EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 76.036/2016

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e do Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.

2)      Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, e do art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal.

3)      Cargos em excessiva quantidade. Excepcionalidade, no vigente ordenamento constitucional, dos cargos de provimento em comissão. Violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 111 da Constituição Paulista).

4)      § 3° do artigo 18 e Anexo IV da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri. Sobrevida por mais 2 (dois) anos a cargos de provimento em comissão declarados inconstitucionais por este Egrégio Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000. Ofensa aos princípios do interesse público, moralidade e impessoalidade. Desvio de Poder Legislativo.

 

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 076.036/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público”, previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.   DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, que “Dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Barueri e dá outras providências” (fls. 09/36), possui, no que interessa ao desfecho desta ação, a seguinte redação:

“(...)

CAPÍTULO VI

Dos Cargos em Comissão e Funções de Confiança

(...)

Art. 16. Fica criado o Quadro de Cargos em Comissão e Funções de Confiança conforme Anexo I desta Lei.

(...)

CAPÍTULO VII

Disposições Finais e Transitórias

Art. 18. Toda a estrutura, bem como os cargos em comissão da administração direta ficam criados ou alterados em conformidade com esta Lei Complementar e segundo os termos dos Anexos, extinguindo-se os demais cargos em comissão não previstos nesta Lei Complementar.

(...)

§ 3°. A extinção dos cargos em comissão disciplinados pelo Anexo IV ocorrerá dentro do prazo máximo de 2 (dois) anos ou até a realização de concurso público, prevalecendo o que ocorrer primeiro, mantendo-se as referências remuneratórias vigentes à data de publicação desta Lei Complementar.

(...)

ANEXO I – CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÃO DE CONFIANÇA

CARGO EM COMISSÃO

QUANTIDADE

EXIGÊNCIA

ASSESSOR ESPECIAL I

2

Nível Superior

ASSESSOR ESPECIAL II

2

Nível Superior

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE I

28

Nível Médio

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE II

42

Nível Superior

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE III

6

Nível Superior

ASSISTENTE DE GABINETE

48

Nível Médio

ASSISTENTE TÉCNICO I

75

Nível Médio

ASSISTENTE TÉCNICO II

75

Nível Médio

CHEFE DE DIVISÃO

157

Nível Médio

CHEFE DE EQUIPAMENTO I

15

Nível Médio

CHEFE DE EQUIPAMENTO II

46

Nível Médio

CHEFE DE EQUIPAMENTO III

17

Nível Superior

CHEFE DE NÚCLEO

113

Nível Médio

COORDENADOR

64

Nível Superior

COORDENADOR ADMINISTRATIVO

3

Nível Superior

COORDENADOR DE CRAS

4

Nível Superior

COORDENADOR DE CREAS

1

Nível Superior

COORDENADOR DE DEFESA CIVIL

1

Nível Superior

COORDENADOR DE PRONTO ATENDIMENTO

2

Nível Superior

COORDENADOR GERAL

12

Nível Superior

DIRETOR DE DEPARTAMENTO

147

Nível Superior

LÍDER DE EQUIPE

136

Nível Fundamental

ENCARREGADO PRÓPRIO PÚBLICO

290

Nível Fundamental

OUVIDOR GERAL

1

Nível Superior

OUVIDOR DA GUARDA CIVIL

1

Nível Superior

 

(...)

ANEXO III – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA

CARGO/FUNÇÃO DE CONFIANÇA

DESCRIÇÃO SUMÁRIA

ASSESSOR ESPECIAL I

Assessorar o Prefeito em atividades e ações de encaminhamento e retorno de informações e dados de natureza política, técnica ou administrativa, enfatizando a gestão de políticas públicas, estrutura e operações dos órgãos municipais. Executar funções relacionadas à organização e controle de ações voltadas à consecução dos objetivos da Prefeitura. Elaborar relatórios e análises para avaliação de ações desenvolvidas por órgãos municipais. Auxiliar grupos de trabalho no planejamento de projetos, por delegação do Prefeito. Executar outras atividades correlatas.

ASSESSOR ESPECIAL II

Assessorar o Prefeito em assuntos de natureza política, técnica e administrativa, bem como de operações dos serviços da administração direta municipal. Assessorar e executar atividades de organização e controle de políticas públicas, preparando documentos, relatórios e prestando informações e dados necessários à performance da administração pública. Assistir em atividades de planejamento e direção de recursos e meios. Preparar relatórios e análises para avaliação de performances de órgãos municipais. Representar a municipalidade, por delegação do Prefeito, na interface com outras esferas da administração pública, compondo grupos de trabalho ou atuando na troca de informações com instituições. Assessorar nos procedimentos orçamentários e jurídicos. Executar outras atividades correlatas.

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE I

Prestar assessoramento ao Gabinete. Instruir expedientes, que requeiram análise e parecer técnico, submetidos ao seu exame. Assessorar a chefia superior no acompanhamento técnico da ação programática da Administração Municipal. Coletar, organizar, analisar e gerenciar dados e informações técnicas relativas ao controle da execução das políticas públicas municipais e das metas e objetivos a serem alcançados. Executar outras tarefas correlatas.

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE II

Prestar assistência e coordenar atividades técnicas e administrativas, elaborando instrumentos de acompanhamento e atualização dos processos implantados. Executar outras tarefas correlatas.

ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE III

Elaborar planos, programas e projetos relacionados às políticas públicas, avaliando e controlando os recursos alocados a fim de garantir a efetividade das ações implementadas. Elaborar pareceres, análises técnicas e despachos. Analisar dados e cenários face às determinações do Executivo Municipal. Executar outras tarefas correlatas.

ASSISTENTE DE GABINETE

Prestar assistência ao Secretário Municipal, colaborando técnica e administrativamente na execução das atividades do Gabinete. Executar outras atividades correlatas.

ASSISTENTE TÉCNICO I

Prestar assistência e fornecer suporte técnico e administrativo às ações sob responsabilidade da Coordenadoria, elaborando instrumentos de acompanhamento e promovendo a atualização dos sistemas implantados. Executar outras atividades correlatas.

ASSISTENTE TÉCNICO II

Realizar estudos e análises para a formulação e acompanhamento dos planos de ação da Coordenadoria. Prestar assistência técnica aos dirigentes da Coordenadoria. Participar dos projetos e programas da Coordenadoria, acompanhamento a sua execução. Executar outras atividades correlatas.

CHEFE DA CONTROLADORIA

Coordenar a fiscalização contábil, operacional e patrimonial dos órgãos e das entidades públicas do Poder Executivo Municipal, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncias de receitas. Adotar medidas necessárias ao fiel cumprimento das normas de regularização e controle público. Avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual e a execução dos programas de governo, bem como avaliar os resultados. Orientar e supervisionar tecnicamente as atividades de fiscalização e auditoria na Administração Municipal. Promover a interlocução com os órgãos de controle externos. Implementar medidas de integração e controle social da Administração Municipal. Adotar medidas que confiram transparência integral aos atos da gestão do Executivo Municipal. Executar outras atividades correlatas.

CHEFE DE DIVISÃO

Executar a programação e implementação de ações específicas e a operacionalização de processos de trabalho de natureza técnica ou administrativa inerentes à sua área de atuação.

CHEFE DE EQUIPAMENTO I

Chefiar unidades administrativo-operacionais de baixa complexidade, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados ao cidadão. Executar outras tarefas correlatas.

CHEFE DE EQUIPAMENTO II

Chefiar unidades administrativo-operacionais de média complexidade, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados ao cidadão. Executar outras tarefas correlatas.

CHEFE DE EQUIPAMENTO III

Chefiar unidades administrativo-operacionais de alta complexidade, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados ao cidadão. Executar outras tarefas correlatas.

CHEFE DE NÚCLEO

Coordenar e garantir a execução das tarefas do núcleo sob sua responsabilidade, assegurando o bom desempenho de todas as atividades. Propor e implantar melhorias para a maximização dos resultados da sua área de atuação. Executar outras tarefas correlatas.

COORDENADOR GERAL

Planejar e coordenar ações que requerem nível elevado de conhecimento técnico, com responsabilidade por ações e resultados da Secretaria ou de áreas programáticas.

COORDENADOR

Coordenar a programação e implementação das ações bem como a operacionalização de processos de trabalho de natureza técnica, inerentes à sua área de atuação, garantindo efetividade às entregas.

COORDENADOR ADMINISTRATIVO

Coordenar a programação e implementação das ações bem como a implementação de processos de trabalho de natureza administrativa, com responsabilidade por produtos e resultados específicos.

COORDENADOR DE CRAS

Articular o processo de implementação, execução, monitoramento, registro e avaliação das ações, usuários e serviços; articular com a rede de serviços sócio-assistenciais e das demais políticas sociais; coordenar a execução das ações de forma a manter o diálogo e a participação dos profissionais e das famílias inseridas nos serviços no CRAS e pela rede prestadora de serviços no território. Executar outras tarefas correlatas.

COORDENADOR DE CREAS

Articular o processo de implantação do CREAS; coordenar a execução das ações; realizar articulações/parcerias com instituições governamentais e não governamentais, engajando-se no processo de articulação da rede sócio-assistencial; definir, com a equipe técnica, os meios e os ferramentais teóricos – metodológicos de trabalho a serem utilizados com as famílias, grupos e indivíduos;

COORDENADOR DE PRONTO ATENDIMENTO

Coordenar a programação e implementação das ações e a operacionalização de processos de trabalho de natureza técnica e administrativa visando garantir a efetividade das atividades da Unidade de Pronto Atendimento.

DIRETOR DE DEPARTAMENTO

Planejar, programar e implementar ações e operacionalizar processos de trabalho de natureza técnica inerentes à sua área de atuação, articulando ações de programas e projetos, responsabilizando-se por produtos e resultados específicos. Executar outras tarefas correlatas.

LÍDER DE EQUIPE

Chefiar e supervisionar equipes operacionais, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados. Executar outras tarefas correlatas.

ENCARREGADO PRÓPRIO PÚBLICO

Supervisionar o grau de conservação dos próprios públicos municipais, elaborando relatórios de conservação e eficiência no uso energético, água e materiais, em atendimento aos indicadores de desempenho definidos pelas Secretarias de Suporte. Executar outras tarefas correlatas.

OUVIDOR GERAL

Dirigir a Ouvidoria Geral do Município, responsabilizando-se pela sua gestão e resultados.

OUVIDOR GUARDA CIVIL MUNICIPAL

Dirigir a Ouvidoria da Guarda Civil Municipal, responsabilizando-se pela sua gestão e resultados.

PROCURADOR-CHEFE

Chefiar, planejar, orientar e acompanhar os serviços da Procuradoria Municipal. Ratificar pareceres, iniciais, contestações, recursos e demais manifestações em ações judiciais de interesse do Município. Elaborar relatórios referentes às atividades de Procuradoria. Executar outras atividades correlatas.

 

ANEXO IV – QUADRO SUPLEMENTAR – CARGOS EM COMISSÃO EM REGIME DE EXTINÇÃO

SITUAÇÃO ATUAL

SITUAÇÃO NOVA

TOTAL

DAD 1

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 1

312

DAD 2

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 2

141

DAD 3

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 3

202

DAD 4

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 4

440

DAD 5

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 5

100

DAD 6

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 6

66

DAD 7

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 7

119

DAD 8

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 8

70

DAD 9

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 9

90

DAD 10

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 10

60

DAD 11

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 11

27

DAD 12

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 12

8

DAD 13

AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL 13

5

 

TOTAL

1640

 

(...)”. – grifo nosso.

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, conforme será demonstrado a seguir.

2.   O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O artigo 16, caput, em conjunto com os Anexos I e III, todos da Lei Complementar n° 369/16, do Município de Barueri, ao criarem os aludidos cargos em comissão para o desempenho de funções técnicas e operacionais, violou os artigos 111, 115, I, II e V e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Ademais, o § 3° do artigo 18, da Lei Complementar n° 369/16, do Município de Barueri, ao dispor que os cargos em comissão disciplinados pelo Anexo IV serão extintos no prazo máximo de 2 (dois) anos ou até a realização de concurso público, deu sobrevida aos 1.640 cargos em comissão declarados inconstitucionais por este Órgão Especial na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000 e, dessa forma, não se coaduna com os princípios do interesse público, moralidade e impessoalidade administrativa, incorrendo em nítido desvio de poder legislativo, em afronta ao artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

                            “(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.   FUNDAMENTAÇÃO

3.1.     DOS CARGOS DE “ASSESSOR ESPECIAL” I e II, “ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE” I, II e III, “ASSISTENTE DE GABINETE”, “ASSISTENTE TÉCNICO” I e II, “CHEFE DE DIVISÃO”, “CHEFE DE EQUIPAMENTO” I, II e III, “CHEFE DE NÚCLEO”, “DIRETOR DE DEPARTAMENTO”, “LÍDER DE EQUIPE” E “ENCARREGADO PRÓPRIO PÚBLICO”

Os cargos de provimento em comissão de “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe” e “Encarregado Próprio Público”, previstos no artigo 16, caput, e Anexos I e III, da Lei Complementar n° 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, não expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias. Bastante sintomática, aliás, a generalidade das funções descritas.

No que tange aos cargos públicos em comissão de “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete” e “Assistente Técnico” I e II, possuem atribuições demasiadamente genéricas e imprecisas, de modo que, salvo pelo fato de trabalharem em órgãos municipais diversos (Prefeitura, Secretárias e Coordenadorias, respectivamente), não é possível distinguir um cargo do outro e identificar com precisão quais funções serão exercidas por cada um, em ofensa aos princípios da reserva legal e da razoabilidade (artigos 111 e 115, I, II e V da Constituição Estadual).

Com efeito, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e do direito dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Essa situação – previsão de atribuições extremamente genéricas – revela, com clareza, a violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista, que, em sua perspectiva substancial, exige proporcionalidade e razoabilidade no que diz respeito às leis que delimitam aquilo que conhecemos como Direito Material.

Nesse sentido, como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins, tendo importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua aplicação” (Curso de direito administrativo, 14 ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 19 ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).

Ademais, o escalonamento entre Assessores e Assistentes I, II e III, com diferentes níveis remuneratórios, não é compatível com a natureza comissionada dos cargos, dando ideia típica de cargos de carreira. (Anexo III da Lei em comento).

De efeito, constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto “a própria organização, em carreira, dos cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz não se mostra compatível com a índole de comissão” (STF, Rp 1.282-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p. 2345, RTJ 116/887).

Além disso, proporciona ao administrador público uma grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do assessor ou assistente (ou durante o exercício do cargo) para efeito remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e impessoalidade.

Os mesmos vícios – descrição genérica das atribuições e escalonamento de cargos – observam-se em relação aos cargos de “Chefe de Equipamento”, I, II e III, que têm como função “chefiar unidades administrativas”, “responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência do serviço prestado ao cidadão” (Anexo III da Lei).

Mostra-se, igualmente, genérica a descrição das atribuições dos cargos de “Diretor de Departamento” e “Líder de Equipe”, figurando, dentre elas, as de, respectivamente, “planejar, programar e implementar ações e operacionalizar processos de trabalho de natureza técnica inerentes à sua área de atuação” e “chefiar e supervisionar equipes operacionais, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados” (Anexo III, da Lei em comento).

Por sua vez, dentre as atribuições do cargo de “Chefe de Divisão” figura a de “operacionalização de processos de trabalho de natureza técnica ou administrativa inerentes à sua área de atuação”, função esta nitidamente técnica e operacional (Anexo III da Lei).

Para finalizar, o cargo de “Encarregado Próprio Público” possui, dentre as suas atribuições, as de “supervisionar o grau de conservação dos próprios públicos municipais, elaborando relatórios de conservação e eficiência no uso energético, água e materiais, em atendimento aos indicadores de desempenho definidos pelas Secretarias de Suporte”, atribuições estas nitidamente técnicas e operacionais (Anexo III da Lei).

Dessa forma, das atribuições previstas para os referidos cargos, nos termos do Anexo III da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, prevalecem atividades burocráticas, relacionadas à supervisão de equipe de trabalhos, projetos, programas, elaboração de relatórios e outros documentos, participação em reuniões, orientação, acompanhamentos e informações, isto é, atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Vale ressaltar que, embora na descrição das atribuições dos cargos de provimento comissionado haja referência genérica às atividades de prestar assistência e assessoramento direto, a análise das suas características indica que essencialmente são destinados a atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a decisões e execução.

Além destes aspectos indicativos de que os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição inespecífica de suas atribuições, como anteriormente explicitado, corrobora a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.

Não é só. Outra característica também corrobora este entendimento. Trata-se da exigência de conclusão apenas de curso de ensino fundamental para os cargos de “Líder de Equipe” e “Encarregado de Próprio Público” e, para os cargos de “Assessor Técnico de Gabinete I”, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I e II e “Chefe de Núcleo”, tão somente de nível médio de escolaridade, reforçando, outrossim, a natureza de unidades executórias de pouca complexidade, de nível subalterno, sem poder de mando e comando superior e necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o provimento em comissão.

A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município de Alvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2012)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Legislações do Município que Tietê, que dispõe sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)

Outrossim, é importante destacar que o número exacerbado de cargos de provimento em comissão, no caso em exame, mostra-se irrazoável e desproporcional. Ao todo, são 1.199 os cargos de provimento em comissão impugnados, conforme previsão do Anexo I da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

3.2.     DO DESVIO DE PODER LEGISLATIVO NA SOBREVIDA DADA PELO § 3° DO ARTIGO 18 AOS CARGOS EM COMISSÃO DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS POR ESTE EGRÉGIO ÓRGÃO ESPECIAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 2133101-80.2015.8.26.0000

O § 3° do artigo 18, da Lei Complementar n° 369, de 24 de maio de 2016, ao dispor que os cargos em comissão disciplinados pelo Anexo IV serão extintos no prazo máximo de 2 (dois) anos ou até a realização de concurso público, não se coaduna com o princípio do interesse público, incorrendo em nítido desvio de poder legislativo, ao dar sobrevida aos 1.640 cargos em comissão declarados inconstitucionais por este Órgão Especial na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000.

Com efeito, na sessão de julgamento de 27 de janeiro de 2016, este E. Tribunal de Justiça julgou procedente a mencionada Ação Direta proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, nos seguintes termos:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 3°, I, II e III, e Anexo II, da Lei Complementar n° 269, de 17 de maio de 2011, com as alterações dadas pela Lei Complementar n° 293, de 03 de janeiro de 2013, do Município de Barueri. Criação de cargos de provimento em comissão.

A criação de cargos de provimento em comissão, destinados, muitos deles, a funções burocráticas ou técnicas de caráter permanente são incompatíveis com os princípios retores previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Paulista e a possibilidade de contratação fere de morte o regime constitucional brasileiro. Não sendo caso de contratação em regime de urgência, imprescindível a realização de concurso público, conforme preceitua o inciso II do art. 37 da Constituição Federal. A criação desses cargos em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso. Afronta aos arts. 5°, 111, 115, incisos I, II e V; 144, todos da Constituição Estadual.

Inconstitucionalidade configurada. Ação procedente com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.”

         Procedeu-se, ainda, à modulação de efeitos da decisão, concedendo-se o prazo de 120 (cento e vinte) dias para que produza efeitos. Inconformado, o Il. Prefeito Municipal de Barueri opôs embargos declaratórios, a fim de ampliar o prazo da modulação para 270 (duzentos e setenta dias), recurso o qual foi rejeitado, em votação unânime, na sessão de julgamento de 09 de março de 2016.

         Não obstante, em 18 de maio de 2016, o Il. Prefeito Municipal de Barueri enviou à Câmara Legislativa, por meio da mensagem n° 025/16, o Projeto de Lei Complementar n° 005/2016, que originou a Lei Complementar n° 369/2016, não só criando os 1.199 cargos em comissão acima descritos e impugnados, mas também dando sobrevida por até 2 (dois) anos aos 1.640 cargos em comissão declarados inconstitucionais na Ação Direta acima mencionada.

         Neste sentido, consta da exposição de motivos da mensagem n° 025/16 enviada pelo Il. Prefeito de Barueri à Câmara de Vereadores, verbis:

“(...)

No que tange aos cargos em comissão disciplinados no Anexo IV desta lei complementar, cabe salientar que terão eles vigência temporária, porquanto, com a implementação do plano de cargos e carreiras aprovado pela Lei Complementar n° 365, de 08 de abril de 2016, bem como com a realização de concursos públicos, serão eles extintos no prazo que se estima em até 24 (vinte e quatro meses).

É certo que tal redução, com exoneração dos respectivos ocupantes, se efetivada de imediato, causará sérios transtornos à Administração Municipal, com inegáveis prejuízos aos serviços públicos e, consequentemente, à comunidade administrada, dada a impossibilidade de substituição. (...)”. (fls. 61)

Destarte, resta patente o desvio de poder legislativo nesse ato legislativo, buscando frustar, duplamente (seja por meio da criação de novos cargos em comissão abusivos, seja por meio da sobrevida a cargos em comissão já declarados inconstitucionais), a decisão proferida pelo Egrégio Órgão Especial na mencionada Ação Direta.

Com efeito, os dispositivos legais em questão encerram, de per si e atento às circunstâncias, ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade, eis que a criação de elevadíssimo número de cargos de provimento em comissão e a sobrevida de cargos em comissão já declarados inconstitucionais, foram utilizadas para fim distanciado de sua finalidade – exercício de funções de assessoramento, chefia e direção –, visando tão somente favorecimentos indevidos.

Nesse sentido, vide recente julgado deste Colendo Órgão Especial, verbis:

“DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI MUNICIPAL Nº 7321, DE 6.11.14, QUE CRIOU CARGOS EM COMISSÃO PARA FUNÇÕES DESTINADAS A PROVIMENTO EFETIVO INCONSTITUCIONALIDADE ANTES JÁ RECONHECIDA EM OUTRA AÇÃO DIRETA, CUJO COMANDO AQUI SE BUSCOU FRUSTRAR INCLUSIVE COM NOMEAÇÕES EM CARÁTER PRECÁRIO, ATÉ O EFETIVO PREENCHIMENTO DOS CARGOS LIMINAR DE INÍCIO CONCEDIDA PELA RELATORIA, QUE ORA SE CONVALIDA, JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO NOS TERMOS DO PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA A MODULAÇÃO ABRANGENDO APENAS O QUANTO PRATICADO ANTERIORMENTE À LIMINAR CONCEDIDO, JÁ QUE SE TRATOU DE DESCUMPRIMENTO INDIRETO DO COMANDO JURISDICIONAL ANTERIOR AÇÃO PROCEDENTE, PARA ESSE FIM.

(...)

Duas ações de inconstitucionalidade foram anteriormente ajuizadas e julgadas procedentes, pelos mesmos fundamentos. Confira-se fl. 5, processos n°s 0528328-34.2010.8.26.0000 e 2007863-85.2014.8.26.0000. Só que, ao invés de cumprir o que se decidiu, com nova roupagem o Município fez baixar lei nova, em essência com as mesmas falhas de origem. Até o cargo de assessor jurídico (de natureza eminentemente técnica) tornando a ser provível em comissão. Assim como toda a “assessoria” mencionada a fl. 1 (de Gabinete, de Imprensa, das Comissões Técnicas Permanentes, etc), que de tal teria apenas nome de batismo. Assessor de Imprensa, por exemplo, exerce funções de caráter nitidamente técnico.” (TJ/SP; ADI 2128362-64.2015.8.26.0000; Des. Rel. Ferraz de Arruda; D.J. 27/01/16). – grifo nosso.

Cumpre atentar que não é novidade o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse respeito, concessa venia, reporta-se o elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:

“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.

Temos, contudo, sustentado a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.

Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.

Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.

(...)

Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:

‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias’.

‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).

(...)

Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.

O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legítima destinação.

(...)

Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).

E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)”. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).

 

4.     DOS PEDIDOS

a.  Do Pedido Liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora.

A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Barueri apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, porque permitem a investidura de pessoas em funções públicas de maneira irregular e comprometem o Erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” constantes nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.

b.  Do pedido principal

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Barueri, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 08 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ms/ts

 

 

 


Protocolado nº 76.036/2016

Assunto: propositura de ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.

Interessados: Promotoria de Justiça de Barueri e Associação dos Procuradores Municipais de Barueri.

 

 

 

1.                Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 08 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ms/ts