Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado nº 46.854/2016

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do município de São Vicente. Subsídios de Prefeito e de Vereadores. Revisão anual. 1. Inexistência do direito à revisão geral anual da remuneração dos agentes políticos municipais porquanto exclusivamente conferido aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. 2. Violação aos arts. 111, 115, XI, e 144, da CE/89; e aos arts. 29, VI, e 37, X, da CF/88.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do Município de São Vicente, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

1.   DO Ato Normativo Impugnado

A Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do Município de São Vicente, que “Dispõe sobre reajuste salarial de 7% ao valor de referência do padrão de vencimentos dos servidores da Câmara Municipal”, estabelece:

Art. 1º - É concedido reajuste salarial de 7% (sete por cento) sobre o padrão de vencimentos dos servidores de provimento efetivo e em comissão dos quadros da Câmara Municipal de São Vicente.

Art. 2º - Em conformidade com o que estabelece o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, aplica-se idêntico reajuste aos subsídios do Prefeito Municipal e dos Vereadores por se tratar de revisão geral anual.

Art. - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, retroagindo seus efeitos a 1º de março de 2015.” (sic – grifo nosso)

O dispositivo normativo em destaque padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

A inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar n. 787/15 reside na autorização pela qual os subsídios do Prefeito e dos Vereadores estão sujeitos à revisão geral anual fixada em seu art. 1º.

Vejamos as razões pelas quais a inconstitucionalidade se evidencia no caso em exame.

2.   dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, de São Vicente, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

O dispositivo legal mencionado é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Note-se que o disposto nos arts. 111, 115, XI, da Constituição Estadual, reproduzem o art. 37, caput e inciso X, da Constituição Federal.                   

De outra parte, o art. 144 da Constituição Estadual - que determina a observância pelos Municípios, não só dos princípios presentes no bojo da Carta Paulista, mas também dos princípios constantes na Constituição Federal - consiste em “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, conforme averbou o E. Supremo Tribunal Federal, ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade, perante Tribunal de Justiça local, de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Disso decorre, também, a possibilidade de contraste de lei ou ato normativo local com o art. 144 da Constituição Estadual por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 29, VI, que assim dispõe:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

(...)”.

Prefeito e Vereadores, assim como o Vice-Prefeito e os Secretários Municipais, são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos comuns, porquanto não têm o status de agentes profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política, por força de eleição.

Bem por isso, o dispositivo legal impugnado, que instituiu e implantou o direito à revisão geral anual dos subsídios dos referidos agentes políticos municipais, padece de inconstitucionalidade, pois contrasta com o art. 115, XI, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal.

A Constituição Estadual não autoriza sequer a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois, esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) e na Constituição Estadual (art. 115, XI), é restrito aos servidores públicos em geral.

A solução dada ao tema pelos dispositivos impugnados - adite-se – vulnera, ainda, a legalidade e a moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual).

Os agentes políticos não são servidores profissionais e a eles não se dirige a garantia da revisão geral anual que, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, violado pela norma questionada (reprodução do art. 37, X, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, ou seja, magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional de seu vínculo à função pública.

Especialmente com relação aos Vereadores, o art. 29, V, da Constituição Federal, estabelece as regras da anterioridade da legislatura para fixação do subsídio dos agentes políticos parlamentares municipais e da inalterabilidade do subsídio durante a legislatura, que decorrem do princípio da moralidade administrativa agasalhado tanto no art. 111 da Constituição Estadual quanto no art. 37 da Constituição Federal.

O preceito inibe a fixação ou alteração da remuneração dos Vereadores durante a legislatura, consoante doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1983, 3ª ed., pp. 203, 252; Pedro Calmon. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, 3ª ed., p. 125; Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 211-212) e jurisprudência (STF, RE 206.889-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 25-03-1997, v.u., DJ 13-06-1997, p. 26.718; STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008; STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

Neste sentido, proclama-se que “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269).

Este egrégio Tribunal abona essa orientação:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 3º da Lei n°. 5 357, de 31 de maio de 2000 e artigo 1º da Lei n° 5.960, de 05 de junho de 2003, ambos do Município de Franca. Leis Municipais que dispõem sobre a majoração dos subsídios de vereadores durante a própria legislatura. Aumentos variáveis no tempo. Incidente de inconstitucionalidade suscitado por uma das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em recurso de apelação contra sentença que julgou ação civil pública em face do referido Município e de todos os seus vereadores. Dispositivos que violam a ‘regra da legislatura’ e o princípio da moralidade administrativa. Reajuste anual que não é aplicável aos vereadores. Ofensa aos artigos 29, VI, e 37, ambos da Constituição Federal e 144 da Constituição do Estado. Argüição acolhida para declarara inconstitucionalidade dos dispositivos objurgados” (TJSP, Incidente de Inconstitucionalidade 161.056-0/0-00, Franca, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 13-08-2008).

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art. 3°da Resolução n° 02, de 08 de maio de 2012 - Previsão de revisão geral anual do subsídios dos Vereadores - Impossibilidade - "Regra da legislatura" que exige que o subsídio seja estabelecido pelo corpo de Edis da legislatura anterior, a fim de manter incólume os princípios da moralidade e impessoalidade, vedando-se, inclusive, oscilações no valor do subsídio durante a legislatura seguinte. Logo, não está acorde à "regra da legislatura" a previsão de revisão geral anual. Precedente. ACÂO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (TJSP. ADIn nº 0047613-65.2013.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgada 12 de junho de 2013)

 Em face do disposto no inciso VI do artigo 29 da Constituição da República, com a redação que lhe deu a Emenda constitucional nº. 25, dos 14 de fevereiro de 2000, não poderiam os senhores vereadores da Câmara Municipal de Piracicaba, na própria legislatura, atualizar seus subsídios, ainda que com invocação do inciso XV do caput do artigo 37 da Constituição da República.

Sobre esse último dispositivo, de caráter geral, prevalece aquele, específico para o subsídio dos vereadores.

Certo que reajuste não é aumento, mas manutenção do poder de compra dos subsídios. Todavia, o inciso VI do artigo 29 da Constituição da República não proíbe aumento de subsídio durante a legislatura, quando então poder-se-ia dizer possível o reajuste ou atualização, mas determina que o subsídio seja fixado para a legislatura subseqüente, com observância dos critérios previstos na própria Constituição da República e na respectiva Lei Orgânica. O que é fixo não permite, salvo expressa previsão, alterações a título de atualização” (TJSP, II 990.10.096557-0, Rel. Des. Barreto Fonseca, 05-05-2010, v.u.).

Assim, mostra-se indevido, por vício de inconstitucionalidade, o art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, de São Vicente, que implantou a revisão anual do subsídio de agentes políticos municipais (Prefeito e Vereadores).

3.   Pedido liminar

Diante do exposto, evidencia-se a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, determinantes da concessão da liminar para a suspensão da eficácia do preceito impugnado nesta ação direta.

O fumus boni iuris está amplamente demonstrado na fundamentação da presente petição inicial, a revelar a indisfarçável inconstitucionalidade do dispositivo ante apontado.

O periculum in mora reside no fato de que, mantida a eficácia do preceito legal questionado, despesas serão realizadas pelo Poder Público Municipal, as quais dificilmente serão revertidas aos cofres públicos, em função da alegação de boa-fé ou mesmo pelo caráter alimentar dos valores pagos.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do Município de São Vicente.

4.    Pedido

Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do Município de São Vicente.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Vicente, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

        

                            São Paulo, 20 de outubro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 46.854/2016

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 2º da Lei Complementar n. 787, de 27 de março de 2015, do Município de São Vicente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 20 de outubro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça