EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 23.920/2016
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 5º, 8º, 22, parágrafo único, e Anexos I e II da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010, que “Instituí normas que regulam as relações de trabalho dos servidores públicos municipais de Queluz, e dá outras providências”, alterada pelas leis 521/11, 552/11, 614/13, 616/13, 683/15, 692/15 e 699/15, todas do Município de Queluz e Decretos Municipais nº 14/10, 30/11, 35/13 e 38/14 (por arrastamento), que regulamentam a Lei Municipal nº 490/2010, estabelecendo as atribuições dos cargos permanentes da Prefeitura Municipal de Queluz.
2) Não observância da necessidade de previsão legal das funções dos cargos criados pela lei. Lei que cria os cargos, mas não contém descrição, nem mesmo sumária, das suas atribuições. Lei que remete à atividade regulamentar a definição das funções dos cargos, bem como dos requisitos de investidura. Contrariedade ao disposto no art. 5º, 24, §2º, 1 e 4, 111, 115, I, II e V da Constituição do Estado.
3) Art. 24, incisos II e VI da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010. Hipóteses de contratação temporária fora dos permissivos constitucionais. Incompatibilidade com o art. 115, II e X, da Constituição Estadual que reproduz o art. 37, IX, da Constituição Federal.
4) Art. 30, parágrafo único, da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010. Possibilidade de percepção de vencimentos acima do teto legal. O teto remuneratório dos servidores municipais não pode exceder os subsídios do Prefeito Municipal. Violação do art. 115, XII e 144 da Constituição Estadual c.c. o art. 37, XI da Constituição Federal.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art.
129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no
art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 23.920/2016, que segue como
anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face dos artigos 5º, 8º, 22, §1º,
24, incisos II e VI, 30, parágrafo único, e Anexos I
e II da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010, alterados pelas lei nº 521,
de 05 de janeiro de 2011; lei nº 552, de 15 de dezembro de 2011; lei nº 614, de
04 de julho de 2013; lei nº 616, de 29 de julho de 2013, lei nº 683, de 23 de
abril de 2015; lei nº 692, de 18 de junho de 2015 e lei nº 699, de 22 de
outubro de 2015 e por
arrastamento, dos Decretos Municipais nº 14, de 08 de março de 2010, nº 30, de
19 de setembro de 2011, nº 35, de 28 de agosto de 2013 e nº 38, de 29 de
setembro de 2014, todos do Município de Queluz, pelos fundamentos expostos a
seguir.
1) DISPOSITIVOS IMPUGNADOS
A
propositura desta ação direta de inconstitucionalidade decorre de representação
formulada pelo DD Promotor de Justiça de
Queluz, que enviou à Procuradoria-Geral de Justiça cópias dos atos
normativos impugnados, sustentando a inconstitucionalidade deles, por afronta
aos artigos 111 e 144 da Constituição Estadual.
A Lei nº 490, de 29 de janeiro de 2010,
que “institui normas que regulam as
relações de trabalho dos servidores públicos municipais de Queluz, e dá outras
providências”, têm a seguinte redação, no que se destaca:
“(...)
Art. 5º - Os empregos públicos permanentes, com sua quantidade, denominação e salários, a serem distribuídos pelo Decreto de que trata o parágrafo 1º, do art. 22, desta lei, para cada Setor específico, são os constantes do Anexo I da presente lei.
(...)
Art. 8º - Os cargos em comissão, com sua quantidade,
denominação e salários, a serem distribuídos pelo Decreto de que trata o
parágrafo 1º, do art. 22, desta Lei, para cada Setor específico, são os
constantes do Anexo III da presente Lei. (A Lei 699/15 alterou o Anexo III, renumerando-o como Anexo
II)
Art. 22 – O empregado público será contratado peio salário correspondente ao seu respectivo emprego, conforme dispõe o Anexo I da presente Lei, ficando submetido ao Setor da Administração específico.
§ 1°– No prazo de trinta (30) dias, a contar da vigência da presente Lei, com auxílio da Comissão de Pessoal de que trata o parágrafo único, do art. 53, desta Lei, o Prefeito Municipal efetuará, por Decreto, a distribuição dentro dos vários Setores da Administração, dos atuais servidores, com a fixação das atribuições atualizadas de cada um.
Art. 24 – Considera-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visem a:
II - atender convênios celebrados com o Estado e a União;
VI - execução de serviços, caracterizados como sazonais, de duração certa, cujo volume não recomende a contratação em caráter permanente;
Art. 30 – O limite de remuneração do empregado público ou ocupante de cargo em comissão do Município de Queluz é a remuneração do Prefeito Municipal.
Parágrafo único – O limite de que trata este artigo não se aplica em caso de salários pagos em decorrência de convênios ou programas federais ou estaduais que fixem remuneração superior para determinados empregos, cargos ou funções.
(...)”
Anexo
I – Quadro de cargos de Provimento Permanente, conforme última alteração dada
pela Lei 540/11 (fls. 822/824):
Embora não constante da lista enumerada no Anexo acima, a Lei Municipal 552/11 criou o cargo de Monitor de Transportes e previu sua inserção no referido Anexo, in verbis:
“(...)
Anexo II – Quadro de cargos de Provimento em Comissão, conforme última redação promovida pela Lei Municipal nº 699/15 (fls. 876/879)
Embora não previsto na última versão do Anexo II, colacionada acima, a Lei Municipal nº 616/13, criou o cargo de Orientador Social e previu sua inserção no referido Anexo II, conforme segue:
Da mesma forma, a Lei Municipal nº 683/15, criou, ao lado de outros cargos já inseridos no Anexo II, o cargo de Chefe Geral de Limpeza Pública, de provimento e comissão (fls. 868/869).
O Decreto Municipal nº 14, de 08 de março de 2010 regulamentou a Lei Municipal nº 490/2010, estabelecendo as atribuições dos cargos da Prefeitura Municipal de Queluz.
O Decreto em questão assim estabelece:
O Decreto nº 30, de 19 de setembro de 2011, que “regulamenta a Lei Municipal nº 490/2010, estabelecendo as atribuições dos cargos permanentes da Prefeitura Municipal de Queluz e dá outras providências”, prevê:
O Decreto nº 35, de 28 de agosto de 2013, que “regulamenta a Lei Municipal nº 490/2010, estabelecendo as atribuições dos cargos permanentes da Prefeitura Municipal de Queluz e dá outras providências”, dispõe que:
O Decreto 38, de 29 de setembro de 2014, que “regulamenta a Lei Municipal nº 490/2010, estabelecendo as atribuições dos cargos permanentes da Prefeitura Municipal de Queluz e dá outras providências, dispõe que:
Conforme se verifica, a Lei nº 490/2010 não fixou as respectivas atribuições dos cargos nela previstos.
As atribuições dos mencionados cargos foram estabelecidas por meio de ato regulamentar, ou seja, os Decretos Municipais nº 14/2010 (fls. 629/665), nº 30/11 (fls. 927/937), nº 35/13 (fls. 938/941) e nº 38/14 (fls. 940/941).
Acresce-se que quanto aos cargos de Assessor de Turismo e Eventos, Diretor de Cultura, Turismo e Comunicação Social, criados pela Lei nº 699/2015, Coordenador e Orientador do CRAS, criados pela Lei nº 616/13, Diretor de Esporte, Lazer e Juventude, Assessor de Secretário de Educação para Atividades Esportivas, criados pela Lei nº 692/15, não há previsão das atribuições em lei nem em ato regulamentar.
Por sua vez, o art. 24, inciso II e VI da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010, estabelece hipóteses de contratação temporária fora dos permissivos constitucionais.
Já o art. 30, parágrafo único, da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010 enuncia a possibilidade de percepção de vencimentos acima do teto legal.
Todas essas disposições se revelam inconstitucionais, como será demonstrado a seguir.
2) AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS
CARGOS E DOS REQUISITOS PARA SEU PROVIMENTO NA LEI – PREVISÃO EXCLUSIVAMENTE EM
ATO REGULAMENTAR OU AUSÊNCIA DE PREVISÃO.
Como acentua a doutrina, cargos públicos, em direito administrativo, “são a mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei (...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 250).
Nesse mesmo sentido Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 506; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 254; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 9. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 598.
A criação de cargo de provimento em comissão, ou mesmo de cargos de provimento efetivo, sem a fixação na própria lei, ainda que sumária, de atribuições específicas, revela-se inconstitucional.
No caso dos cargos de provimento em comissão essa situação é ainda mais grave, pois é indispensável que a lei contenha a indicação das funções que demonstrem que se trata de cargos de direção, chefia ou assessoramento superior, a exigir especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado. A omissão legislativa quanto a essa indicação revela, na prática, burla à sistemática constitucional relativamente a esse tema.
Isso decorre do fato de que a
regra é o acesso ao serviço público mediante concurso, sendo absolutamente
excepcional o provimento de cargos sem o certame, admissível unicamente nos
casos em que seja
exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
administrativa e política.
A criação de cargos de provimento em comissão só se
mostra legítima quando seja indispensável, por parte do seu ocupante, verdadeiro
comprometimento e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos seus
superiores, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum (cf. Diógenes Gasparini,
Direito administrativo, 3. ed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317;
Márcio Cammarosano, Provimento de cargos
públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96; Hely Lopes
Meirelles, Direito Administrativo
Brasileiro, cit., p. 440).
Isso não ocorre com relação a funções meramente “técnicas, burocráticas ou operacionais, de
natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).
Essa também é a
posição do Colendo STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J.
10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem
sendo acolhida em inúmeros julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em
11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de
2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro
de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo,
j. 16.07.2008, v.u.).
Em síntese, a não indicação das funções dos cargos de
provimento efetivo ou dos cargos de provimento em comissão, bem como a omissão
legal quanto à fixação dos requisitos para o provimento dos cargos, revelam
delegação legislativa ao Poder Executivo, o que é vedado pelo princípio da
separação e harmonia entre os Poderes, bem como por regra expressa prevista no
art. 5º, § 1º da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da
Carta Estadual.
Ademais, no que diz respeito aos cargos de provimento
em comissão a ausência de indicação, ainda que sumária, das respectivas
funções, acarreta contrariedade ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição
Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja
aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
3)
DA CONTRATAÇÃO POR TEMPO
DETERMINADO PARA ATENDIMENTO DE SERVIÇOS ABSOLUTAMENTE TRANSITÓRIOS E DE
NECESSIDADE ESPORÁDICA. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE.
O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.
A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.
O artigo 24, incisos II e VI da Lei nº 490/10 é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação,
interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e
exoneração;
(....)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado,
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
Com efeito, inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.
A lei local impugnada genericamente é instituída para disciplinar as contratações por tempo determinado para atender a execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica (sazonais), e de serviços técnicos que decorram de convênios celebrados com o Estado e a União, à míngua de qualquer característica excepcional.
Neste sentido, explica a literatura que:
“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do
Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá
estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas
instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não
especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência,
atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de
contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA
NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA
PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se
caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração
estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais
funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar:
inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido
de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de
serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social
nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.
Com efeito, o inciso VI do art. 24 da lei local ao permitir contratação por tempo determinado para “execução de serviços, caracterizados como sazonais” proporciona a admissão de pessoal ao serviço público remunerado que não denota efetiva necessidade temporária de excepcional interesse público. Transitório ou esporádico é o eventual e não significa obrigatoriamente extraordinário ou excepcional, o que desalinha do art. 115, X, da Constituição Estadual.
Do mesmo modo, o inciso II do art. 24, ao permitir contratação por tempo determinado para “atender convênios celebrados com o Estado e a União”; não espelha a extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público.
Mencionados dispositivos da lei local – através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.
4) DA
PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS ACIMA DO TETO LEGAL
O art. 30, parágrafo único, da Lei nº 490/10, ora impugnado, também viola o art. 115, II, da Constituição Estadual e o art. 37, XI, da Constituição Federal, aos quais está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão do art. 29 da Constituição Federal e do art. 144 da Carta e Paulista, que estabelecem o seguinte:
Constituição Federal
“(...)
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.”
Constituição Estadual
“Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XII - em conformidade com o art. 37, XI, da Constituição Federal, a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Verifica-se,
portanto, que o art. 37, XI, da Constituição Federal (com a redação dada pela
emenda constitucional nº 41/2003), estabeleceu o chamado teto, limite máximo
para a remuneração e subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos, percebidos cumulativamente, ou não, e incluídas as vantagens pessoais
ou de qualquer outra natureza.
Tal
limite aplica-se à Administração direta, autárquica e fundacional e abrange os
membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, incluindo os detentores de mandato eletivo e demais agentes
políticos. Nos termos do § 11 do art. 37 da Constituição Federal (incluído pela
Emenda Constitucional nº 47/2005), não se computam para efeito dos limites
referidos as parcelas de caráter indenizatória previstas em lei, o que, de todo
modo, já se podia deduzir da própria noção de subsídio.
De acordo com a referida norma constitucional, são previstos dois limites máximos a considerar na implementação do sistema remuneratório e de subsídios: o primeiro, já predeterminado pela Constituição, para cada poder; o segundo, a ser fixado por lei da União ou de cada unidade federada, contido, porém, pela observância do primeiro, mas ao qual poderá ser inferior, excetuadas apenas as hipóteses de teto diverso estabelecidas na própria Constituição da República.
Assim,
na esfera municipal adota-se como teto remuneratório os subsídios do prefeito.
Este limite máximo pode ser reduzido por lei municipal, mas jamais superado.
Todavia,
o dispositivo legal impugnado possibilitou que o referido limite não se
aplicasse em caso de salários pagos em decorrência de convênios ou programas
federais ou estaduais.
Desta
forma, estabeleceu teto superior ao limite constitucional, violando o princípio
remuneratório previsto no art. 37, XI da Constituição Federal, de observância
obrigatória pelos municípios nos termos do art. 29 da Constituição Federal e
144 da Constituição Estadual.
5) INCONSTITUCIONALIDADE POR
ARRASTAMENTO DOS DECRETOS MUNICIPAIS 14, DE 08 DE MARÇO DE 2013, Nº 30, DE 19
DE SETEMBRO DE 2011, Nº 35, DE 28 DE AGOSTO DE 2013 E Nº 38, DE 29 DE SETEMBRO
DE 2014
O reconhecimento da inconstitucionalidade dos Anexos I
e II da Lei nº 490/10 deve provocar a declaração da inconstitucionalidade, por
arrastamento dos atos regulamentares editados para regulamentá-la.
Em outras palavras, não faz sentido pensar na
subsistência dos decretos, se o dispositivo de lei que fundamentou sua edição é
declarado inconstitucional.
A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento
é possível sempre que: (a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de
determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade concreta
outros preceitos, do mesmo diploma, que não tenham sido impugnados; (b) haja
atos regulamentares editados com fundamento na lei declarada inconstitucional;
e (c) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já
revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vício.
Essa solução tem sido reconhecida pacificamente pelo
E. STF (v.g.: ADI 1144/RS, rel. Min. EROS GRAU, j.16/08/2006, T. Pleno; DJ
08-09-2006 PP-00033, EMENT VOL-02246-01 PP-00057, LEXSTF v. 28, n. 334, 2006,
p. 20-26; ADI 3255/PA, rel.Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j.22/06/2006, T. Pleno,
DJe-157 DIVULG 06-12-2007, DJ 07-12-2007
PP-00018, EMENT VOL-02302-01, PP-00127; ADI 3645/PR, rel. Min. ELLEN GRACIE, j.
31/05/2006, T. Pleno, DJ 01-09-2006 PP-00016, EMENT VOL-02245-02 PP-00371,
LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 75-91).
Note-se que o Col. STF tem admitido inclusive a
declaração de inconstitucionalidade por arrastamento sem que tenha sido feito
pedido expresso por parte do autor. Essa solução decorre da natureza objetiva
do processo de controle abstrato de normas, em que não se identificam réus ou
partes contrárias, mas exclusivamente o interesse veiculado, pelo requerente,
no sentido da preservação da segurança jurídica (cf. ADI-ED 2982/CE, rel. Min. GILMAR
MENDES, j.02/08/2006, T. Pleno, DJ 22-09-2006 PP-00029, EMENT VOL-02248-01
PP-00171, LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 53-59).
6) CONCLUSÃO E
PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos artigos 5º, 8º,
22, §1º, 24, incisos II e VI, 30, parágrafo único, e Anexos I
e II da Lei Municipal nº 490, de 29 de janeiro de 2010, alterados pelas lei nº
521, de 05 de janeiro de 2011; lei nº 552, de 15 de dezembro de 2011; lei nº
614, de 04 de julho de 2013; lei nº 616, de 29 de julho de 2013, lei nº 683, de
23 de abril de 2015; lei nº 692, de 18 de junho de 2015 e lei nº 699, de 22 de
outubro de 2015 e por
arrastamento, dos Decretos Municipais nº 14, de 08 de março de 2010, nº 30, de
19 de setembro de 2011, nº 35, de 28 de agosto de 2013 e nº 38, de 29 de
setembro de 2014, todos do Município de Queluz.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Queluz, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 19 de setembro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh
Protocolado nº 23.920/2016
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Deixo de propor ação direta de inconstitucionalidade e promovo o arquivamento da representação no que tange a inconstitucionalidade da criação dos cargos de escriturário, auxiliar de serviços gerais e secretário administrativo e sua subdivisão em classes diversas, eis que trata-se de matéria que exige o exame de questões de fato, o que torna inviável o controle concentrado de constitucionalidade, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“A ação direta não pode ser
degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da
ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse
meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja
realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a
inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal
impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender,
para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras
espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e
num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da
ilegitimidade constitucional do ato questionado” (RTJ 147/545).
3. Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
4. Cumpra-se.
São
Paulo, 19 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh