Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 116.695/2016
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 753, de 05 de julho de 2012,
do Município de Estiva Gerbi, que “Institui
a Campanha Permanente de Conscientização do Uso Adequado dos Serviços de
Emergência no Município de Estiva Gerbi”.
2)
Encontra-se
na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do
Poder Executivo a instituição de programas, campanhas e serviços
administrativos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar
pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da
Constituição Estadual).
3)
Violação
do princípio da separação de poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XIV e XIX;
144 e 176, I, da Constituição do Estado). Procedência do pedido.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São
Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face da Lei nº 753, de
05 de julho de 2012, do Município de Estiva Gerbi, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 753,
de 05 de julho de 2012, do Município de Estiva Gerbi, que “Institui a Campanha Permanente de Conscientização do Uso Adequado dos
Serviços de Emergência no Município de Estiva Gerbi”, assim dispõe:
“(...)
Artigo 1º - O Poder Executivo promoverá campanha permanente de conscientização do uso adequado dos serviços de emergência realizados pelo COPOM - Centro de Operações da Polícia Militar (190), COBOM - Corpo de Bombeiros (193) e do SAMU - Serviço de Atendimento Médico de Urgência (192) e Guarda Civil Municipal (1532).
Artigo 2º - A Campanha terá a finalidade de orientar a população sobre as situações que efetivamente caracterizem emergência, para que então possam ser utilizados os serviços 190, 192, 193 e 1532.
Artigo 3º - A Campanha será realizada em órgãos públicos municipais e estaduais de qualquer natureza, com prioridade para estabelecimentos de ensino, devendo ser também estimulada a parceria com organizações da sociedade civil para levar a Campanha a outros espaços sociais.
Artigo 4º - O tema da Campanha será divulgado em:
I - emissoras de rádio;
II - material audiovisual;
III - cartazes e folhetos educativos;
IV - outros veículos de informação popular.
Artigo 5º - As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
(...)”
II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A
matéria disciplinada pela lei impugnada encontra-se no âmbito da atividade
administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior
cabem ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.
A instituição de Campanha Permanente de Conscientização do Uso Adequado dos Serviços de Emergência no Município de Estiva Gerbi, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo, porque disciplina programa governamental.
Trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades coletivas, vinculadas aos direitos
fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida
na esfera do poder discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita à disciplina legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode
através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre, invadindo área privativa do Poder Executivo.
Quando o
Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa,
como ocorre, no caso em exame, em função de obrigar o Poder Executivo Municipal
a promover “campanha permanente de conscientização do uso adequado
dos serviços de emergência realizados pelo COPOM - Centro de Operações da
Polícia Militar (190), COBOM - Corpo de Bombeiros (193) e do SAMU - Serviço de
Atendimento Médico de Urgência (192) e Guarda Civil Municipal (1532)”, invade, indevidamente, esfera que é
própria da atividade do administrador público, violando o princípio da
separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da criação de campanha objetivando a conscientização do uso adequado dos serviços de emergência. Trata-se de atuação administrativa que é fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A
inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de
poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts.
5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada
com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo
ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º
c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que devem existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes à interferência de outro poder (art. 47, II e IX
da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao regulamentar ainda que parcialmente um serviço público, de um lado,
viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção
da administração, à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
Criar programas e disciplinar serviços públicos –
precisamente o que se verifica na hipótese em exame – é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do
Chefe do Executivo.
Ademais, para o efetivo cumprimento da lei impugnada, são necessárias diversas providências a cargo dos órgãos públicos municipais, com prioridade para estabelecimentos de ensino, devendo ser estimulada a parceria com organizações da sociedade civil para levar a Campanha a outros espaços sociais (art. 3º da lei local). Além disso, o tema da campanha deverá ser divulgado em emissoras de rádio, material audiovisual, cartazes e folhetos educativos, bem como outros veículos de informação popular (art. 4º da lei local). Por este motivo, a matéria de que cuida o ato normativo impugnado é de atribuição privativa do Poder Executivo.
De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.
A norma combatida, ao impor providências a cargo dos órgãos públicos municipais, com prioridade para estabelecimentos de ensino, devendo ser estimulada a parceria com organizações da sociedade civil para levar a Campanha a outros espaços sociais (art. 3º da lei local); e estabelecendo que o tema da campanha deverá ser divulgado em emissoras de rádio, material audiovisual, cartazes e folhetos educativos, bem como outros veículos de informação popular (art. 4º da lei local), etc., não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos, que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cujo desenvolvimento demanda meios financeiros que não foram previstos.
Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com os preceitos mencionados da Constituição Estadual.
III – DO Pedido
Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
nº 753, de 05 de julho de 2012, do Município de Estiva Gerbi.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Estiva Gerbi, bem
como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos
normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 23 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/dcm
Protocolado
n. 116.695/2016
Assunto: Propositura de ação direta de
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 753/12, de Estiva Gerbi.
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 753, de 05
de julho de 2012, do Município de Estiva Gerbi junto ao Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São
Paulo, 23 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/dcm