Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado nº 81.698/2016

 

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 33 da Lei Complementar n° 180, de 21 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté. Usurpação de competência legislativa privativa da União com violação do princípio federativo. Compete à União legislar sobre o cálculo dos proventos de aposentadoria (art. 40, § 3º c.c. art. 24, XII da Constituição Federal). Violação do princípio federativo (art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 33 da Lei Complementar n° 180, de 21 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté, pelos fundamentos a seguir expostos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar nº 180, de 21 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté, que “Dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público do Município de Taubaté”, estabeleceu regime de aposentadoria diferenciado para Servidores da Carreira do Magistério, da seguinte forma:

“Art. 33. Os servidores poderão se aposentar, voluntariamente, considerando-se para cálculo dos proventos, a média aritmética simples respeitados o limite máximo de quarenta horas semanais ou quarenta e oito-horas semanais, podendo o interessado optar por:

I – média mensal dos últimos dez anos de atividade imediatamente anterior à aposentadoria; ou

II – média mensal de quinze anos, intercalados ou não, no período total de serviço.

§ 1º É assegurado ao docente o direito de indicar os quinze anos a serem tomados como base para o cálculo da média mensal.

§ 2º Para a obtenção da média aritmética das horas-aula do docente, será considerado a jornada do cargo acrescida da carga suplementar.

§ 3º Para efeito do que dispõe este artigo e seus incisos, serão considerados os anos anteriores à entrada em vigor desta Lei Complementar.

§ 4º O direito à revisão dos proventos e pensões já concedidos fica assegurado aos aposentados e pensionistas que recebem pelo Instituto de Previdência do Município de Taubaté – IPMT, mediante requerimento fundamentado nesta Lei Complementar.

§ 5° Para a obtenção da média mensal a que se refere os incisos I e II, deste artigo, os períodos em que o docente encontrar-se respondendo por Cargos de Provimento em Comissão ou Funções Gratificadas, as 40 horas semanais trabalhadas serão transformadas serão transformadas em horas aula do período diurno. (incluído pela Lei Complementar n° 270, de 7 de dezembro de 2011)

§ 6° São considerados como sendo da carreira do magistério, ou seja, assessoramento pedagógico, os Cargos de Provimento Efetivo, os Cargos de Provimento em Comissão e Funções Gratificadas previstas nos Anexos I, II e III da Lei Complementar n° 180, de 21 de dezembro de 2007, e o Cargo de Provimento em Comissão de Diretor do Departamento de Educação, previsto na Lei Complementar n° 236, de 21 de dezembro de 2010, quando exercido por Servidor da Carreira do Magistério da Rede Municipal de Ensino de Taubaté. (incluído pela Lei Complementar n° 270, de 7 de dezembro de 2011).

(...)”. – grifo nosso.

Conforme será demonstrado adiante, o dispositivo legal transcrito, ao disciplinar a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores do magistério público municipal, está eivado de vício formal orgânico, por adentrar em tema inserido na competência legislativa da União, em violação ao art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

3.                 DO PARÂMETRO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O artigo 33 da Lei Complementar n° 180, de 21 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º e 29, caput, da Constituição Federal e do art. 144 da Constituição Paulista, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto- organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo”  (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e, mais especificamente, no que pertine ao objeto desta ação, às suas regras de repartição de competência legislativa (artigos 24, XII, e 30, I e II) e às regras gerais sobre o regime próprio de previdência social (art. 40).

Com efeito, eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

O artigo 33 da Lei Complementar n° 180, do Município de Taubaté, é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“Artigo 126 - Aos servidores titulares de cargos efetivos do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(...)

§3º - Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201 da Constituição Federal, na forma da lei.” – grifo nosso.

3.  DO VÍCIO FORMAL DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 40 - com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, nº 41/2003 e nº 47/2005 (seguido pela Constituição Estadual em seu art. 126) - previu a criação de regimes próprios de previdência social dos servidores públicos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, traçando algumas regras gerais sobre a matéria.

Assegurou, assim, aos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

As aposentadorias por invalidez permanente, compulsória e voluntária foram disciplinadas de forma clara pelos parágrafos do art. 40 da Constituição Federal, que delegou à lei nacional a disciplina sobre o cálculo dos proventos de aposentadoria (§ 3°) e, ainda, vedou a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos (§ 20), disposições estas reproduzidas no art. 126 da Constituição Estadual.

Outrossim, conferiu-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência concorrente para legislar sobre previdência social - no que diz respeito ao regime previdenciário de seus servidores públicos efetivos (RPPS) -, nos termos dos artigos 24, XII, e 30, I e II, da Constituição Federal.

Nesse sentido, foram editadas as Leis Federais nn. 9.717/98 e 10.887/04, que dispõem sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Referidos diplomas legais, ao preverem normas gerais sobre o tema, são de observância obrigatória para os entes federativos, sob pena de inconstitucionalidade formal dos diplomas legais editados em sentido contrário.

No que diz respeito ao cálculo dos proventos de aposentadoria, foi objeto de disciplina pelo artigo 1° da Lei n° 10.887/2004, que assim dispõe, verbis:

“Art. 1º No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3o do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.” – grifo nosso.

Destarte, o dispositivo legal impugnado, ao instituir critérios de cálculo da renda dos proventos de aposentadoria diferenciados para os membros da carreira de magistério, está eivado de vício formal de competência legislativa, em ofensa aos artigos 126, § 3° e 144, da Constituição Paulista (que reproduzem ou fazem remissão aos artigos 24, XII, 29, caput, 30, I e II, 40, § 3°, da Constituição Federal).

Nem se alegue a existência de competência complementar municipal, fundada na autonomia para legislar sobre assunto de interesse local. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que justificariam a competência legislativa municipal, haja vista que a disciplina de regras para cálculo dos proventos de aposentadoria têm relevância além dos limites do Município, pois representa interesse nacional, não podendo se subordinar à uma prevalência local. Além disto, a multiplicidade de normas e critérios tornaria impossível a compensação entre os regimes.

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências, administrativas e legislativas. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que o artigo 33, da Lei Complementar n° 180/07, do Município de Taubaté, ao tratar de matéria cuja competência é do legislador nacional está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa aos artigos 126, § 3° e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

4.                DOS PEDIDOS

a.    Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permite dispêndio de recursos públicos de maneira ilegítima, periclitando as forças do erário com a potencialidade real e concreta de danos irreversíveis ou de difícil reparação.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação do artigo 33, da Lei Complementar n° 180/07, do Município de Taubaté.

b.    Do pedido principal

Face ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade do artigo 33, da Lei Complementar n° 180/07, do Município de Taubaté.

 Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Taubaté, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 São Paulo, 22 de setembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

efsj/ts

 


Protocolado nº 81.698/2016

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 33, da Lei Complementar n° 180, de 21 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté.  

 

 

 

1.     Distribua-se digitalmente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                  

São Paulo, 24 de outubro de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efsj