.079-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, 26-02-2015, v.u., DJe 05-05-2015). 

 

B – INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: AUSÊNCIA DE ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA

                   Como exposto alhures, não há no Município de Santa Rita do Passa Quatro órgão de Advocacia Pública mercê da cogência dos arts. 98 e 99 da Constituição Estadual, não colmatando essa lacuna normativa a previsão legal da existência de “Departamento Jurídico” municipal (arts. 14, III, e 16 da LC nº 72/15), órgão este que, aliás, sequer poderia desempenhar atribuições próprias de Procuradoria, como se evidencia na situação apresentada, e cujo responsável é nomeado livremente pelo Chefe do Executivo, haja vista a natureza comissionada de seu cargo (Anexo I e II da LC nº 76/15).

                   No caso, há o dever constitucional de legislar, consubstanciado na obrigação de criar e organizar no Município órgão de Advocacia Pública, e a contextura apresentada demonstra indevida mora e inaceitável omissão a respeito que impedem a efetividade da norma constitucional, que pode ser suprida pela ação de inconstitucionalidade por omissão à luz do contido no § 4º do art. 90 da Constituição Estadual, in verbis:

“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.”

                   Quando a falta de efetividade da norma constitucional se instala, frustrando a supremacia da Constituição, cabe ao Judiciário suprir o déficit de legitimidade democrática da atuação do Legislativo.

                   Um dos atributos das normas constitucionais é sua imperatividade. Descumpre-se a imperatividade de uma norma constitucional quer quando se adota uma conduta por ela vedada – em violação a uma norma proibitiva, quer quando se deixa de adotar uma conduta por ela determinada – em violação de uma norma preceptiva. Porque assim é, a Constituição é suscetível de violação tanto por ação como por omissão. (Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 279).

                   A omissão normativa municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo reclama intervenção excepcional do Judiciário para a realização da vontade constitucional, pois, as normas constitucionais em pauta não possuem eficácia imediata por se exigir lei instituindo e organizado a Advocacia Pública, tendo em vista que se trata de normas de eficácia limitada (not self-executing) e que se expõem ao controle de constitucionalidade por omissão (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 786), e desde que haja específico dever de legislar e inércia normativa injustificável, como há no caso em questão. Neste sentido:

“Como regra geral, o legislador tem a faculdade discricionária de legislar, e não um dever jurídico de fazê-lo. Todavia, há casos em que a Constituição impõe ao órgão legislativo uma atuação positiva, mediante a edição de norma necessária à efetivação de um mandamento constitucional. Nesta hipótese, sua inércia será ilegítima e configurará caso de inconstitucionalidade por omissão. Adotando-se a tríplice divisão das normas constitucionais quanto a seu conteúdo, a omissão, como regra, ocorrerá em relação a uma norma de organização ou em relação a uma norma definidora de direito. As normas programáticas, normalmente, não especificam a conduta a ser adotada, ensejando margem mais ampla de discricionariedade aos poderes públicos” (Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2014, 6ª ed., p. 280).

                   A Suprema Corte acentua a propósito desse instituto que:

“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público” (STF, ADI-MC 1.458, Rel. Min. Celso de Mello, 23-05-96, DJ de 29-09-1996).

                   A doutrina especializada pondera do mesmo modo que:

“a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Trata-se, ao contrário, de mecanismo voltado, precipuamente, para a defesa da Constituição. Aliás, para a defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, pp. 339-340).

         A ação direta é instrumento adequado para o reconhecimento da mora legislativa. Para tanto, soa indispensável a existência do dever de legislar e a mora injustificada. Oswaldo Luiz Palu ressalta que:

“quando houver o claro e inequívoco dever de agir bem como a possibilidade de realização poderá caracterizar-se a omissão, a permitir o provimento mandamental no controle omissivo (...) A omissão legislativa somente pode significar que o legislador não fez algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente obrigado. A omissão tem conexão com uma exigência de ação advinda da Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras palavras, há o dever de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo obrigado; b) quando a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É dizer: quando não se concretiza, ou não o faz, completamente, uma imposição constitucional” (Controle de Constitucionalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 2ª ed., p. 286).

                   E além da respectiva declaração desse estado de omissão inconstitucional, compete a fixação de prazo razoável para colmatação da lacuna e que se não for atendido impõe medidas destinadas à eficácia concreta ao controle abstrato da omissão do legislador, como professa Dirley da Cunha Júnior ao salientar que:

“impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no §2º do art.103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso” (Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p.547).

                   Tendo presente que o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem como finalidade assentada na Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa, a interpretação finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à conclusão de que a mera determinação de suprimento da omissão legislativa não será suficiente, no caso concreto aqui examinado, pois, seguramente haverá manutenção da situação de omissão inconstitucional.

                   Daí porque o suprimento da omissão normativa infraconstitucional deve ser realizado pela própria decisão proferida no controle concentrado, de tal sorte que será pertinente a fixação de prazo para que a lacuna legislativa seja eliminada, bem como a determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, funcione a Advocacia Pública do Município de Santa Rita do Passa Quatro segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015).

                   Para assegurar a efetividade e a supremacia da Constituição, é compatível à ação de inconstitucionalidade por omissão, além da ciência da mora legislativa, a fixação de prazo para seu suprimento e a colmatação da lacuna, sob pena de inutilidade do instituto e desprezo à evolução experimentada à superação da omissão constitucional no mandado de injunção. Além de outras medidas, a fixação de prazo atende ao alvitre da literatura especializada (Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2010, 14ª ed., pp. 328-331; Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., pp. 497-498; Flávia Piovesan. Proteção judicial contra omissões legislativas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 2ª ed., pp. 121-128; José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 558). Neste sentido assim foi julgado pelo E. Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios” (STF, ADI 3.682-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09-05-2007, m.v., DJe 05-09-2007, RTJ 202/583).

 

C – INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO: EXERCÍCIO DE ATRIBUIÇÕES RESERVADAS À ADVOCACIA PÚBLICA AO DEPARTAMENTO JURÍDICO MUNICIPAL E AO DIRETOR DO RESPECTIVO DEPARTAMENTO DO MUNICÍPIO DE SANTA RITA DO PASSA QUATRO

                   O exercício de funções típicas de advocacia pública no âmbito do Departamento Jurídico de Santa Rita do Passa Quatro, e pelo “Diretor de Departamento”, de Santa Rita do Passa Quatro (Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, c/c arts. 14, III, e 16 da Lei Complementar nº 72/15) é incompatível com os arts. 98 e 99, I, II, IV, V, VI e IX, e 100 da Constituição Estadual.

                   Conforme se observa na leitura da normativa atacada, as funções de advocacia pública, seja na esfera judicial ou extrajudicial, são desempenhadas no âmbito municipal pelo “Departamento Jurídico” (arts. 14, III, e 16 da LC nº 72/15), sob a regência do “Diretor de Departamento” previsto no Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, e cujo provimento é comissionado, por obra do art. 2º do referido diploma. Vejamos:

Lei Complementar nº 72/15:

(...)

Art. 14 – A Administração direta do Poder executivo é estruturada com a finalidade de prestar apoio direto ao Prefeito Municipal no planejamento, coordenação e acompanhamento de programas, projetos e atividades para administração municipal, pelos respectivos órgãos:

(...)

III – Departamento Jurídico;

(...)

Art. 16 – Ao Departamento Jurídico compete representar o Município, em qualquer ação, processo judicial e extrajudicial, onde este seja autor ou réu, assistente, ou de qualquer forma interessado em todo e qualquer foro e grau de jurisdição. Centraliza o trato de toda matéria jurídica no âmbito do Município, competindo-lhe atender consultas sobre assuntos jurídicos; examinar matéria legal, emitir pareceres jurídicos às demais unidades organizacionais; estudar e redigir decretos, contratos, escrituras, convênios e outros instrumentos, como igualmente assistir ao Município em transações imobiliárias e efetuar a cobrança amigável, judicial da dívida ativa do Município.”

Lei Complementar nº 76/15:

(...)

Art. 2º - Os cargos em comissão são os constantes do Anexo I da presente Lei.

(...)

Anexo I

Quadro de pessoal – parte permanente da Prefeitura da Estância Climática de Santa Rita do Passa Quatro

Cargos em comissão a serem regidos pelo Estatuto dos Funcionários Públicos municipais

Qtde

Denominação/Cargo

Referência

Requisitos p/provimento

11

Diretor de Departamento

49

Ensino superior com experiência na área

(...)”

Esse quadro normativo ofende o texto constitucional, vez que as atividades de Advocacia Pública não poderiam ser desempenhadas em órgão estranho à Procuradoria Jurídica, devidamente instituída para este fim, como se evidencia na presente situação, na qual tais atividades restam outorgadas ao Departamento Jurídico Municipal. Também não poderiam ser desempenhadas por Diretor de Departamento de livre nomeação do Chefe do Executivo local, haja vista a natureza comissionada do referido posto, o que revela uma total falta de profissionalidade, objetividade e imparcialidade deste agente no exercício das missões institucionais.

 É sabido que a atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito, ex vi do disposto nos arts. 30, 98 a 100 da Constituição Estadual, que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual, e que deve ser observado pelos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008), inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

Assim, a natureza técnica profissional do cargo de “Diretor de Departamento”, por força dos arts. 30, 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita a sua instituição pela via do provimento comissionado, sendo, portanto, flagrante a inconstitucionalidade do cargo em comento nos moldes em que fora editado pela edilidade. Da mesma forma, a outorga de atribuições próprias de Advocacia Pública a órgão estranho à Procuradoria Municipal, como ocorre na situação em apreço, na qual tais atribuições são desempenhadas indevidamente pelo Departamento Jurídico Municipal.

 

D – INCONSTITUCIONALIDADE DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL”, “ASSESSOR TÉCNICO”, “COORDENADOR ADMINISTRATIVO I” E “COORDENADOR ADMINISTRATIVO II”, PREVISTOS NOS ANEXOS I E II DA LEI COMPLEMENTAR Nº 76, DE 24 DE AGOSTO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE SANTA RITA DO PASSA QUATRO

                  Não obstante as inconstitucionalidade esposadas, infere-se na Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro mais um vício que ofende sobremaneira a Carta Bandeirante.

                   No caso, trata-se da criação indevida dos cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da legislação supramencionada, que violam os arts. 111, 115, II e V, da Constituição Estadual, pelos seguintes fundamentos.

                   Segundo dispõe a         Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro:

“(...)

Art. 2.º - Os cargos em comissão são os constantes do Anexo I da presente Lei.

Art. 3.º - As atribuições dos cargos são as constantes do Anexo II da presente Lei.

(...)

Anexo I

Quadro de pessoal – parte permanente da Prefeitura da Estância Climática de Santa Rita do Passa Quatro

Cargos em comissão a serem regidos pelo Estatuto dos Funcionários Públicos municipais

Qtde

Denominação/Cargo

Referência

Requisitos p/provimento

2

Assessor Gabinete

49

Ensino superior com experiência na área

1

Assessor de Comunicação Social

36

Ensino superior com experiência na área

6

Assessor Técnico

44

Ensino superior com experiência na área

1

Chefe de Gabinete

49

Ensino superior com experiência na área

22

Coordenador Administrativo I

35

Ensino médio com experiência na área

20

Coordenador Administrativo II

23

Ensino fundamental completo com experiência na área

11

Diretor de Departamento

49

Ensino superior com experiência na área

 

ANEXO II

DESCRIÇÃO DE CARGOS

Assessor de Comunicação Social

• Assessora no planejamento, na redação de matérias jornalísticas a serem divulgadas pela Prefeitura, promovendo a sua divulgação por meio dos canais de comunicação, conforme diretrizes estabelecidas pelo Executivo;

• Assessora nos contatos entre o Executivo e os meios de comunicação social (jornais, revistas, rádios, TV, etc), sugerindo pautas e fazendo esclarecimentos necessários para a eficiência da matéria jornalística;

• Promove acesso às informações obtidas por noticiário e/ou mediante contatos com os veículos de comunicação, cuidando para que as peculiaridades sejam respeitadas;

• Executa outras tarefas correlatas que lhe forem determinadas pelo superior imediato.

Assessor de Gabinete

• Assessora o Prefeito e os Diretores Municipais nas questões políticas e administrativas, realizando articulação com outras unidades organizacionais e mantendo contatos com outras instituições, para obter ações e/ou informações de interesse do governo municipal;

• Assessora o Prefeito, organizando os compromissos, dispondo horários de reuniões, entrevistas, solenidades e outros e fazendo as necessárias anotações em agendas, para lembrar e facilitar o cumprimento das obrigações assumidas;

• Executa outras tarefas correlatas que forem determinadas pelo superior imediato.

Assessor Técnico

• Assessora ao Prefeito e às demais unidades organizacionais no desenvolvimento, implantação de programas, projetos e atividades demandas, por meio da elaboração de pareceres, fundamentando-se em dispositivos legais vigentes e nas orientações informais, visando a subsidiá-los na tomada de decisão;

• Assessora nos processos de mudanças de procedimentos administrativos, analisando as matérias e propondo soluções em expedientes e processos, para agilizar o atendimento das respectivas unidades organizacionais;

• Executa outras tarefas correlatas que lhe forem determinadas pelo superior imediato.

Chefe de Gabinete

• Assessora o prefeito no planejamento, na organização, na supervisão e coordenação das atividades da prefeitura, mantendo-o informado sobre o controle de prazo dos processos do Legislativo, referentes a requerimentos, informações, respostas, indicações e apreciação dos projetos pela Câmara Municipal, para as tomadas de decisões;

• Recebe, estuda e propõe soluções em expedientes e processos, discutindo com as demais unidades administrativas o andamento das providências e decisões tomadas pelo chefe do Poder Executivo;

• Recepciona e atende munícipes, entidades, associações de classe e demais visitantes, prestando esclarecimentos e encaminhando-os ao Prefeito ou às unidades administrativas competentes, para atender e solucionar problemas;

• Promove e organiza, em conjunto com a Assessoria de Comunicação, as atividades de protocolo nas solenidades oficiais, recepcionando autoridades e visitantes, para cumprir a programação estabelecida;

• Executa outras tarefas correlatas determinadas pelo prefeito municipal.

Coordenador Administrativo I

• Coordena e controla as atividades inerentes à sua unidade de atuação em sintonia com as diretrizes, objetivos estabelecidos e pelas normas definidas pelo superior imediato;

• Supervisiona o desenvolvimento das ações de sua unidade, acompanhando o trabalho e as ações desenvolvidas, visando oferecer um serviço de qualidade e em consonância com as orientações do Diretor de Departamento;

• Supervisiona o desempenho da coordenadoria, objetivando a racionalização e a constante melhoria dos serviços prestados;

• Avalia os resultados das ações colocadas em prática, examinando os diversos processos envolvidos, certificando-se das possíveis falhas, para propor medidas de melhoria;

• Faz zelar pela conservação de todos os bens patrimoniais apropriados à sua unidade de atuação, para mantê-los em boas condições de uso;

• Desempenha outras tarefas correlatas que forem determinadas pelo superior imediato.

Coordenador Administrativo II

• Coordena e promove a fiscalização de todas as atividades da sua unidade, organizando os trabalhos e prestando as orientações necessárias, para assegurar o desenvolvimento normal das atividades;

• Analisa o funcionamento das diversas rotinas, observando o desenvolvimento e efetuando estudos e ponderações a respeito, para propor medidas de simplificação e melhoria dos trabalhos;

• Supervisiona procedimentos e políticas administrativas da repartição, garantindo a realização de todas as atividades e operações da área;

• Supervisiona a elaboração relatórios periódicos sobre as atividades desenvolvidas, para possibilitar a avaliação dos serviços prestados;

• Toma decisões com base nos relatórios apresentados pela equipe e fornece informações sobre custos de instalações internas às demais repartições;

• Desempenha outras tarefas correlatas que forem determinadas pelo superior imediato.

Diretor de Departamento

• Planeja, coordena e promove a execução de todas as atividades de sua unidade, em sintonia com as diretrizes, objetivos estabelecidos pelo Prefeito e, pelas normas e orientações do Prefeito Municipal, visando assegurar a qualidade dos serviços prestados;

• Participa da elaboração da política administrativa da organização, fornecendo informações e sugestões para contribuir na definição de objetivos a serem alcançados;

• Promove a articulação das diversas unidades com os órgãos interessados, baseando-se em informações, programas de trabalho, pareceres e reuniões conjuntas, para integrá-los e obter melhores resultados;

• Controla o desenvolvimento dos programas, projetos, orientando os executores na solução de dúvidas e problemas, tomando decisões ou sugerindo estudos pertinentes, para possibilitar melhor desempenho dos trabalhos;

• Avalia o resultado dos programas, consultando o pessoal responsável pelas diversas unidades, para detectar possíveis irregularidades e, em conjunto, buscar soluções ou propor estudos pertinentes;

• Coordena a elaboração de relatórios, fornecendo registro de atividades relacionadas à sua unidade de atuação para documentar informações e dados constantes sobre o desenvolvimento dos serviços e os resultados atingidos, informando ao superior imediato para sua apreciação e avaliação;

• Executa outras tarefas correlatas determinadas pelo superior imediato.”

Pois bem.

Em síntese, os postos comissionados indicados violam os seguintes preceitos constitucionais da Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Da leitura das atribuições descritas no Anexo II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2015, Do Município de Santa Rita do Passa Quatro, se evidencia que a criação dos cargos comissionados supramencionados fora promovida de forma indiscriminada, abusiva e artificial, pois ambos não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, a exigirem liberdade de provimento em comissão porque não existe o componente fiduciário.

Como bem pontificado em venerando acórdão deste Egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

                  De fato, os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

                  Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que visa garantir, com a obrigatória realização do concurso público, que sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

                  Ao comentar a exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo público, afirma Alexandre de Moraes:

“Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação da administração pública” (Direito Constitucional, Atlas, São Paulo, 7ª edição, 2000, p. 314).”

                  A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

                  Por oportuno, cumpre observar que não há óbice à criação de cargos comissionados, desde que respeitados os requisitos constitucionais – descrição de funções concretamente de fidúcia.

                  Não basta a lei criar o cargo ou dar-lhe uma denominação de assessoramento, chefia ou direção se não discriminar primariamente suas atribuições de confiança, para viabilizar o controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais que evidenciam a natureza excepcional do provimento em comissão.

                  É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é a análise do plexo de atribuições da função pública.

A necessidade de uma burocracia permanente na Administração Pública se dá em função – e a CF/88 delineia tal estrutura – do intencional objetivo de afastar o spoil’s system. A excepcionalidade da criação de cargos de provimento em comissão evita tal “sistema de despojos”, como preleciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

“gerava inconvenientes graves, quais a instabilidade administrativa, as interrupções no serviço, a descontinuidades nas tarefas, e não podia ser mantido no Welfare State, cujo funcionamento implica a existência de um corpo administrativo capaz, especializado e treinado, à altura de suas múltiplas tarefas” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição brasileira de 1988, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 255).

                  Neste sentido, a jurisprudência é farta ao censurar a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007; STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; TJSP, ADIN 173.308.0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto Bedran, v.u., 24-06-2009; TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, os cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2015, do Município de Santa Rita do Passa Quatro.

III – DO PEDIDO LIMINAR

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação no tocante à boa organização dos serviços públicos locais de Advocacia Pública, que estão sendo desempenhados indevidamente pelo Departamento Jurídico Municipal, bem como evitar oneração do erário, que se revela irreparável ou de difícil reparação, no caso de mantença dos cargos comissionados que ofendem o texto constitucional.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, declarando-se a inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro; do desempenho de atribuições próprias de Advocacia Pública pelo Departamento Jurídico Municipal, bem como do cargo de provimento em comissão de “Diretor de Departamento” previsto no Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, c/c arts. 14, III, e 16 da Lei Complementar nº 72/15.

IV – DOS PEDIDOS

                   Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar:

(a) A existência de mora legislativa para edição de lei criando e organizando a Advocacia Pública no Município de Santa Rita do Passa Quatro, dando ciência ao Prefeito e à Câmara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, fixando-se prazo razoável sucessivo para o encaminhamento de proposta legislativa (Prefeito Municipal) e para a edição de lei (Câmara Municipal), imprescindíveis à concretização das diretrizes constitucionais já consignadas, bem como seja estabelecido o funcionamento da Advocacia Pública do Município de Santa Rita do Passa Quatro segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015), a ser observado pelo Município, na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado;

(b) A inconstitucionalidade do cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo, no caso ao “Departamento Jurídico”, e ao agente comissionado que o dirige, no caso ao “Diretor de Departamento”, previsto no Anexo I da Lei Complementar nº 76/15, c/c arts. 14, III, e 16 da Lei Complementar nº 72/15, por ofensa aos arts. 98, 99 e 100 da Constituição Estadual aos Municípios por força de seu art. 144;

(c) A inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor Técnico”, “Coordenador Administrativo I” e “Coordenador Administrativo II”, previstos nos Anexos I e II da Lei Complementar nº 76, de 24 de agosto de 2016, do Município de Santa Rita do Passa Quatro, por ofensa aos arts. 111, 115, II e V, da Constituição Estadual.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 

                                São Paulo, 27 de setembro de 2016.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

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Protocolado nº 14.902/16

Interessado: Promotoria de Justiça de Santa Rita do Passa Quatro

Assunto: representação para controle de constitucionalidade da Lei Complementar nº 76/15, do Município de Santa Rita do Passa Quatro

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade cumulada com Inconstitucionalidade por Omissão em relação ao Município de Santa Rita do Passa Quatro, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe aos interessados e à douta Promotoria de Justiça de Santa Rita do Passa Quatro.

3.     Cumpra-se.

 

     São Paulo, 27 de setembro de 2016.

 

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

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