Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 31.108/2016
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Expressão “§ 2°. 10% (dez por cento) dos cargos em comissão criados serão obrigatoriamente preenchidos por servidores públicos efetivos” constante no artigo 1° da Lei Complementar nº 168, de 12 de novembro de 2015, do Município de Estância Turística de Olímpia. Fixação de percentual ínfimo de 10% (dez por cento) dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual mínimo de 10% (dez por cento) dos cargos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal a serem preenchidos por servidores de carreira, vez que, ao estabelecer em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa do município.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado
(PT. n° 31.108/16), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da expressão
“§2°. 10% (dez por cento) dos cargos em comissão criados serão obrigatoriamente
preenchidos por servidores públicos efetivos do Município, Estado ou União”
constante no artigo 1º da Lei Complementar nº 168, de 12 de novembro de 2015,
do Município de Estância Turística de Olímpia, que “Dispõe sobre alterações na
Lei Complementar n° 138, de 11 de março de 2014”, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei Complementar nº 168, de 12
de novembro de 2015, do Município de Estância Turística de Olímpia, no que pertine ao desfecho da
presente ação, dispõe que:
“(...)
Art. 1º - O artigo 9°, do Capítulo II, do Quadro Geral de Pessoal, da Lei Complementar n° 138, de 11 de março de 2014, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Classificação de Cargos da Prefeitura do Município de Olímpia, institui nova tabela de remuneração e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 9°. Os cargos em comissão são de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito do Município da Estância Turística de Olímpia, obedecendo aos seguintes critérios:
(...)
§ 2°. 10 % (dez por cento) dos cargos em comissão criados serão
obrigatoriamente preenchidos por servidores públicos efetivos do Município,
Estado ou União.”
(...)” – grifo nosso.
O diploma legislativo citado acima impõe que apenas 10% (dez por cento)
dos cargos comissionados da estrutura administrativa da Prefeitura de Olímpia
sejam ocupados por servidores de carreira.
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, ainda que a contrario sensu, o intérprete pode
ter a impressão de que o mesmo guarda obediência ao comando inscrito no art.
115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, a partir da
interpretação do art. 1º do diploma impugnado, ao prever diminuto percentual de
cargos de provimento em comissão a serem ocupados por servidores de carreira, o
Município torna a exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica, por
evidente esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição
Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O percentual estabelecido no art. 1º da Lei Complementar nº 168, de 12 de novembro de 2015, do
Município de Estância Turística de Olímpia, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
O dispositivo normativo contestado é
incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:
“Artigo 111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por
lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, fixado em
ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como de compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passar a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A partir da interpretação do art. 1º, do diploma impugnado, se constata que 90% (noventa por cento) dos cargos de provimento em comissão, no âmbito do Poder Executivo, poderão ser preenchidos por servidores puramente comissionados e somente 10% (dez por cento) serão ocupados por servidores de carreira.
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto (e até mesmo inexistente) de
postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira no ente,
conforme acima mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado por
representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória
violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à
razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à
excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento de postos na
estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão
reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das
providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser
preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.”
(TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres,
j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição
de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza,
j. em 10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto, o percentual
estabelecido na lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115, V, da
Constituição Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este
E. Tribunal de Justiça.
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da expressão “§2°. 10%
(dez por cento) dos cargos em comissão criados serão obrigatoriamente
preenchidos por servidores públicos efetivos do Município, Estado ou União”
constante no artigo 1º da Lei Complementar nº 168, de 12 de novembro de 2015,
do Município de Estância Turística de Olímpia.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e
ao Presidente da Câmara Municipal de Estância Turística de Olímpia, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que pede
deferimento.
São
Paulo, 17 de novembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efsj/ts