EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 102.122/16

 

 

                                               Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia, que preveem a cessão temporária de bens móveis públicos a particulares, mediante remuneração.

2)      A ausência de fixação de normas disciplinando o procedimento administrativo destinado a possibilitar o uso de máquinas e operadores públicos por particulares respectivo, ofende os princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e transparência. (arts. 111 e 144 da CE/89)

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 102.122/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado para apurar eventual inconstitucionalidade dos arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia, que preveem a cessão temporária de bens móveis públicos a particulares, mediante remuneração, nos seguintes termos:

“Art. 36. Poderão ser cedidos a particulares, para serviços transitórios, máquinas e operadores da Prefeitura, desde que não haja prejuízo para os trabalhos do Município e o interessado recolha, previamente, a remuneração arbitrada e assine termo de responsabilidade pela conservação, guarda, danos e devolução dos bens cedidos.

Art. 37. Salvo interesse público devidamente justificado, a utilização dos bens municipais por terceiros será sempre remunerada consoante o valor de mercado, neste compreendidos o gasto com combustível, a depreciação do bem e os custos indiretos.

§1º. A remuneração, de que trata o caput, poderá ser revista semestralmente, ou em tempo inferior se a ordem econômica o exigir.

§2º. O pagamento da remuneração, de que trata este artigo, não exime o usuário de outras responsabilidades, a exemplo das tributárias.”

Pois bem.

Os referidos atos normativos violaram os artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, conforme se passa a expor.

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

Os arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia, ao estipular previsão normativa permitindo a cessão de máquinas e operadores da Prefeitura por particulares, ainda que de forma transitória e mediante remuneração, não trouxe qualquer disciplina acerca do rito procedimental para estas cessões, revelando-se frontalmente contrária à Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado violados são:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Não obstante a intenção do legislador municipal em evitar a depreciação ou deterioração de bens móveis públicos pertencentes ao Município, percebe-se que os dispositivos impugnados não contemplaram um mínima regulamentação que permita sua aplicação de acordo com os princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e transparência, vez que inexiste na cessão em comento um iter administrativo destinado a viabilizar a fruição individual por particulares de bens públicos que pertencem à coletividade, e que, em regra, deveriam estar afetos a atividades de interesse público.

Ou seja, quando do regramento normativo voltado à cessão examinada o legislador deveria ter estabelecido no mesmo ato normativo, de forma pormenorizada, a forma pela qual se daria a aludida cessão, como a forma de garantir a manifestação de interesse por parte dos munícipes interessados, a publicidade das máquinas e implementos disponíveis, os critérios utilizados para a seleção dentre aqueles interessados, o prazo para uso dos bens, a motivação e a decisão final pela administração pública, bem como a efetiva demonstração de que os trabalhos municipais não serão prejudicados com a materialização do presente ato administrativo.

Inexistindo estes parâmetros insculpidos de forma clara no texto legislativo o resultado não poderia ser outro senão a ofensa a diversos princípios entabulados no art. 111 da Constituição Estadual, vez que sua omissão deixa o ato em questão à livre discricionariedade do administrador, sem filtros pautados na impessoalidade e transparência administrativa, pois existiriam critérios objetivos referentes à eleição de quando e quem será beneficiado, evitando-se a cessão a munícipes pelo simples fato de estarem próximos a pessoas ligadas à Administração ou mesmo de benefícios em épocas eleitorais.

Neste contexto, a inexistência de mínima e adequada normatização sobre o tema, com a fixação do procedimento administrativo a ser seguido e pautado em critérios objetivos, representa ofensa aos princípios da impessoalidade, publicidade, transparência e moralidade administrativa.

Ensina Wallace Paiva Martins Júnior:

“A ampla e efetiva publicidade da atuação administrativa, motivação de seus atos e a participação do administrativo na condução dos negócios públicos são subprincípios (e instrumentos) do princípio da transparência. (...) É a partir da transparência administrativa se propicia o desenvolvimento de linhas de atuação administrativa contando com a participação do administrado – não apenas espectador passivo ou destinatário fiscal da conduta, senão agente colaborador na tomada de decisões administrativas – para realce do caráter público da gestão administrativa de diálogo aberto, de feição contraditória, de consenso. (...) Num modelo de Estado em que a intervenção estatal é crescente, a opacidade administrativa compromete a eficiência e a moralidade de suas decisões”.[1]

Conferiu-se ampla e excessiva discricionariedade ao administrador local, permitindo-se aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, por critérios pessoais, que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

Ora, os dispositivos objurgados deveriam trazer balizas acerca da forma de requerimento, publicidade das máquinas e operadores disponíveis aos particulares, trâmite do procedimento administrativo, critérios em caso de concomitância de requerimentos, prazo para utilização dos bens públicos, etc.

Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

Desta forma, os atos normativos impugnados possibilitam que o uso de bens públicos seja autorizado sem a existência de qualquer procedimento administrativo que concretize a publicidade e a transparência, abrindo margem à violação aos princípios da moralidade e impessoalidade, expondo potencialmente a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

3.     DO PEDIDO

 

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal de Rancharia, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 16 de novembro de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ms

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 102.122/16

Interessado: Promotoria de Justiça de Rancharia

Assunto: inconstitucionalidade dos arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em face dos arts. 36 e 37 da Lei Orgânica do Município de Rancharia.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 16 de novembro de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

ms



[1] JUNIOR, Wallace Paiva Martins, Transparência Administrativa: publicidade, motivação e participação popular, Saraiva. 2004, pp. 20, 21 e 33;