Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 88.573/2016
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 53 da Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí. Fixação do percentual mínimo de 5% dos cargos de provimento em comissão reservados a servidores de carreira, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual mínimo de 5% (cinco por cento) para preenchimento de cargos de provimento em comissão na estrutura da Administração direta e indireta de Jacareí, vez que, ao estabelecer em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal. 3. Precedentes do Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do art. 53 da
Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010,
do Município de Jacareí, ao dispor sobre a estrutura administrativa do Poder
Executivo Municipal, estabeleceu percentual de cargos de provimento em comissão
destinados a servidores de carreira, da seguinte forma:
“Art. 53. No provimento dos cargos em comissão da administração direta e indireta, deverá ser assegurado pelo menos 5% (cinco por cento) do total de suas vagas a serem ocupadas por servidores de carreira, nos termos estabelecidos pelo art. 37, inciso V, da Constituição Federal”.
O preceito impugnado, apesar de tender à obediência ao art. 115, V, da
Constituição Paulista, em verdade, frustra seu objetivo na medida em que
autoriza a investidura de servidores exclusivamente comissionados em 95%
(noventa e cinco por cento) do quadro de cargos de provimento em comissão.
Destarte, o Município torna a exigência plasmada no art. 115, V, da
Constituição Paulista, mera ficção jurídica por evidente esvaziamento de sua ratio normativa, havendo notória
violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição Estadual.
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
O percentual estabelecido no art. 53
da Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos contestados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V
- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento;
(...)
Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A legislação examinada
estabelece percentual mínimo
de 5% (cinco por cento) para preenchimento de cargos em comissão por servidores
de carreira no Município de Jacareí.
Dessa forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira
análise, poder-se-ia cogitar sua obediência ao disposto no art. 115, V, da
Constituição Estadual, porquanto se visualiza no ente em comento diploma
tendente a dar cumprimento ao comando constitucional apontado.
Contudo, a partir de uma interpretação acurada da ratio essendi do art. 115, V, da CE, a
intelecção supramencionada revela-se errônea, pois ao prever percentual assaz
diminuto de postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira
no ente, conforme acima mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado
por representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto,
notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta
evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à
excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento de postos na
estrutura da Administração.
Nesse sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, em recente decisão envolvendo caso idêntico,
relativo ao Município de São Sebastião, no qual o percentual também era fixado
em 5% (cinco por cento):
(...)
“IV. ATRIBUIÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO
DE 5% DOS CARGOS EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE
CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO. O ARTIGO 115, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
DEIXA À DISCRICIONARIEDADE DO LEGISLADOR O ESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DOS
CARGOS EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS DE
PROVIMENTO EFETIVO, SEM QUALQUER LIMITAÇÃO PRÉVIA. TODAVIA, ESSA
DISCRICIONARIEDADE NÃO PODE FRUSTRAR A EXCEPCIONALIDADE DAS REGRAS PREVISTAS
NOS ARTIGOS 111 E 115, V, DA CARTA BANDEIRANTE. INCONSTITUCIONALIDADE
CONFIGURADA. A
Constituição Estadual deixou ao critério discricionário do legislador a fixação
de percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores
efetivos, de modo que, em princípio, não será o baixo percentual de servidores
efetivos que atrairá inconstitucionalidade da lei. Mas quando esse percentual é adotado em uma Cidade do porte de São
Sebastião, a reserva de 95% dos cargos comissionados na Câmara Municipal a
pessoas estranhas ao quadro de pessoal, resta configurada a
inconstitucionalidade por afronta à razoabilidade, à proporcionalidade e à
moralidade. Por isso, a norma que o fixa em percentual de 5% na Câmara
Municipal de São Sebastião está eivada de inconstitucionalidade, por afronta
aos artigos 111 e 115, V, da Carta Bandeirante” (ADI nº 2095094-82.2016.8.26.0000,
Rel. Amorim Cantuária, j. 21 de setembro de 2016).
Vale a pena a transcrição do entendimento desse
Colendo Órgão Especial a respeito do tema, contido no aresto mencionado:
“(...) Quanto ao disposto no parágrafo 2º, do artigo 21, que estabeleceu o
percentual de, no mínimo, 5% dos cargos de provimento em comissão a serem
preenchidos por servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo da Câmara
Municipal de São Sebastião, em que pese a preocupação do Legislativo local de
disciplinar a matéria, de fato, essa tentativa, a meu sentir, configurou burla ao comando do artigo
115, inciso V, da Constituição do Estado de São Paulo, pois aquele
percentual, em São Sebastião, não revela número razoável de servidores de
carreira para provimento dos cargos em comissão. Tal percentual neste caso não alcança a finalidade da norma, a de
estimular a profissionalização do serviço público, e, por consequência,
estimular o servidor titular de cargos de provimento efetivo.
O artigo 115, inciso V, da Constituição Estadual dispõe a respeito:
“Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: (...) V as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Como se observa, o legislador constitucional embora tenha determinado que
parcela dos cargos em comissão deveriam ser preenchidos por servidores de
carreira, deixou para o legislador local a opção livre de escolher qual o percentual
mínimo de cargos a serem preenchidos de acordo com esses critérios. Mas,
a fixação desse percentual deve
respeitar a razoabilidade, proporcionalidade e proporcionalidade, princípios
que dirigem a atividade administrativa, nos termos do artigo 111 da
Constituição de São Paulo” (grifo nosso).
Ora, se esse entendimento foi aplicado a São Sebastião
considerando o “porte” do referido município, com maior razão deverá ser
igualmente aplicado quanto ao município de Jacareí, cujo “porte” é três vezes
maior.
Destaque-se, ainda, que em outro recente acórdão
proferido por essa Colenda Corte, restou
assim assentado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Artigos 8º e 9º da Lei Complementar
nº 235, de 31 de março de 2016, do Município de Lorena - Fixação do percentual
de 35% dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores
de carreira do Poder Executivo. Modulação do percentual em 10% até abril de
2016 e 20% até abril de 2018 - Violação aos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade e moralidade, além de burla ao comando do art. 115, V, da
Constituição Estadual (já que, na prática, acabaria por 'esvaziar' a exigência
contida no art. 115, V, do mesmo diploma legal, além de afrontar seu artigo
111) - Decreto de procedência” (ADI nº 2094952-78.2016.8.26.0000, rel. Des.
Salles Rossi, j. em 10.08.2016).
Ante o exposto, o percentual estabelecido na lei objurgada não se
concilia com os arts. 111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser
declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal de Justiça.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura da norma municipal apontada como violadora de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do exercício
de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção do
dispositivo impugnado favorecerá o descumprimento do mandamento constitucional.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, do
art. 53 da Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, responsável
por fixar o percentual para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta e indireta do município.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da
presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do
art. 53 da Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, responsável
por fixar o percentual para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta e indireta do município.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Jacareí, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o
dispositivo normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 18 de outubro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo
Protocolado nº 88.573/2016
Assunto: Constitucionalidade
do art. 53 da Lei nº 5.498/10 do Município de Jacareí.
Promova-se a distribuição de ação direta de
inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em
face do art. 53 da Lei nº 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí,
que fixou percentual mínimo de 5% dos cargos de provimento em comissão
reservados a servidores de carreira, na estrutura administrativa direta e
indireta do município.
São Paulo, 18 de outubro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo