Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 54.726/2016

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Lei Complementar n. 143/16 do Município de Estrela D’Oeste. Ação Direta Inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão. descrição de atribuições que não representam funções de assessoramento, chefia e direção, mas de natureza meramente técnica e profissional. Criação abusiva e superficial de cargos. Cargos públicos de provimento em comissão de “Chefe de Divisão de Arrecadação de Tributos”, “Chefe de Divisão de Conservação do Município”, “Chefe de Divisão de Engenharia e Fiscalização de Obras”, “Chefe de Divisão de Expediente Administrativo”, Chefe de Divisão de Serviços Rurais”, “Chefe de Divisão de Suprimentos”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Merenda Escolar”, “Chefe de Serviço de Manutenção e Controle de Frota”, cujas atribuições não evidenciam função de assessoramento, chefia e direção, mas, função técnica, burocrática, operacional e profissional a ser preenchida por servidor público investido em cargo de provimento efetivo (arts. 111, 115, II e V, CE/89).

 

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos cargos em comissão de “Chefe de Divisão de Arrecadação de Tributos”, “Chefe de Divisão de Conservação do Município”, “Chefe de Divisão de Engenharia e Fiscalização de Obras”, “Chefe de Divisão de Expediente Administrativo”, Chefe de Divisão de Serviços Rurais”, “Chefe de Divisão de Suprimentos”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Merenda Escolar”, “Chefe de Serviço de Manutenção e Controle de Frota”, previstos nos anexos II e V, da Lei Complementar n. 143, de 11 de março de 2016, do Município de Estrela D’Oeste, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

 

I – O Ato Normativo Impugnado

O Município de Estrela D’Oeste editou a Lei Complementar Municipal n. 143, de 11 de março de 2016, a qual dispôs sobre a reorganização do quadro de pessoal da Prefeitura de Estrela D’Oeste, na qual criou os cargos de provimento em comissão, conforme dispositivos abaixo transcritos, na parte que nos é pertinente:

“(...)

 

(...)”

 

 

 

 

 

 

Registre-se que por meio da Lei Complementar n. 145/16 foram extintos os cargos em comissão de Chefe da Divisão de Agricultura e Abastecimento, Chefe da Divisão de Orçamento e Contabilidade, Chefe do Centro de Atenção Psicossocial, Chefe do Centro de Referência de Assistência Social, Chefe do Serviço de Alistamento Militar, Chefe do Serviço de Distribuição de medicamentos, Chefe do Serviço de Iluminação Pública, Chefe do Serviço de Saúde Bucal e Coordenador de Estratégia de Saúde Da Família, conforme se depreende:

“(...)

(...)”

 Todavia, não obstante tal reforma legislativa, subsistiram outros cargos em comissão incompatíveis com o texto constitucional, conforme a seguir demonstrado.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os dispositivos acima transcritos dos atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

 

DAS ATRIBUIÇÕES TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS - CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DE CARGOS OU EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo, esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459), devendo, portanto, observância aos princípios constitucionais.

A autonomia municipal, entre outros aspectos, envolve a capacidade normativa própria, isto é, a aptidão para autolegislar, instituindo normas próprias sobre matéria de sua competência, bem como a capacidade de auto-administração.

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, se necessárias, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal, bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). O sistema de mérito, portanto, deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Nesse sentido, podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

Para verificar a natureza especial das atribuições dos cargos comissionados (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importa a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador, sendo imprescindível a análise do plexo de atribuições das funções públicas.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é o que ocorre, eis que a Lei Complementar Municipal n. 143/2016 do Município de Estrela D’Oeste, em relação aos cargos de “Chefe de Divisão de Arrecadação de Tributos”, “Chefe de Divisão de Conservação do Município”, “Chefe de Divisão de Engenharia e Fiscalização de Obras”, “Chefe de Divisão de Expediente Administrativo”, Chefe de Divisão de Serviços Rurais”, “Chefe de Divisão de Suprimentos”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Merenda Escolar”, “Chefe de Serviço de Manutenção e Controle de Frota”, não seguiu os citados parâmetros.

Percebe-se que os 07 cargos de chefes de divisão, 01 de chefe de merenda escolar, 01 de chefe de serviço de manutenção e controle da frota, estão distantes do comando da administração municipal, não justificando o provimento comissionado.

Na análise das atribuições dos referidos cargos não se antevê justificativa para a dispensa do concurso público, sobretudo porque não se extrai das descrições, constantes no Anexo V da citada lei, qual seria a relação de confiança que os ocupantes dos cargos devem ter para o desempenho da função.

Não se pode desconsiderar, ainda, que as atribuições dos cargos ora impugnados contemplam atividades técnicas e burocráticas, a saber: “controlar a circulação de bens e serviços”, “coordenar a equipe de limpeza pública nas atividades de varrição e limpeza das ruas e logradouros públicos,” “organizar e supervisionar as atividades de composição de custos de obras e serviços, fiscalizar projeto, para expedição do “habite-se”, prestar informações ás partes, encaminhando-as ao Diretor, quando for o caso, dentre outras descritas acima no Anexo V”.

Assim, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade dos cargos de “Chefe de Divisão de Arrecadação de Tributos”, “Chefe de Divisão de Conservação do Município”, “Chefe de Divisão de Engenharia e Fiscalização de Obras”, “Chefe de Divisão de Expediente Administrativo”, Chefe de Divisão de Serviços Rurais”, “Chefe de Divisão de Suprimentos”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Merenda Escolar”, “Chefe de Serviço de Manutenção e Controle de Frota”.

 

III – Pedido liminar

 

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos ou empregos públicos.

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos dos cargos em comissão de “Assessor de Divisão”, “Assessor de Departamento”, “Assessor de Secretaria”, “Motorista de Gabinete”, “Chefe de Divisão” e 03 cargos de “Diretores de Departamento” inseridos na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, previstos nos anexos I e III, da Lei Municipal n. 2.522, de 24 de setembro de 2015, do Município de Estrela D’Oeste.

 

IV – PEDIDO

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 6º, § 2º, 25, 26, 27 e 28, e dos cargos em comissão de “Chefe de Divisão de Arrecadação de Tributos”, “Chefe de Divisão de Conservação do Município”, “Chefe de Divisão de Engenharia e Fiscalização de Obras”, “Chefe de Divisão de Expediente Administrativo”, Chefe de Divisão de Serviços Rurais”, “Chefe de Divisão de Suprimentos”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Merenda Escolar”, “Chefe de Serviço de Manutenção e Controle de Frota”, previstos nos anexos II e V, da Lei Complementar n. 143, de 11 de março de 2016, do Município de Estrela D’Oeste.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Estrela D’Oeste, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                   Termos em que, pede deferimento.

 

                            São Paulo, 04 de outubro de 2016.

 

 

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 54.726/16

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão do Município de Estrela D’Oeste

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, inclusive deste despacho, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 04 de outubro de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/sh