EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 100.765/16
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 1.736/2013 do Município de
Boracéia, que “Autoriza o poder executivo
a dar incentivo ao pequeno agricultor e ao proprietário de um único imóvel
urbano, na utilização de máquinas e implementos e dá outras providências”.
2)
Lei
Municipal que, ao possibilitar o uso de máquinas e implementos públicos por
particulares, não fixou normas que disciplinam o procedimento administrativo
respectivo. Ofensa aos princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e
transparência. (artigos 111 e 144 da CE/89)
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 100.765/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n.
1.736 de 03 de julho 2013, do Município de Boracéia,
pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado para apurar eventual inconstitucionalidade da Lei n. 1.736 de 03
de julho 2013, do Município de Boracéia, que “Autoriza o poder executivo a dar incentivo ao pequeno agricultor e ao
proprietário de um único imóvel urbano, na utilização de máquinas e implementos
”, e tem a seguinte redação:
“Artigo 1º - Fica o Poder Executivo Municipal, em consonância ao artigo 158 e seguintes, e 165 e seguintes, da Lei Orgânica do Município de Boracéia, autorizado a conceder o uso de máquinas, implementos e congêneres para os proprietários de imóveis agrícolas de pequeno porte, bem como ao proprietário de um único imóvel urbano, localizados nos limites do município de Boracéia.
Artigo 2º - O proprietário de área rural compreendida de 0 a 7,999 alqueires será isento de qualquer cobrança de taxa para a utilização de máquinas, implementos e congêneres em sua propriedade.
Parágrafo 1º - Do proprietário de área rural compreendida de 8,00 a 50,00 alqueires será cobrado o valor da taxa indicado na tabela elaborada pela na Lei 1.213/2001, com um abatimento de 50% (cinqüenta por cento), para a utilização de maquinas, implementos e congêneres em sua propriedade;
Parágrafo 2º - Para a propriedade ou a soma de mais de uma propriedade de um mesmo proprietário, que atingir área igual ou superior a 51,00 alqueires, que possuam mais que um imóvel urbano, bem como aqueles que possuam máquinas, tratores ou equipamentos, fará jus aos benefícios desta lei, porém, serão taxados pelo dobro dos valores constante na tabela da Lei 1.213/2001, para efeito de compensação financeira, em virtude de possível redução de receita em decorrência da isenção aos beneficiados desta lei.
Artigo 3º - Serão beneficiados desta isenção de cobrança, pelo uso de máquinas, implementos e congêneres, proprietários de um único imóvel urbano, independente de sua dimensão.
Artigo 4º - As despesas com a execução desta lei correrão por
conta de dotação orçamentária própria, podendo, ainda, o Poder Executivo
Municipal providenciar as adequações orçamentárias necessárias nas peças de
Planejamento do PPA, LDO e LOA.”
O referido ato normativo violou os artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
2.
DA FUNDAMENTAÇÃO
A Lei Complementar n. 1.736 de 03 de julho 2013, do Município de Boracéia, ao autorizar o uso de máquinas, implementos e congêneres, não trouxe qualquer disciplina acerca do rito procedimental para estas autorizações, revelando-se frontalmente contrária à Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.
O preceito da Constituição do Estado violado é:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Não obstante a nobre intenção do legislador municipal, consubstanciada na tentativa de se promover o incentivo ao pequeno agricultor, percebe-se que ato normativo impugnado não trouxe em seu bojo mínima regulamentação que permita sua aplicação de acordo com os princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e transparência.
O estabelecimento em lei municipal da possibilidade de se autorizar ao particular o uso de máquinas, implementos e congêneres, exigiria que no mesmo ato normativo houvesse, de forma pormenorizada, a disciplina para esta autorização, como a forma de manifestação de interesse por parte dos munícipes interessados, a publicidade das máquinas e implementos disponíveis, os critérios utilizados para a seleção dentre aqueles interessados, o prazo para uso dos bens, a motivação e a decisão final pela administração pública.
A inexistência destes parâmetros acaba por deixar à livre discricionariedade do administrador, sem filtros pautados na impessoalidade e transparência administrativa, a eleição de quando e quem será beneficiado.
O rol de possíveis beneficiários é muito amplo (proprietários de um único imóvel urbano ou imóveis agrícolas de pequeno porte). A experiência revela ser comum a prática de favores a munícipes próximos a pessoas ligadas à administração ou mesmo de benefícios em épocas eleitorais.
Neste contexto, a inexistência de mínima e adequada normatização do tema, com a fixação do procedimento administrativo a ser seguido e dos critérios objetivos respectivos, representa ofensa aos princípios da impessoalidade, publicidade, transparência e moralidade administrativa.
Ensina Wallace Paiva Martins Júnior:
“A ampla e efetiva publicidade da atuação administrativa, motivação de seus atos e a participação do administrativo na condução dos negócios públicos são subprincípios (e instrumentos) do princípio da transparência. (...) É a partir da transparência administrativa se propicia o desenvolvimento de linhas de atuação administrativa contando com a participação do administrado – não apenas espectador passivo ou destinatário fiscal da conduta, senão agente colaborador na tomada de decisões administrativas – para realce do caráter público da gestão administrativa de diálogo aberto, de feição contraditória, de consenso. (...) Num modelo de Estado em que a intervenção estatal é crescente, a opacidade administrativa compromete a eficiência e a moralidade de suas decisões”.[1]
Conferiu-se ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-se aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, por critérios pessoais, que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.
Ora, a lei deveria trazer balizas acerca da forma de requerimento, publicidade das máquinas e implementos disponíveis aos particulares, trâmite do procedimento administrativo, critérios em caso de concomitância de requerimentos, prazo para utilização dos bens públicos, etc.
Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.
Desta forma, o ato normativo impugnado possibilita que o uso de bens públicos seja autorizado sem a existência de qualquer procedimento administrativo que concretize a publicidade e a transparência, abrindo margem à violação aos princípios da moralidade e impessoalidade, expondo potencialmente a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.
3.
DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar
Municipal n. 1.736, de 03 de julho de 2013, do Município de Boracéia.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito
e ao Presidente da Câmara Municipal de Boracéia, bem como posteriormente citado
o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 24 de outubro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj
Protocolado nº 100.765/16
Interessado: Município de Boracéia
Assunto: inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 1.736/13
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 24 de outubro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj
[1] JUNIOR, Wallace Paiva Martins, Transparência Administrativa: publicidade, motivação e participação popular, Saraiva. 2004, pp. 20, 21 e 33;