EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 150.175/2016
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 5º da Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016, do Município de Itapetininga. Revisão geral anual. Subsídio de agentes políticos municipais (Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários). 1. Inexistência do direito à revisão geral anual da remuneração aos agentes políticos municipais porquanto exclusivamente conferido aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. 2. Arts. 111, 115, XI e 144, CE; arts. 29,V e VI, e 37, “caput”, X, e 39, § 4º, da CF.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso
III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas
no incluso protocolado (PGJ nº 150.175/2016), vem perante esse Egrégio Tribunal
de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face do art. 5º da Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016, do Município de
Itapetininga, pelos fundamentos expostos a seguir.
1) DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.
O protocolado que instrui esta inicial
de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi
instaurado por esta Procuradoria-Geral de Justiça a fim de apurar a
constitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016, do Município de
Itapetininga, que dispõe sobre os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e
Secretários Municipais para o quadriênio que se inicia em janeiro de 2017:
“(...)
Art. 5º - Os subsídios de que trata esta Lei serão objeto de revisão anual, mediante lei específica, na mesma data da revisão geral anual dos vencimentos dos servidores públicos municipais, limitada à variação do IPCA, no período incorrido desde a fixação ou a revisão anual precedente, observados os limites previstos na Constituição da República, na Lei Orgânica do Município e demais normatizações concernentes à matéria.
(...)” (grifo nosso) (sic)
A
inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016,
do Município de Itapetininga reside na previsão de que os subsídios do
Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais serão objeto de revisão geral
anual.
2) DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA
DE CONSTITUCIONALIDADE
O art. 5º da
Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016, do Município de Itapetininga contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Referido
dispositivo normativo autoriza o reajuste dos subsídios mensais dos Secretários
Municipais, Prefeito e Vice Prefeito, por meio da revisão geral anual.
Tal preceito é
incompatível com os seguintes dispositivos da Constituição Estadual, aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144:
“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115. Para a organização da administração pública direta
e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem
distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á
sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em
cada caso;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição
(...)”.
Note-se que o disposto nos arts. 111 e 115, XI da Constituição Estadual, reproduzem o art. 37, caput, e inciso X, da Constituição Federal.
De outra parte,
o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a
observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos
princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter
remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia
municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como
averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de
constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel.
Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min.
Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Neste contexto, não foram observados os seguintes preceitos da Constituição Federal:
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...).
V -
subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados
por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37,
XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I
VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
(...)
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
(...)
§ 4º. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.
Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos comuns, porquanto não têm o status de agentes profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política – o Secretário por nomeação para cargo em comissão e o Prefeito e Vice-Prefeito por eleição.
Ainda que se
recuse a observância da regra da anterioridade da legislatura aos subsídios do
Chefe do Poder Executivo local e seus auxiliares por interpretação literal do
art. 29, V, da Constituição Federal, é absolutamente seguro que a revisão
de seus subsídios deve observar o princípio da legalidade remuneratória e o regime
jurídico de remuneração peculiar, eis que o direito à revisão geral anual é
exclusivo dos servidores públicos.
Embora não estejam necessariamente
atreladas revisão geral anual e irredutibilidade remuneratória, resulta do
ordenamento jurídico positivo que tais direitos são circunscritos aos
servidores públicos e agentes políticos vitalícios por ocuparem cargos
profissionais, cujo regime jurídico é marcadamente distinto daqueles que
transitoriamente são investidos em cargos públicos de natureza política.
A Constituição Federal não autoriza a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois, esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) e Constituição Estadual (art. 115, XI) é restrito aos servidores públicos em geral.
O ato normativo guerreado - adite-se - vulnera ainda a moralidade administrativa (art. 37, “caput”, Constituição Federal e 111 da Constituição Estadual).
Os
agentes políticos são servidores profissionais, e a eles não se dirige a
garantia da revisão geral anual que, como se infere do art. 37, X, da
Constituição Federal, é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e
dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, ou
seja, magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em
virtude do caráter profissional de seu vínculo à função pública.
Assim se inclina a doutrina a
professar que:
“os direitos à irredutibilidade e a revisão geral anual são exclusiva e explicitamente consignados aos servidores públicos stricto sensu e aos agentes políticos investidos, estável ou vitaliciamente, em cargos isolados ou de carreira de natureza técnico-científica, não se estendendo aos agentes políticos. Em especial, aos municipais, por colidir com a regra da fixação dos subsídios na legislatura precedente em momento anterior às eleições” (Wallace Paiva Martins Júnior. Remuneração dos Agentes Públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 226, g.n.).
O art. 29, VI, da Constituição de 1988, edifica como decorrência do princípio da moralidade administrativa (art. 37, Carta Magna) as regras da anterioridade da legislatura para fixação dos subsídios dos Vereadores e de sua inalterabilidade durante esse período. A mesma regra se estende aos demais agentes políticos (Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários).
A
revisão geral anual prevista no ato normativo impugnado ofende o art. 115, XI,
da Constituição Estadual, que reproduz o artigo 37, X, da Constituição Federal,
e que deve ser analisado em conjunto ao art. 39, § 4º, da Carta Magna.
Isto
porque os agentes políticos não foram contemplados com o direito à revisão
geral anual de sua remuneração que é adstrito aos servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo.
Este é o entendimento pacífico neste Colendo Supremo Tribunal Federal:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. REMUNERAÇÃO. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal de origem, ao constatar que os Atos 3 e 4/97 da Mesa da Câmara Municipal de Arapongas traduziram majoração de remuneração, agiram em conformidade com o entendimento pacífico desta Suprema Corte no sentido de que a remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente, de acordo com o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal. Precedentes. III – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).
“CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VEREADORES. REMUNERAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. CF/88, ART. 29, V. 1. Princípio da anterioridade - A remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente (CF, art. 29, V). Precedentes. 2. As razões do regimental não atacam os fundamentos da decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido” (STF, AgR-RE 229.122-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 25-11-2008, v.u., DJe 19-12-2008).
Ao apreciar Recurso Extraordinário interposto em face de ação direta de inconstitucionalidade similar, ajuizada por esta Procuradoria-Geral de Justiça, assim decidiu este Colendo Supremo Tribunal Federal:
“O recurso extraordinário não merece ser provido. Isso porque a decisão preferida pelo Tribunal de origem está alinhada com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que entende ser o art. 29, V, do Texto Constitucional autoaplicável, devendo o subsídio dos agentes políticos ser fixado até o final de uma legislatura para produzirem efeitos na seguinte. Confiram-se, a propósito, o seguinte precedente:
“Prefeito. Subsídio. Art. 29, V, da Constituição Federal. Precedente da Suprema Corte. 1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 29, V, da Constituição Federal é auto-aplicável. 2. O subsídio do prefeito é fixado pela Câmara Municipal até o final da legislatura para vigorar na subseqüente. 3. Recurso extraordinário desprovido.” (RE 204.889-AgR, Rel. Min. Menezes Direito). Dessa orientação não divergiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao concluir que houve ofensa ao art. 29, VI, da Constituição, na medida em que “a regra da legislatura é incompatível com a revisão geral anual”.
No mesmo sentido, e sobre a mesma controvérsia, veja-se o RE 728.870, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia.
Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso.” (RE 683133/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 19/04/2016)
Portanto, o artigo 5º da Lei Municipal n. 6.155/2016, do Município de Itapetininga, ao autorizar a revisão geral anual dos subsídios dos agentes públicos municipais, violou os artigos 111, 115, XI, da CE/89, bem como os artigos 29, V e VI, 37, “caput”, X e 39, § 4º, da CF/88, que devem ser observados, na forma do artigo 144 da CE/89.
DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 6.155, de 13 de setembro de 2016, do Município de Itapetininga.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito
Municipal de Itapetininga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em
que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 16 de novembro de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
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Protocolado
nº 150.175/16
1.
Distribua-se
a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2.
Oficie-se
ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3.
Cumpra-se.
São Paulo, 16 de novembro de 2016.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral
de Justiça