EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
76.036/2016
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e do Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.
2) Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, e do art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal.
3) Cargos em excessiva quantidade. Excepcionalidade, no vigente ordenamento constitucional, dos cargos de provimento em comissão. Violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 111 da Constituição Paulista).
4) § 3° do artigo 18 e Anexo IV da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri. Sobrevida por mais 2 (dois) anos a cargos de provimento em comissão declarados inconstitucionais por este Egrégio Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000. Ofensa aos princípios do interesse público, moralidade e impessoalidade. Desvio de Poder Legislativo.
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 076.036/2016, que segue como anexo),
vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das
expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e
III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”,
“Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de
Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público”, previstas nos
Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei
Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, pelos
fundamentos expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do
Município de Barueri, que “Dispõe sobre a
reorganização da estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Barueri e
dá outras providências” (fls. 09/36), possui, no que interessa ao desfecho
desta ação, a seguinte redação:
“(...)
CAPÍTULO VI
Dos Cargos em Comissão e Funções de
Confiança
(...)
Art. 16. Fica criado o Quadro de Cargos em Comissão e Funções de Confiança conforme Anexo I desta Lei.
(...)
CAPÍTULO VII
Disposições Finais e Transitórias
Art. 18. Toda a estrutura, bem como os cargos em comissão da administração direta ficam criados ou alterados em conformidade com esta Lei Complementar e segundo os termos dos Anexos, extinguindo-se os demais cargos em comissão não previstos nesta Lei Complementar.
(...)
§ 3°. A extinção dos cargos em comissão disciplinados pelo Anexo IV ocorrerá dentro do prazo máximo de 2 (dois) anos ou até a realização de concurso público, prevalecendo o que ocorrer primeiro, mantendo-se as referências remuneratórias vigentes à data de publicação desta Lei Complementar.
(...)
ANEXO I – CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÃO DE CONFIANÇA
CARGO EM COMISSÃO |
QUANTIDADE |
EXIGÊNCIA |
ASSESSOR ESPECIAL I |
2 |
Nível Superior |
ASSESSOR ESPECIAL II |
2 |
Nível Superior |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE I |
28 |
Nível Médio |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE II |
42 |
Nível Superior |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE III |
6 |
Nível Superior |
ASSISTENTE DE
GABINETE |
48 |
Nível Médio |
ASSISTENTE TÉCNICO I |
75 |
Nível Médio |
ASSISTENTE TÉCNICO II |
75 |
Nível Médio |
CHEFE DE DIVISÃO |
157 |
Nível Médio |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
I |
15 |
Nível Médio |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
II |
46 |
Nível Médio |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
III |
17 |
Nível Superior |
CHEFE DE NÚCLEO |
113 |
Nível Médio |
COORDENADOR |
64 |
Nível Superior |
COORDENADOR ADMINISTRATIVO |
3 |
Nível Superior |
COORDENADOR DE CRAS |
4 |
Nível Superior |
COORDENADOR DE CREAS |
1 |
Nível Superior |
COORDENADOR DE DEFESA CIVIL |
1 |
Nível Superior |
COORDENADOR DE PRONTO ATENDIMENTO |
2 |
Nível Superior |
COORDENADOR GERAL |
12 |
Nível Superior |
DIRETOR DE
DEPARTAMENTO |
147 |
Nível Superior |
LÍDER DE EQUIPE |
136 |
Nível Fundamental |
ENCARREGADO PRÓPRIO
PÚBLICO |
290 |
Nível Fundamental |
OUVIDOR GERAL |
1 |
Nível Superior |
OUVIDOR DA GUARDA CIVIL |
1 |
Nível Superior |
(...)
ANEXO III – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO E
FUNÇÕES DE CONFIANÇA
CARGO/FUNÇÃO DE CONFIANÇA |
DESCRIÇÃO SUMÁRIA |
ASSESSOR ESPECIAL I |
Assessorar o Prefeito em atividades
e ações de encaminhamento e retorno de informações e dados de natureza
política, técnica ou administrativa, enfatizando a gestão de políticas
públicas, estrutura e operações dos órgãos municipais. Executar funções
relacionadas à organização e controle de ações voltadas à consecução dos
objetivos da Prefeitura. Elaborar relatórios e análises para avaliação de
ações desenvolvidas por órgãos municipais. Auxiliar grupos de trabalho no
planejamento de projetos, por delegação do Prefeito. Executar outras
atividades correlatas. |
ASSESSOR ESPECIAL II |
Assessorar o Prefeito em assuntos
de natureza política, técnica e administrativa, bem como de operações dos
serviços da administração direta municipal. Assessorar e executar atividades
de organização e controle de políticas públicas, preparando documentos,
relatórios e prestando informações e dados necessários à performance da
administração pública. Assistir em atividades de planejamento e direção de
recursos e meios. Preparar relatórios e análises para avaliação de
performances de órgãos municipais. Representar a municipalidade, por
delegação do Prefeito, na interface com outras esferas da administração
pública, compondo grupos de trabalho ou atuando na troca de informações com
instituições. Assessorar nos procedimentos orçamentários e jurídicos.
Executar outras atividades correlatas. |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE I |
Prestar assessoramento ao Gabinete.
Instruir expedientes, que requeiram análise e parecer técnico, submetidos ao seu
exame. Assessorar a chefia superior no acompanhamento técnico da ação
programática da Administração Municipal. Coletar, organizar, analisar e
gerenciar dados e informações técnicas relativas ao controle da execução das
políticas públicas municipais e das metas e objetivos a serem alcançados.
Executar outras tarefas correlatas. |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE II |
Prestar assistência e coordenar
atividades técnicas e administrativas, elaborando instrumentos de acompanhamento
e atualização dos processos implantados. Executar outras tarefas correlatas. |
ASSESSOR TÉCNICO DE
GABINETE III |
Elaborar planos, programas e
projetos relacionados às políticas públicas, avaliando e controlando os
recursos alocados a fim de garantir a efetividade das ações implementadas.
Elaborar pareceres, análises técnicas e despachos. Analisar dados e cenários
face às determinações do Executivo Municipal. Executar outras tarefas
correlatas. |
ASSISTENTE DE GABINETE |
Prestar assistência ao Secretário
Municipal, colaborando técnica e administrativamente na execução das
atividades do Gabinete. Executar outras atividades correlatas. |
ASSISTENTE TÉCNICO I |
Prestar assistência e fornecer
suporte técnico e administrativo às ações sob responsabilidade da
Coordenadoria, elaborando instrumentos de acompanhamento e promovendo a
atualização dos sistemas implantados. Executar outras atividades correlatas. |
ASSISTENTE TÉCNICO II |
Realizar estudos e análises para a
formulação e acompanhamento dos planos de ação da Coordenadoria. Prestar
assistência técnica aos dirigentes da Coordenadoria. Participar dos projetos
e programas da Coordenadoria, acompanhamento a sua execução. Executar outras
atividades correlatas. |
CHEFE DA CONTROLADORIA |
Coordenar a
fiscalização contábil, operacional e patrimonial dos órgãos e das entidades
públicas do Poder Executivo Municipal, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação de subvenções e renúncias de receitas. Adotar
medidas necessárias ao fiel cumprimento das normas de regularização e
controle público. Avaliar o cumprimento das metas previstas no plano
plurianual e a execução dos programas de governo, bem como avaliar os
resultados. Orientar e supervisionar tecnicamente as atividades de
fiscalização e auditoria na Administração Municipal. Promover a interlocução
com os órgãos de controle externos. Implementar medidas de integração e
controle social da Administração Municipal. Adotar medidas que confiram
transparência integral aos atos da gestão do Executivo Municipal. Executar
outras atividades correlatas. |
CHEFE DE DIVISÃO |
Executar a programação e
implementação de ações específicas e a operacionalização de processos de
trabalho de natureza técnica ou administrativa inerentes à sua área de
atuação. |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
I |
Chefiar unidades
administrativo-operacionais de baixa complexidade, responsabilizando-se pela
qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados ao cidadão.
Executar outras tarefas correlatas. |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
II |
Chefiar unidades administrativo-operacionais
de média complexidade, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e
eficiência dos serviços prestados ao cidadão. Executar outras tarefas
correlatas. |
CHEFE DE EQUIPAMENTO
III |
Chefiar unidades
administrativo-operacionais de alta complexidade, responsabilizando-se pela
qualidade, efetividade e eficiência dos serviços prestados ao cidadão.
Executar outras tarefas correlatas. |
CHEFE DE NÚCLEO |
Coordenar e garantir a execução das
tarefas do núcleo sob sua responsabilidade, assegurando o bom desempenho de
todas as atividades. Propor e implantar melhorias para a maximização dos
resultados da sua área de atuação. Executar outras tarefas correlatas. |
COORDENADOR GERAL |
Planejar e
coordenar ações que requerem nível elevado de conhecimento técnico, com
responsabilidade por ações e resultados da Secretaria ou de áreas
programáticas. |
COORDENADOR |
Coordenar a
programação e implementação das ações bem como a operacionalização de
processos de trabalho de natureza técnica, inerentes à sua área de atuação,
garantindo efetividade às entregas. |
COORDENADOR ADMINISTRATIVO |
Coordenar a
programação e implementação das ações bem como a implementação de processos
de trabalho de natureza administrativa, com responsabilidade por produtos e
resultados específicos. |
COORDENADOR DE CRAS |
Articular o
processo de implementação, execução, monitoramento, registro e avaliação das
ações, usuários e serviços; articular com a rede de serviços
sócio-assistenciais e das demais políticas sociais; coordenar a execução das
ações de forma a manter o diálogo e a participação dos profissionais e das
famílias inseridas nos serviços no CRAS e pela rede prestadora de serviços no
território. Executar outras tarefas correlatas. |
COORDENADOR
DE CREAS |
Articular o
processo de implantação do CREAS; coordenar a execução das ações; realizar
articulações/parcerias com instituições governamentais e não governamentais,
engajando-se no processo de articulação da rede sócio-assistencial; definir,
com a equipe técnica, os meios e os ferramentais teóricos – metodológicos de
trabalho a serem utilizados com as famílias, grupos e indivíduos; |
COORDENADOR DE PRONTO ATENDIMENTO |
Coordenar a
programação e implementação das ações e a operacionalização de processos de
trabalho de natureza técnica e administrativa visando garantir a efetividade
das atividades da Unidade de Pronto Atendimento. |
DIRETOR DE
DEPARTAMENTO |
Planejar, programar e implementar
ações e operacionalizar processos de trabalho de natureza técnica inerentes à
sua área de atuação, articulando ações de programas e projetos,
responsabilizando-se por produtos e resultados específicos. Executar outras
tarefas correlatas. |
LÍDER DE EQUIPE |
Chefiar e supervisionar equipes
operacionais, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência
dos serviços prestados. Executar outras tarefas correlatas. |
ENCARREGADO PRÓPRIO
PÚBLICO |
Supervisionar o grau de conservação
dos próprios públicos municipais, elaborando relatórios de conservação e
eficiência no uso energético, água e materiais, em atendimento aos
indicadores de desempenho definidos pelas Secretarias de Suporte. Executar
outras tarefas correlatas. |
OUVIDOR GERAL |
Dirigir a
Ouvidoria Geral do Município, responsabilizando-se pela sua gestão e
resultados. |
OUVIDOR GUARDA CIVIL MUNICIPAL |
Dirigir a
Ouvidoria da Guarda Civil Municipal, responsabilizando-se pela sua gestão e
resultados. |
PROCURADOR-CHEFE |
Chefiar,
planejar, orientar e acompanhar os serviços da Procuradoria Municipal. Ratificar
pareceres, iniciais, contestações, recursos e demais manifestações em ações
judiciais de interesse do Município. Elaborar relatórios referentes às
atividades de Procuradoria. Executar outras atividades correlatas. |
ANEXO IV – QUADRO SUPLEMENTAR – CARGOS EM COMISSÃO EM REGIME DE
EXTINÇÃO
SITUAÇÃO ATUAL |
SITUAÇÃO NOVA |
TOTAL |
DAD 1 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 1 |
312 |
DAD 2 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 2 |
141 |
DAD 3 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 3 |
202 |
DAD 4 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 4 |
440 |
DAD 5 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL
5 |
100 |
DAD 6 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 6 |
66 |
DAD 7 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 7 |
119 |
DAD 8 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 8 |
70 |
DAD 9 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 9 |
90 |
DAD 10 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO NÍVEL
10 |
60 |
DAD 11 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 11 |
27 |
DAD 12 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 12 |
8 |
DAD 13 |
AGENTE COMISSIONADO EM EXTINÇÃO
NÍVEL 13 |
5 |
|
TOTAL |
1640 |
(...)”. – grifo nosso.
