Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 101.607/16
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba, que estabelece aposentadoria especial de que trata §4º do artigo 40 da Constituição Federal no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social de Indaiatuba.
2. Usurpação da competência legislativa privativa da União com violação do princípio federativo (art. 1º da Constituição Estadual). Compete à União legislar sobre a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos que exerçam atividades de risco (art. 40, § 4º c.c. o art. art. 24, XII da Constituição Federal). Violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências.
3. Guardas Civis Municipais são servidores públicos efetivos sujeitos ao regime próprio de previdência social. Vedação de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria. Violação do art. 126 da Constituição Estadual.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba, pelos fundamentos a seguir expostos:
1. Do
Ato Normativo Impugnado
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de ofício encaminhado pelo
Diretor do Departamento dos Regimes de Previdência no Serviço Público, da
Delegacia Regional Previdenciária de São Paulo (ofício nº
1011/2016/DRPSP/SPPS/MF), da Previdência Social (fls. 02/13).
A Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba, que "Dispõe sobre a concessão de aposentadoria especial de que trata o § 4° do artigo 40 da Constituição Federal no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social de Indaiatuba, para as categorias que especifica, e dá outras providências”, tem a seguinte redação:
“Art. 1º - É
vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de
aposentadoria aos segurados do Regime Próprio de Previdência Social de
Indaiatuba, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física a que se
refere esta lei e aqueles que venham a ser definidos em Lei Complementar
Federal.
§ 1° - Até
que seja editada a Lei Complementar de que trata o "caput" deste
artigo e nos termos da Súmula Vinculante n.° 33 do STF, aplicam-se ao servidor
público, no que couber, as regras do Regime Geral da Previdência Social para
concessão da aposentadoria especial de que trata o o inciso III do § 4°, do
artigo 40, da Constituição Federal.
§ 2° - Para
concessão de aposentadoria especial aos servidores integrantes da Guarda Civil
de Indaiatuba, com fundamento na Lei Complementar Federal n.° 51, de 20 de
dezembro de 1985, com alteração dada pela Lei Complementa Federal n.° 144, de
15 de maio de 2014, aplicam-se os requisitos e critérios estabelecidos nesta
Lei Complementar.
§ 3° - Exceto
para os servidores a que se referem os §§ 1° e 2° deste artigo, a concessão das
demais aposentadorias especiais fica condicionada a regulamentação pela lei
complementar federal de que trata o § 4° do artigo 40 da Constituição Federal.
Art. 2º - A
aposentadoria especial a que se refere o §1º do artigo 1° desta lei, será
devida ao servidor que comprovar 25 (vinte e cinco) anos de atividade
permanente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, com exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos.
§ 1° -
Considera-se atividade permanente aquela exercida de forma não ocasional, nem
intermitente, no qual a exposição do servidor ao agente nocivo seja
indissociável da prestação do serviço público.
§ 2° - A
caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época do exercício das
atribuições do servidor público, tendo como referência o disposto nas normas e
instruções do Ministério da Previdência Social.
Art. 3° -
Será concedida aposentadoria especial ao servidor integrante da Guarda Civil de
Indaiatuba:
I -
compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 65
(sessenta e cinco) anos de idade, qualquer que seja a natureza dos serviços
prestados; e
II -
voluntariamente, independentemente da idade:
a) após 30
(trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de
exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem; e
b) após 25
(vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze)
anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher.
Parágrafo
único - Para fins do disposto neste artigo, considera-se exercício efetivo em
cargo de natureza estritamente policial, com o objetivo de manter a segurança
pública, o desempenho de atividade plena no exercício de suas funções na
carreira da Guarda Civil de Indaiatuba, e desde que esteja apto para o porte de
arma.
Art. 4°. Os
proventos da aposentadoria especial de que trata esta Lei Complementar serão
integrais, calculados e reajustados na forma estabelecida no § 3° do artigo 40
da Constituição Federal.
Parágrafo
único. Para o cálculo dos proventos da aposentadoria compulsória de que trata o
artigo anterior aplicam-se as mesmas regras previstas nos § 10 do artigo 146 da
Lei Municipal n° 4.725/05.”
Conforme restará demonstrado no curso desta exordial, o diploma transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo.
2.
Do parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
A Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo” (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 40, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 1º e 126, da Constituição Estadual.
A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.
Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:
“Artigo 1º -
O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as
competências que não lhe são vedadas pela Constituição
Federal.
(...)
Artigo 126 -
Aos servidores titulares de cargos efetivos do Estado, incluídas suas
autarquias e fundações, é assegurado regime de
previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do
respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o
disposto neste artigo.
§1º - Os
servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão
aposentados:
1 - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de
contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;
(...)
3 -
voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo
exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em
que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e
cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se
mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição
§2º - Os
proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não
poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que
se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.
§3º - Para o
cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão
consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do
servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201 da
Constituição Federal, na forma da lei.
§4º - É
vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de
aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados,
nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
1 -
portadores de deficiência;
2 - que
exerçam atividades de risco;
3 - cujas
atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física.
(...)
§7º - Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será
igual:
1 - ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite
máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de
que trata o art. 201 da Constituição Federal, acrescido de setenta por cento da
parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou
2 - ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que
se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do
regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição
Federal, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite,
caso em atividade na data do óbito.
(...)
§ 8º- A - É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em
caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.
§ 9º - O
tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito
de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de
disponibilidade.
§ 10 - A lei
não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição
fictício.
(...)
§ 12 - Além
do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos
titulares de cargo efetivo observará, no que couber,
os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.
§ 19 - O
servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para
aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, 3,
“a”, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência
equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as
exigências para aposentadoria compulsória contidas no §1º, 2.
§ 20 - Fica
vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os
servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do
respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, §
3º, X, da Constituição Federal. “
3. Da Fundamentação
a. Violação ao Princípio Federativo
O esquema de repartição de competências entre os entes
federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União e aos Estados,
sem espaço para os Municípios, a competência concorrente para legislar sobre previdência
social (art. 24, XII da Constituição Federal).
De outro lado, a Constituição Federal instituiu um regime próprio
de previdência dos entes federativos, vedando a adoção de requisitos e
critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo
regime (art. 40, § 4º e 12 da Constituição Federal e art. 126 § 4º e 12 da Constituição
Estadual).
Ressalvou,
no entanto, a possibilidade da lei complementar adotar requisitos e critérios
diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores: portadores de
deficiência; que exerçam atividades de risco; cujas atividades sejam exercidas
sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Ainda
que se admita que os guardas civis exerçam atividade de risco, o Município, ao
reconhecer por lei tal circunstância e estabelecer regime
de aposentadoria e benefícios previdenciários diferenciados, violou o princípio federativo, haja vista
tratar de matéria cuja disciplina está subordinada à lei complementar de
competência da União.
Nem se alegue a existência de competência complementar
municipal, fundada na autonomia para legislar sobre assunto de interesse local.
A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que justificariam
a competência legislativa municipal, haja vista que a
disciplina de regras diferenciadas para aposentadoria para servidores que
exerçam atividade de risco têm
relevância além dos limites do Município, pois representa interesse nacional, não podendo
se
subordinar à uma prevalência local. Além disto, a multiplicidade
de normas e critérios tornaria impossível a compensação entre os regimes.
E a matéria em questão, por
sua abrangência, nem mesmo poderia ser disciplinada pelo Estado, como
reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário
nº 797.905, interposto em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de
Sergipe, proferida em sede de mandado de injunção, ao proclamar que: A omissão referente à edição da Lei
Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao
Presidente da República e ao Congresso Nacional.
No julgamento observou o Ministro Relator Gilmar
Mendes que:
“Sobre o
tema, esta Corte assentou que, apesar de a competência legislativa ser
concorrente, a matéria deve ser regulamentada uniformemente, em norma de
caráter nacional, de iniciativa do Presidente da República.
A propósito,
cito os seguintes precedentes: MI-ED 4.366, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe
12.2.2014; MI-AgR 1.328, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe 2.12.2013;
RE-AgR 745.628, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 4.11.2013; MI-AgR
1.545, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 08.06.2012; MI-AgR 1.832, Rel.
Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 18.05.2011; e MI 1.898-AgR/DF, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 1.6.2012, cuja ementa colaciono a seguir:
‘CONSTITUCIONAL.
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E
MUNICIPAIS. DECISÃO QUE CONCEDE A ORDEM PARA DETERMINAR QUE A AUTORIDADE
ADMINISTRATIVA COMPETENTE ANALISE A SITUAÇÃO FÁTICA DO IMPETRANTE À LUZ DO ART.
57 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E DE INCOMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. A Corte firmou entendimento no sentido de que a
competência concorrente para legislar sobre previdência dos servidores públicos
não afasta a necessidade da edição de norma regulamentadora de caráter
nacional, cuja competência é da União. Por esse motivo, a Corte assentou a
legitimidade do Presidente da República para figurar no polo passivo de mandado
de injunção sobre esse tema. Precedentes. Agravo regimental desprovido’.”
Assim, ao disciplinar matéria de competência da União, o legislador municipal extrapolou sua competência limitada a disciplinar matéria de interesse predominantemente local.
Nesse
mesmo sentido, aliás, é a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça
Bandeirante, conforme se infere da leitura da ementa a seguir transcrita:
“Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Lei Complementar 309, de 18 de setembro de 2013, do
Município de Taboão da Serra, a inserir o artigo 97-A na Lei Complementar 141,
de 22 de junho de 2007. Disposições sobre critérios diferenciados para
concessão de aposentadoria aos Guardas Civis Municipais. Descabimento.
Competência normativa pelo Município extravasada. Inconstitucionalidade.
Desrespeito aos artigos 126 e 144 da Constituição do Estado. Ação procedente.”
(TJSP, ADI 2131973-25.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Borelli Thomaz,
julgado em 11/11/15, v.u.)
Com efeito, ainda que assim não fosse, o assunto, em
termos acadêmicos, foi bem examinado por
A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.
A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.
O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.
Referindo-se
aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas
essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser
inseridos, entre outros, “os princípios
relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de
Direito (art. 1º)” (Curso de direito
constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.
Um
dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e alcance do princípio
do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se
assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de
competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos
respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à
União.
Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que a Lei Municipal que trate de matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.
A
prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais
estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O
art. 29, caput, da Constituição
Federal, prevê que os Municípios, ao editarem suas leis orgânicas deverão
respeitar os “princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.
Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que o ato normativo impugnado invadiu espaço reservado à competência normativa federal, violando a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.
Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.
b. Da violação às regras do regime próprio de previdência
O art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, nº 41/2003 e nº 47/2005 (seguido pela Constituição Estadual em seu art. 126), instituiu um regime próprio de previdência social a ser observado pelos entes federados.
Assegurou, assim, aos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
As aposentadorias por invalidez permanente, compulsória e voluntária foram disciplinadas de forma clara pelo § 1º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzido no § 1º do art. 126 da Constituição Estadual.
Os Guardas Civis Municipais, por serem servidores públicos efetivos, sem qualquer regime especial previsto ou admitido pela Constituição Federal, como ocorre com os militares e os policiais militares, estão submetidos às regras daquele regime geral de previdência dos servidores públicos, sendo vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria.
Assim, a instituição de regime de aposentadoria diferenciado pela Lei Complementar nº 27/15, com redução de tempo de contribuição e previsão de proventos integrais, viola o art. 40 da Constituição Federal e art. 126 da Constituição Estadual.
4. DOS PEDIDOS
a.
Do pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permite dispêndio de recursos públicos de maneira ilegítima, periclitando as forças do erário com a potencialidade real e concreta de danos irreversíveis ou de difícil reparação.
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação da Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba.
b.
Do
pedido principal
Face ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Indaiatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 28 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
Aca/b
Protocolado nº 101.607/16
Assunto: análise de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 27, de 27 de agosto de 2015, do Município de Indaiatuba
Interessado: Diretor do Departamento dos Regimes de Previdência no Serviço Público, da Delegacia Regional Previdenciária de São Paulo - Previdência Social
1. Distribua-se a inicial de ação direta de inconstitucionalidade junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 10 de novembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca