EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

                                                                                  

 

 

 

 

Protocolado nº 53.990/16

 

 

                                              

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992, Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000, Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010, e Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, todas do Estado de São Paulo. Cargos de provimento em comissão de assistente técnico da Fazenda I, assistente técnico da Fazenda II e assistente técnico da Fazenda III, previstos na estrutura da Secretaria da Fazenda. 1. Ausência de descrição legal das atribuições dos cargos em comissão criados. Violação do princípio da reserva legal. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. 2. Impossibilidade de fixação das atribuições em decreto. 3. Arts. 115, I, II e V, 144, da Constituição Paulista.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 53.990/16, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III constantes nas alíneas “g”, “i” e “l” do art. 1º, no Anexo I, nos Subanexos 3 e 4 do Anexo II, no Subanexo 2 do Anexo IV e no Subanexo 2 do Anexo V da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992; nos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000; no Subanexo 3 do Anexo I e no Subanexo IV da Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010; e nos arts. 5, 6, 7 e 11 e no Subanexo 3 do Anexo I da Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, todos do Estado de São Paulo, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992, do Estado de São Paulo, que “Cria cargos no Quadro da Secretaria da Fazenda e dá outras providências”, assim dispõe no que interessa:

“Artigo 1º- Ficam criados, no Subquadro de Cargos Públicos, do Quadro da Secretaria da Fazenda, os seguintes cargos:

I - na Tabela I (SQC-I), enquadrados na Escala de Vencimentos - Comissão, do Plano de Cargos, Vencimentos e Salários para os servidores que especifica, da Secretaria da Fazenda e das Autarquias:

(...)

g) 28 (vinte e oito) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual III,

(...)

i) 59 (cinqüenta e nove) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II, referência 23;

(...)

l) 31 (trinta e um) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, referência 21;

(...)

§ 2º- Os cargos a que alude este artigo destinar-se-ão às unidades mencionadas nos Anexos I a V, que fazem parte integrante desta lei.

(...)

Editada posteriormente, a Lei Complementar Estadual n. 878, de 28 de setembro de 2000, que “Compatibiliza o Quadro da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, nos termos do Decreto n. 41.312, de 13 de novembro de 1996 e do Decreto n. 43.473, de 22 de setembro de 1998, alterado pelo Decreto n. 43.688, de 11 de setembro de 1998 e dá providências correlatas”, criou mais postos dos cargos de Assistentes Técnicos da Fazenda Estadual I, II e III. Vejamos:

“Artigo 3º - Em substituição aos cargos e funções-atividades extintos na conformidade do artigo 2º desta lei complementar, e em decorrência do disposto no artigo 1º, das Disposições Transitórias do Decreto n.º 41.312, de 13 de novembro de 1996, e no artigo 103, do Decreto n.º 43.473, de 22 de setembro de 1998, com a redação alterada pelo artigo 1º, do Decreto n.º 43.688, de 11 de dezembro de 1998, ficam criados 495 (quatrocentos e noventa e cinco) cargos, na Tabela I, do Subquadro de Cargos Públicos SQC - I, do Quadro da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, enquadrados na Escala de Vencimentos - Comissão, instituída pelo artigo 7º, da Lei Complementar n.º 700, de 15 de dezembro de 1992, adiante mencionados:

I - 53 (cinquenta e três) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Referência 23;

II - 296 (duzentos e noventa e seis) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II, Referência 25;

III - 16 (dezesseis) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual III, Referenda 27;”

Após a criação dos cargos pela Lei n. 8.197/1992 e pela LC n. 878/2000, conforme anteriormente descrito, sobrevieram as Leis Complementares Estaduais n. 1.122/2010 e n. 1.251/2014, as quais regulamentaram questões relacionadas aos cargos, como será demonstrado a seguir.

A Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010, alterou a escala de vencimentos dos cargos de Assistentes Técnicos da Fazenda Estadual I, II e III no Subanexo 3 do Anexo I e fixou requisitos para exercício dos cargos no Anexo IV:

“Artigo 1º - Fica instituído, na forma desta lei complementar, Plano de Cargos, Vencimentos e Salários para os servidores titulares de cargos e ocupantes de funções-atividades que especifica, do Quadro da Secretaria da Fazenda e das Autarquias, indicados nos Anexos I e II.

Artigo 2º - O Plano de Cargos, Vencimentos e Salários, de que trata esta lei complementar, organiza as classes que o integram, de acordo com a complexidade das atribuições, os graus diferenciados de formação, de responsabilidade e de experiência profissional requeridos, bem como as demais condições e requisitos específicos exigíveis para seu exercício, compreendendo:

I - a identificação, agregação e alteração de denominação dos cargos, suas respectivas atribuições e exigências para provimento, na forma indicada nos Anexos I a IV;”

Por sua vez, a Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, do Estado de São Paulo, que “Dispõe sobre reestruturação dos vencimentos e salários dos integrantes de classes regidas pela Lei Complementar nº 1.122, de 30 de junho de 2010, e dá outras providências”, trata das classificações dos cargos de Assistentes Técnicos da Fazenda Estadual I, II e III nas unidades da Secretaria da Fazenda da seguinte maneira:

“Artigo 1º - As classes constantes dos Anexos I e II desta lei complementar ficam enquadradas na forma neles previstas.

(...)

Artigo 5º - Os cargos das classes a que se refere este artigo serão classificados em unidades da Secretaria da Fazenda, na seguinte conformidade:

I - até a classe de Assistente Técnico da Fazenda Estadual III: coordenadoria e departamento técnico;

II - até a classe de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II: divisão técnica; e

III - Assistente Técnico da Fazenda Estadual I: serviço técnico e seção técnica.

Parágrafo único - O disposto no inciso I deste artigo aplica-se à assessoria e às áreas técnicas vinculadas ao Gabinete do Secretário cujo nível hierárquico seja igual ao previsto no referido inciso.

Artigo 6º - A quantidade de cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, II e III, da Tabela I (SQC-I), do Subquadro de Cargos Públicos, do Quadro da Secretaria da Fazenda, ficam fixados na seguinte conformidade:

I - 49 (quarenta e nove) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual III;

II - 90 (noventa) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II; e

III - 200 (duzentos) de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I.

Artigo 7º - Para a efetivação do disposto no artigo 6º desta lei complementar, deverão ser aplicadas as seguintes regras:

I - a denominação dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II fica alterada para Assistente Técnico da Fazenda Estadual I na seguinte conformidade:

a) na data da publicação desta lei complementar, cargos vagos; e

b) na vacância, até completar o limite a que se referem os incisos I e III do artigo 6º desta lei complementar.

II - os demais cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual II ficam extintos na vacância após efetivação do disposto no inciso I deste artigo, e até que se atinja o limite do inciso II do artigo 6º desta lei complementar.

(...)

Artigo 11 - Fica revogada a classificação dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, II e III, e de Assistente Técnico de Coordenador da Fazenda Estadual, constantes dos Anexos I a V da Lei nº 8.197, de 15 de dezembro de 1992, e do Anexo da Lei Complementar nº 878, de 28 de setembro de 2000, e o artigo 7º das disposições transitórias da Lei Complementar nº 1.122, de 30 de junho de 2010.”

Além das mencionadas leis estaduais, merecem atenção também os Decretos do Executivo n. 60.812/2014 e n. 52.833/2008, os quais elencam as atribuições dos cargos ora impugnados.

O Decreto Executivo Estadual n. 60.812, de 30 de setembro de 2014, ao reorganizar a Secretaria da Fazenda, assim estabelece no que se refere aos cargos de Assistência Técnica:

“Artigo 118 - O Departamento de Recursos Humanos tem, por meio das unidades integrantes da sua estrutura, na conformidade das disposições desta seção e observado o previsto no artigo 95 deste decreto, as seguintes atribuições:

(...)

§ 1º - As atribuições previstas nos artigos 4º e 5º do Decreto nº 52.833, de 24 de março de 2008, serão exercidas, em consonância com as respectivas áreas de atuação, por intermédio:

1. da Assistência Técnica;

(...)

Artigo 119 - À Assistência Técnica, observadas as disposições do artigo 118, § 1º, além das atribuições constantes do artigo 139, ambos deste decreto, cabe exercer o previsto nos incisos I a X do artigo 6º do Decreto nº 52.833, de 24 de março de 2008.

(...)

Artigo 139 - As Assistências Técnicas e as Assistências Fiscais, inclusive a Assistência Operacional de Fiscalização, a Assistência de Fiscalização Especial e a Assistência de Inteligência Fiscal, têm, em suas respectivas áreas de atuação, as seguintes atribuições comuns:

I - assistir o dirigente da unidade no desempenho de suas atribuições;

II - analisar, instruir e informar processos e expedientes que lhes forem encaminhados, bem como acompanhar o andamento e a execução de cada um;

III - elaborar e propor minutas de convênios e de memoriais descritivos;

IV - produzir informações gerenciais para subsidiar as decisões do dirigente da unidade;

V - controlar e acompanhar as atividades decorrentes de contratos, acordos e ajustes;

VI - realizar estudos, elaborar relatórios e emitir pareceres;

VII - propor a elaboração de normas e manuais de procedimentos;

VIII - participar da elaboração:

a) de relatórios de atividades da unidade;

b) do plano de capacitação, em conjunto com a FAZESP.”

Vejamos os dispositivos do Decreto Estadual n. 52.833, de 24 de março de 2008, que foram relacionados no Decreto n. 60.812/2014:

“Artigo 4º - Aos órgãos setoriais, nos respectivos âmbitos de atuação, cabe:

I - assistir as autoridades das Secretarias de Estado, da Procuradoria Geral do Estado ou das Autarquias a que pertencerem, nos assuntos relacionados com o Sistema de Administração de Pessoal;

II - planejar a execução das políticas, diretrizes e normas emanadas do órgão central do Sistema;

III - elaborar, para atendimento de situações específicas, propostas de normas complementares às emanadas do órgão central do Sistema;

IV - coordenar, prestar orientação técnica, controlar e, quando for o caso, executar, em consonância com o disposto no inciso II deste artigo, as atividades de administração do pessoal dos órgãos ou entidades a que pertencerem, inclusive dos estagiários e do pessoal contratado para prestação de serviços;

V - opinar, conclusivamente, sobre assuntos de recursos humanos, observadas as políticas, diretrizes e normas emanadas do órgão central do Sistema;

VI - zelar pela adequada instrução dos processos a serem submetidos à apreciação do órgão central do Sistema ou de outros órgãos da Administração Pública Estadual;

VII - encaminhar à manifestação do órgão central do Sistema as dúvidas relativas à aplicação da legislação de pessoal e as situações não previstas nas normas e nos manuais editados;

VIII - efetuar, periódica e regularmente, visitas aos órgãos subsetoriais do Sistema para verificação da regularidade dos atos expedidos;

IX - manifestar-se, conclusivamente, nos casos de acumulação remunerada;

X - controlar, cumprir e fazer cumprir as normas relativas a segurança, acesso e operacionalização do sistema de folha de pagamento;

XI - acompanhar permanentemente o absenteísmo no órgão ou na entidade, com vista à promoção de medidas para sua redução.

Artigo 5º - As atribuições dos órgãos setoriais compreendem as áreas de:

I - planejamento e controle de recursos humanos;

II - análise e estudos salariais;

III - seleção e recrutamento de pessoal;

IV - desenvolvimento e capacitação de recursos humanos;

V - legislação de pessoal;

VI - expediente de pessoal.

Artigo 6º - Os órgãos setoriais, em relação ao planejamento e controle de recursos humanos, nos respectivos âmbitos de atuação, têm as seguintes atribuições:

I - realizar estudos e pesquisas de interesse do Sistema, em especial para:

a) elaboração de propostas de padrões de lotação para os diversos tipos de unidades administrativas, de acordo com sua especificidade e com base nos elementos fornecidos por seus dirigentes;

b) permanente adequação do Quadro de Pessoal aos programas de trabalho;

c) identificação das causas de rotatividade de pessoal;

d) proposição de medidas para a melhoria da qualidade dos dados dos cadastros implantados;

II - coordenar a identificação das necessidades de recursos humanos e orientar os órgãos e autoridades com responsabilidade nesse processo;

III - elaborar, anualmente, a proposta das necessidades de recursos humanos, com base nos elementos apurados nos termos do inciso II deste artigo;

IV - efetuar a projeção das despesas com recursos humanos e encargos previdenciários para a elaboração do orçamento de pessoal;

V - acompanhar e controlar a execução do orçamento de pessoal e verificar as necessidades de alterações;

VI - acompanhar e analisar as variações mensais da folha de pagamento, adotando medidas pertinentes quando da apuração de eventuais desvios;

VII - observar a adequação da composição do Quadro de Pessoal aos padrões de lotação fixados e da distribuição dos recursos humanos aos programas de trabalho em andamento;

VIII - manifestar-se, conclusivamente, nos expedientes relativos à autorização para realização de:

a) concursos internos para acesso, instruindo-os com:

1. justificativa circunstanciada da efetiva necessidade da medida;

2. denominação e quantidade dos cargos a serem providos e das funções ou empregos a serem preenchidos, com indicação dos respectivos vencimentos e salários;

3. indicação das vagas, datas e motivos das vacâncias, bem como da quantidade de cargos, empregos e funções existentes no Quadro de Pessoal;

4. demonstração da disponibilidade orçamentária;

b) concursos públicos e/ou aproveitamento de candidatos remanescentes de concursos públicos, instruindo-os nos termos das normas pertinentes;

IX - manifestar-se:

a) nas propostas relativas a transferência de cargos, empregos ou funções, instruindo-as com:

1. quantidade existente no Quadro de Pessoal;

2. perfil do ocupante, quando for o caso;

3. informação quanto à compatibilidade do cargo, emprego ou da função com as finalidades do órgão ou da entidade;

4. argumentos que demonstrem a viabilidade ou não da medida;

b) nos processos relativos à identificação de unidades ou à classificação de funções de serviço público para efeito de atribuição de “pro labore”, instruindo-os nos termos da legislação pertinente;

X- colaborar com o órgão central do Sistema no desempenho de suas atribuições, em especial na:

a) realização de estudos para subsidiar a política de recursos humanos;

b) elaboração de:

1. diretrizes, normas e manuais de procedimentos;

2. padrões de lotação para as unidades de administração geral;

c) organização e implantação de sistemas de recursos humanos;”

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A criação e a regulamentação dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III, da forma como foi feita pelas alíneas “g”, “i” e “l” do art. 1º, pelo Anexo I, pelo Subanexos 3 e 4 do Anexo II, pelo Subanexo 2 do Anexo IV e pelo Subanexo 2 do Anexo V da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992; pelos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000; pelos Subanexo 3 do Anexo I e Subanexo IV da Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010; pelos arts. 5, 6, 7 e 11 e pelo Subanexo 3 do Anexo I da Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, todos do Estado de São Paulo, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

É notadamente inconstitucional a criação dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III pelo art. 1º, alíneas “g”, “i” e “l” da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992, e pelo art. 3º, incisos I, II e III da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000, ambas do Estado de São Paulo, cujas atribuições não foram previstas em lei.

Isso porque a reserva legal exige lei em sentido formal para disciplina das atribuições de cargo e/ou emprego público, não sendo suficiente a descrição das atividades por meio de decreto.

Cumpre registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, bem como aos arts. 37, incisos II e V, da Constituição Federal – como será adiante corroborado - cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Da ausência de descrição legal das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III  

Cumpre esclarecer que é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.

Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica (cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).

Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as correlatas atribuições.

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público, a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

3.2. Impossibilidade de fixação das atribuições por Decreto do Executivo

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos cargos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.

Isso porque, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).

Ademais, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.

Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, podendo tão somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009 – g.n.).

 

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

 

Este também é o entendimento deste Tribunal de Justiça Estadual:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u. – g.n.).

Ademais, as atribuições previstas aos cargos, constantes nos Decretos do Executivo n. 60.812/2014 e n. 52.833/2008 evidenciam natureza técnica e burocrática, tais como “assistir o dirigente da unidade no desempenho de suas atribuições” (inciso I do art. 139 do Decreto n. 60.812/2014) e “produzir informações gerenciais para subsidiar as decisões do dirigente da unidade” (inciso IV do art. 139 do Decreto n. 60.812/2014).

Além disso, mencionadas atribuições não foram fixadas especificamente aos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II, mas, sim, genericamente às “Assistências Técnicas”, o que também não se adequa ao regime de excepcionalidade - motivada em lei - que rege os cargos de provimento em comissão.

Desta forma, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III constantes nas alíneas “g”, “i” e “l” do art. 1º, no Anexo I, nos Subanexos 3 e 4 do Anexo II, no Subanexo 2 do Anexo IV e no Subanexo 2 do Anexo V da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992; nos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000; no Subanexo 3 do Anexo I e no Subanexo IV da Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010; e nos arts. 5, 6, 7 e 11 e no Subanexo 3 do Anexo I da Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014,  todos do Estado de São Paulo, visto que não há previsão em lei da descrição das atribuições dos cargos insertos no mencionado ato normativo, omissão esta que não pode ser suprida por Decreto.

 4. DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III constantes nas alíneas “g”, “i” e “l” do art. 1º, no Anexo I, nos Subanexos 3 e 4 do Anexo II, no Subanexo 2 do Anexo IV e no Subanexo 2 do Anexo V da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992; nos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000; no Subanexo 3 do Anexo I e no Subanexo IV da Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010; e nos arts. 5, 6, 7 e 11 e no Subanexo 3 do Anexo I da Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, todos do Estado de São Paulo.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Assembleia Legislativa de São Paulo e ao Governador do Estado de São Paulo bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 17 de agosto de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

aaamj/mam

 

Protocolado n. 53.990/16

 

 

1.       Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face dos cargos de Assistente Técnico da Fazenda Estadual I, Assistente Técnico da Fazenda Estadual II e Assistente Técnico da Fazenda Estadual III constantes nas alíneas “g”, “i” e “l” do art. 1º, no Anexo I, nos Subanexos 3 e 4 do Anexo II, no Subanexo 2 do Anexo IV e no Subanexo 2 do Anexo V da Lei n. 8.197, de 15 de dezembro de 1992; nos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Complementar n. 878, de 28 de setembro de 2000; no Subanexo 3 do Anexo I e no Subanexo IV da Lei Complementar n. 1.122, de 30 de junho de 2010; e nos arts. 5, 6, 7 e 11 e no Subanexo 3 do Anexo I da Lei Complementar n. 1.251, de 03 de julho de 2014, todos do Estado de São Paulo.

 

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 17 de agosto de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

aaamj/mam