Os dispositivos legais anteriormente descritos são
verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, conforme será
demonstrado a seguir.
2.
O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O artigo 16, caput,
em conjunto com os Anexos I e III, todos da Lei Complementar n° 369/16, do Município
de Barueri, ao criarem os aludidos cargos em comissão para o desempenho de
funções técnicas e operacionais, violou os artigos 111, 115, I, II e V e 144 da
Constituição do Estado de São Paulo.
Ademais, o § 3° do artigo 18, da Lei Complementar n°
369/16, do Município de Barueri, ao dispor que os cargos em comissão
disciplinados pelo Anexo IV serão extintos no prazo máximo de 2 (dois) anos ou
até a realização de concurso público, deu sobrevida aos 1.640 cargos em
comissão declarados inconstitucionais por este Órgão Especial na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000 e, dessa forma, não se
coaduna com os princípios do interesse público, moralidade e impessoalidade
administrativa, incorrendo em nítido desvio de poder legislativo, em afronta ao
artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
As normas contestadas são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:
“(...)
Artigo 111 - A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização
da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas
ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
I - os cargos, empregos e funções
públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.
(...)”
3.
FUNDAMENTAÇÃO
3.1.
DOS
CARGOS DE “ASSESSOR ESPECIAL” I e II, “ASSESSOR TÉCNICO DE GABINETE” I, II e
III, “ASSISTENTE DE GABINETE”, “ASSISTENTE TÉCNICO” I e II, “CHEFE DE DIVISÃO”,
“CHEFE DE EQUIPAMENTO” I, II e III, “CHEFE DE NÚCLEO”, “DIRETOR DE
DEPARTAMENTO”, “LÍDER DE EQUIPE” E “ENCARREGADO PRÓPRIO PÚBLICO”
Os cargos de provimento em comissão de
“Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III,
“Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”,
“Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de
Departamento”, “Líder de Equipe” e “Encarregado Próprio Público”, previstos no
artigo 16, caput, e Anexos I e III,
da Lei Complementar n° 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, não
expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento, revelando, ao
revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas, profissionais e
ordinárias. Bastante sintomática, aliás, a generalidade das funções descritas.
No que tange aos cargos públicos em comissão de “Assessor
Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de
Gabinete” e “Assistente Técnico” I e II, possuem atribuições demasiadamente
genéricas e imprecisas, de modo que, salvo pelo fato de trabalharem em órgãos
municipais diversos (Prefeitura, Secretárias e Coordenadorias,
respectivamente), não é possível distinguir um cargo do outro e identificar com
precisão quais funções serão exercidas por cada um, em ofensa aos princípios da
reserva legal e da razoabilidade (artigos 111 e 115, I, II e V da Constituição
Estadual).
Com efeito, somente a partir da descrição precisa das
atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento
administrativo e do direito dos administrados, averiguar-se a completa licitude
do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência
relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da
Administração Pública, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos
administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de
investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade,
impessoalidade e razoabilidade.
Essa situação – previsão de atribuições extremamente
genéricas – revela, com clareza, a violação dos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista, que, em
sua perspectiva substancial, exige proporcionalidade e razoabilidade no que diz
respeito às leis que delimitam aquilo que conhecemos como Direito Material.
Nesse sentido, como anota Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, o princípio da razoabilidade “visa
a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins, tendo
importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua aplicação” (Curso
de direito administrativo, 14 ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101).
Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 19
ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).
Ademais, o escalonamento entre Assessores e
Assistentes I, II e III, com diferentes níveis remuneratórios, não é compatível
com a natureza comissionada dos cargos, dando ideia típica de cargos de
carreira. (Anexo III da Lei em comento).
De efeito, constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de
carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto
“a própria organização, em carreira, dos
cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz
não se mostra compatível com a índole de comissão” (STF, Rp 1.282-SP,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p.
2345, RTJ 116/887).
Além disso, proporciona ao administrador público uma
grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e
pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do
assessor ou assistente (ou durante o exercício do cargo) para efeito
remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e impessoalidade.
Os mesmos vícios – descrição genérica das atribuições
e escalonamento de cargos – observam-se em relação aos cargos de “Chefe de
Equipamento”, I, II e III, que têm como função “chefiar unidades administrativas”, “responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência do
serviço prestado ao cidadão” (Anexo III da Lei).
Mostra-se, igualmente, genérica a descrição das
atribuições dos cargos de “Diretor de Departamento” e “Líder de Equipe”,
figurando, dentre elas, as de, respectivamente, “planejar, programar e implementar ações e operacionalizar processos de
trabalho de natureza técnica inerentes à sua área de atuação” e “chefiar e supervisionar equipes
operacionais, responsabilizando-se pela qualidade, efetividade e eficiência dos
serviços prestados” (Anexo III, da Lei em comento).
Por sua vez, dentre as atribuições do cargo de “Chefe
de Divisão” figura a de “operacionalização
de processos de trabalho de natureza técnica ou administrativa inerentes à sua
área de atuação”, função esta nitidamente técnica e operacional (Anexo III
da Lei).
Para finalizar, o cargo de “Encarregado Próprio
Público” possui, dentre as suas atribuições, as de “supervisionar o grau de conservação dos próprios públicos
municipais, elaborando relatórios de conservação e eficiência no uso
energético, água e materiais, em atendimento aos indicadores de desempenho
definidos pelas Secretarias de Suporte”, atribuições estas nitidamente
técnicas e operacionais (Anexo III da Lei).
Dessa forma, das atribuições previstas
para os referidos cargos, nos termos do Anexo III da Lei Complementar nº 369,
de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri, prevalecem atividades
burocráticas, relacionadas à supervisão de equipe de trabalhos, projetos,
programas, elaboração de relatórios e outros documentos, participação em
reuniões, orientação, acompanhamentos e informações, isto é, atividades
destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e
execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e
burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige
especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.
Vale ressaltar que, embora na
descrição das atribuições dos cargos de provimento comissionado haja referência
genérica às atividades de prestar assistência e assessoramento direto, a
análise das suas características indica que essencialmente são destinados a
atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a decisões e
execução.
Além destes aspectos indicativos de que
os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de
pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às
instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição inespecífica de suas atribuições, como
anteriormente explicitado, corrobora a natureza
puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de
direção, chefia e assessoramento superior.
Não é só. Outra característica também corrobora este
entendimento. Trata-se da exigência de conclusão apenas de curso de ensino
fundamental para os cargos de “Líder de Equipe” e “Encarregado de Próprio
Público” e, para os cargos de “Assessor Técnico de Gabinete I”, “Assistente de
Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de
Equipamento” I e II e “Chefe de Núcleo”, tão somente de nível médio de
escolaridade, reforçando, outrossim, a natureza de unidades executórias de
pouca complexidade, de nível subalterno, sem poder de mando e comando superior
e necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o
provimento em comissão.
A propósito do nível de escolaridade compatível com
cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse
Colendo Órgão Especial:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município de Alvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2012)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Legislações do Município que Tietê, que dispõe sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)
Outrossim, é importante destacar que o número
exacerbado de cargos de provimento em comissão, no caso em exame, mostra-se
irrazoável e desproporcional. Ao todo, são 1.199 os cargos de provimento em
comissão impugnados, conforme previsão do Anexo I da Lei Complementar nº 369,
de 24 de maio de 2016.
Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente
destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e
art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao
perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço
público sem concurso.
Embora o Município seja dotado de autonomia política
e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da
Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto pois se limita
ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.
ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser exercida com a
observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição
Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa, o
Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos,
instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se
estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize
seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional,
sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais
federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve
ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de
provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista
inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da
Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento
dos cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de
livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o
governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções
inerentes à atividade predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim
não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em
precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes
com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser
encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso
(STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas
aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam
excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com
relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem
além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e
qualquer servidor.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que
“os cargos em comissão são próprios para
a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente
que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua
orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por
essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o
nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício
de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente
profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas
pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Não
é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o
provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de
confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das
diretrizes políticas do governo.
Pela
análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam
os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo na vigência da ordem constitucional
anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio
Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real
controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de
sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a
atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de
competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa,
a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas
apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos
seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de
lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem,
comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma
fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade
pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre
provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior,
mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e
exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras,
enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos
titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas
atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer
preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT,
1984, p. 95/96).
No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes
referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu
adequado desempenho, relação de especial confiança.
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00,
j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de
janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30
de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des.
Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
3.2.
DO
DESVIO DE PODER LEGISLATIVO NA SOBREVIDA DADA PELO § 3° DO ARTIGO 18 AOS CARGOS
EM COMISSÃO DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS POR ESTE EGRÉGIO ÓRGÃO ESPECIAL NA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 2133101-80.2015.8.26.0000
O § 3° do artigo 18, da Lei Complementar n° 369, de
24 de maio de 2016, ao dispor que os cargos em comissão disciplinados pelo
Anexo IV serão extintos no prazo máximo de 2 (dois) anos ou até a realização de
concurso público, não se coaduna com o princípio do interesse público,
incorrendo em nítido desvio de poder legislativo, ao dar sobrevida aos 1.640
cargos em comissão declarados inconstitucionais por este Órgão Especial na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n° 2133101-80.2015.8.26.0000.
Com efeito, na sessão de julgamento de 27 de janeiro
de 2016, este E. Tribunal de Justiça julgou procedente a mencionada Ação Direta
proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, nos seguintes termos:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 3°, I, II e III, e Anexo II, da Lei Complementar n° 269, de 17 de maio de 2011, com as alterações dadas pela Lei Complementar n° 293, de 03 de janeiro de 2013, do Município de Barueri. Criação de cargos de provimento em comissão.
A criação de cargos de provimento em comissão, destinados, muitos deles, a funções burocráticas ou técnicas de caráter permanente são incompatíveis com os princípios retores previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Paulista e a possibilidade de contratação fere de morte o regime constitucional brasileiro. Não sendo caso de contratação em regime de urgência, imprescindível a realização de concurso público, conforme preceitua o inciso II do art. 37 da Constituição Federal. A criação desses cargos em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso. Afronta aos arts. 5°, 111, 115, incisos I, II e V; 144, todos da Constituição Estadual.
Inconstitucionalidade configurada. Ação procedente com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.”
Procedeu-se,
ainda, à modulação de efeitos da decisão, concedendo-se o prazo de 120 (cento e
vinte) dias para que produza efeitos. Inconformado, o Il. Prefeito Municipal de
Barueri opôs embargos declaratórios, a fim de ampliar o prazo da modulação para
270 (duzentos e setenta dias), recurso o qual foi rejeitado, em votação unânime,
na sessão de julgamento de 09 de março de 2016.
Não obstante,
em 18 de maio de 2016, o Il. Prefeito Municipal de Barueri enviou à Câmara
Legislativa, por meio da mensagem n° 025/16, o Projeto de Lei Complementar n°
005/2016, que originou a Lei Complementar n° 369/2016, não só criando os 1.199
cargos em comissão acima descritos e impugnados, mas também dando sobrevida por
até 2 (dois) anos aos 1.640 cargos em comissão declarados inconstitucionais na
Ação Direta acima mencionada.
Neste sentido,
consta da exposição de motivos da mensagem n° 025/16 enviada pelo Il. Prefeito
de Barueri à Câmara de Vereadores, verbis:
“(...)
No que tange aos cargos em comissão disciplinados no Anexo IV desta lei complementar, cabe salientar que terão eles vigência temporária, porquanto, com a implementação do plano de cargos e carreiras aprovado pela Lei Complementar n° 365, de 08 de abril de 2016, bem como com a realização de concursos públicos, serão eles extintos no prazo que se estima em até 24 (vinte e quatro meses).
É certo que tal redução, com exoneração dos respectivos ocupantes, se efetivada de imediato, causará sérios transtornos à Administração Municipal, com inegáveis prejuízos aos serviços públicos e, consequentemente, à comunidade administrada, dada a impossibilidade de substituição. (...)”. (fls. 61)
Destarte, resta patente o desvio de
poder legislativo nesse ato legislativo, buscando frustar, duplamente (seja por
meio da criação de novos cargos em comissão abusivos, seja por meio da
sobrevida a cargos em comissão já declarados inconstitucionais), a decisão
proferida pelo Egrégio Órgão Especial na mencionada Ação Direta.
Com efeito, os dispositivos legais em
questão encerram, de per si e atento
às circunstâncias, ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade, eis
que a criação de elevadíssimo número de cargos de provimento em comissão e a
sobrevida de cargos em comissão já declarados inconstitucionais, foram
utilizadas para fim distanciado de sua finalidade – exercício de funções de
assessoramento, chefia e direção –, visando tão somente favorecimentos
indevidos.
Nesse sentido, vide recente julgado
deste Colendo Órgão Especial, verbis:
“DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI MUNICIPAL Nº 7321, DE 6.11.14, QUE CRIOU CARGOS EM COMISSÃO PARA FUNÇÕES DESTINADAS A PROVIMENTO EFETIVO INCONSTITUCIONALIDADE ANTES JÁ RECONHECIDA EM OUTRA AÇÃO DIRETA, CUJO COMANDO AQUI SE BUSCOU FRUSTRAR INCLUSIVE COM NOMEAÇÕES EM CARÁTER PRECÁRIO, ATÉ O EFETIVO PREENCHIMENTO DOS CARGOS LIMINAR DE INÍCIO CONCEDIDA PELA RELATORIA, QUE ORA SE CONVALIDA, JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO NOS TERMOS DO PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA A MODULAÇÃO ABRANGENDO APENAS O QUANTO PRATICADO ANTERIORMENTE À LIMINAR CONCEDIDO, JÁ QUE SE TRATOU DE DESCUMPRIMENTO INDIRETO DO COMANDO JURISDICIONAL ANTERIOR AÇÃO PROCEDENTE, PARA ESSE FIM.
(...)
Duas ações de inconstitucionalidade foram anteriormente ajuizadas e julgadas procedentes, pelos mesmos fundamentos. Confira-se fl. 5, processos n°s 0528328-34.2010.8.26.0000 e 2007863-85.2014.8.26.0000. Só que, ao invés de cumprir o que se decidiu, com nova roupagem o Município fez baixar lei nova, em essência com as mesmas falhas de origem. Até o cargo de assessor jurídico (de natureza eminentemente técnica) tornando a ser provível em comissão. Assim como toda a “assessoria” mencionada a fl. 1 (de Gabinete, de Imprensa, das Comissões Técnicas Permanentes, etc), que de tal teria apenas nome de batismo. Assessor de Imprensa, por exemplo, exerce funções de caráter nitidamente técnico.” (TJ/SP; ADI 2128362-64.2015.8.26.0000; Des. Rel. Ferraz de Arruda; D.J. 27/01/16). – grifo nosso.
Cumpre atentar que não é novidade o
controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio
de poder. A esse respeito, concessa venia,
reporta-se o elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:
“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.
Temos, contudo, sustentado a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.
O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.
Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.
Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.
(...)
Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:
‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias’.
‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).
(...)
Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.
O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legítima destinação.
(...)
Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).
E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)”. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).
4. DOS PEDIDOS
a. Do Pedido Liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora.
A atual tessitura dos preceitos
legais do Município de Barueri apontados como violadores de princípios e regras
da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, porque permitem a investidura de pessoas em funções públicas de maneira
irregular e comprometem o Erário.
À luz deste perfil, requer-se a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, das expressões “Assessor Especial” I e II, “Assessor
Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de Gabinete”, “Assistente
Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe
de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio
Público” constantes nos Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo
IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de
Barueri.
b. Do pedido principal
Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Assessor
Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de
Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de
Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder
de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem
como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei Complementar nº 369, de 24
de maio de 2016, do Município de Barueri.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Barueri, bem como
posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 08 de novembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/ts
Protocolado nº 76.036/2016
Assunto: propositura
de ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões “Assessor
Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III, “Assistente de
Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”, “Chefe de
Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de Departamento”, “Líder
de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos Anexos I e III, bem
como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei
Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.
Interessados: Promotoria de Justiça de Barueri e
Associação dos Procuradores Municipais de Barueri.
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face das expressões
“Assessor Especial” I e II, “Assessor Técnico de Gabinete” I, II e III,
“Assistente de Gabinete”, “Assistente Técnico” I e II, “Chefe de Divisão”,
“Chefe de Equipamento” I, II e III, “Chefe de Núcleo”, “Diretor de
Departamento”, “Líder de Equipe”, “Encarregado Próprio Público” previstas nos
Anexos I e III, bem como do § 3° do artigo 18 e Anexo IV, todos da Lei
Complementar nº 369, de 24 de maio de 2016, do Município de Barueri.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 08 de novembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/ts