EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 50.943/2016
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão
“Diretor de Engenharia” constante no artigo 1° da Lei Complementar n° 69, de 17
de março de 2016, do Município de Caiabu. 1) É inconstitucional a criação
de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de
assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas, burocráticas,
operacionais e profissionais a serem exercidas por servidor público investido em
cargo de provimento efetivo; 2) Violação dos artigos 111, 115, II e V, da
Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 50.943/2016, que segue anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “Diretor de Engenharia” constante no artigo 1°, da Lei Complementar n° 69, de 17 de março de 2016, do Município de Caiabu, pelos fundamentos expostos a seguir:
I – DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei Complementar nº 69, de 17 de março
de 2016, do Município de Caiabu, que “dispõe sobre a criação de cargo que
especifica na Lei Complementar n° 02/2016 e dá outras providências”, tem no que
interessa para o desfecho da presente ação, com o nosso destaque, a seguinte
redação:
“(...)
Art. 1°- Fica criado no Anexo II (CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO) da Lei Complementar n° 02, de 28 de abril de 2006:
QUANTIDADE |
CARGO |
|
REFERÊNCIA |
DISCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO |
01 |
Diretor de Engenharia |
|
18-QG |
-Fiscalizar as obras e serviços técnicos; -Elaboração de Orçamentos; -Elaboração de Planilhas, Memorial Descritivo,
plantas, medição. |
(...)” (SIC)
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
O dispositivo legal impugnado contraria frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo.
Com
efeito, a norma contestada é incompatível
com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
III- DO CARGO DE “DIRETOR DE
ENGENHARIA”
As
atribuições do cargo em comissão de “Diretor de Engenharia”, descritas no
artigo 1° da Lei em questão, não expressam funções de chefia, direção ou
assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargo com funções técnicas, burocráticas,
profissionais e ordinárias.
Com
efeito, as atribuições do cargo objurgado consistem em “fiscalizar as obras e serviços técnicos”, elaborar orçamentos e elaborar planilhas, memorial descritivo, plantas
e medição, funções estas notoriamente técnicas e ordinárias, a serem
exercidas por servidores públicos investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados
após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
Como
bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:
“A criação de tais cargos é exceção a
esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de
execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta
fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos
casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o
servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de
atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem
vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a
autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por
servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e
títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI
173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
Não
há, evidentemente, nenhum componente no posto acima transcrito a exigir o
controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem
desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivo aos princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115
da Constituição Estadual.
Nesse
sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em
comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica,
operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e
direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de
provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.
A
criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada,
artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V,
da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição
Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as
quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções
técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido
de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Não
é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego
público, mas somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições
de natureza política de assessoramento, chefia e direção. Assim, é vedada a
criação de cargos de provimento em comissão com funções meramente burocráticas,
operacionais, técnicas, de natureza profissional e permanente.
Como
é cediço, os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às
atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais
esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos
para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle
de diretrizes político-governamentais.
A jurisprudência
proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em
comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao
exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de
assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes,
v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE
680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF,
AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE
693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012;
STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u.,
DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot
Akel, v.u., 30-01-2008).
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
Há,
com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse,
estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para
acesso ao serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal
Federal, que “a criação de cargo em
comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)”
(Direito administrativo brasileiro, 33.
Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites
à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com
a permissão para tal criação, “propiciar
ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício
de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”
(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Cumpre observar que o cargo mencionado não reflete a
imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
IV
– Pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito legal do Município
de Caiabu apontado como violador de princípios e regras da Constituição do
Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a
evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.
À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, da expressão “Diretor de Engenharia”
constante no artigo 1°, da Lei Complementar n° 69, de 17 de março de 2016, do
Município de Caiabu.
V –
Pedido
Posto
isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao
final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da
expressão “Diretor de Engenharia” constante no artigo 1°, da Lei Complementar
n° 69, de 17 de março de 2016, do Município de Caiabu.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Caiabu, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 16 de novembro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/ts
Protocolado nº 50.943/2016
Interessado: Promotoria
de Justiça de Regente Feijó
Assunto: Inconstitucionalidade da expressão
“Diretor de Engenharia” constante no artigo 1°, da Lei Complementar n° 69, de
17 de março de 2016, do Município de Caiabu.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 16 de novembro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef